Londres – O júri do principal concurso de fotojornalismo do mundo escolheu a foto pungente de uma grávida sendo removida de um hospital bombardeado pela Rússia em Mariupol, nos primeiros dias da guerra da Ucrânia, como a melhor do ano no World Press Photo 2023.
Era previsível que uma foto da guerra que já passa de um ano e deixou pelo menos 12 jornalistas mortos, entre eles fotógrafos e cinegrafistas, estivesse entre as melhores.
O autor da imagem não é um dos muitos profissionais estrangeiros que cobrem a guerra. Ele é Evgeniy Maloletka, um fotógrafo de guerra ucraniano que vem documentando os conflitos na Ucrânia desde 2014, sob a perspectiva de alguém que vê seus concidadãos terem suas vidas devastadas.
O cerco a Mariupol e o ataque ao hospital, nos primeiros dias da guerra (9 de março de 2022), deu o tom da crueldade que viria a marcar o conflito, arrasando cidades e tirando a vida de pelo menos 21 mil civis.
Maloletka foi um dos poucos fotógrafos a documentar eventos em Mariupol naquela época, como ele relatou.
“Chegamos à cidade apenas uma hora antes da invasão. Por 20 dias, moramos com paramédicos no porão do hospital e em abrigos com cidadãos comuns, tentando mostrar o medo que os ucranianos viviam”.
A mulher que aparece na foto sendo carregada em uma maca é Iryna Kalinina, de 32 anos. O bebê, que depois recebeu o nome de Miron (que significa paz), não resistiu. E Iryna morreu uma hora depois.
Na imagem, Iryna tem as mãos sobre o ventre, como se para proteger o filho. E a expressão dos que carregam a maca é de uma urgência que se revelou inútil.
As cores alegres da manta na qual ela está deitada contrastam com as cores da devastação ao fundo
Apesar de imagens e fotos do ataque ao hospital, que deixou 3 mortos em Mariupol, a Rússia inicialmente o rotulou como fake news.
Posteriormente, a Rússia foi obrigada a admitir o bombardeio, sob a alegação de que ele havia sido tomado por paramilitares, e que pacientes e funcionários haviam sido evacuados.
Muitas linhas foram escritas sobre o bombardeio, mas a foto da tentativa de salvamento de uma grávida atingida em um hospital demonstra a força do fotojornalismo para contar histórias da guerra da Ucrânia sem palavras. Nesse caso, forçando a Rússia a reconhecer o ato.
Alguns que tentaram contar essas histórias também foram vítimas em Mariupol.
O cineasta e documentarista Mantas Kvedaravicius foi morto ao tentar fugir de cidade retratada em um de seus filmes.
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Fotos de outras guerras, com ou sem armas
Além da melhor imagem única, o World Press Photo escolhe também os melhores trabalhos em quatro categorias.
Uma deles é um retrato do Afeganistão, onde assim como na Ucrânia, a população também vive os efeitos de uma guerra.
Há ainda também a guerra pela água, outro conflito da sociedade contemporânea.
O Preço da Paz
O dinamarquês Mads Nissen, que vive em Estocolmo, teve seu trabalho reconhecido como a melhor reportagem fotográfica do ano.
Ele documentou a dura realidade dos que lutam para sobreviver em um país dominado pela pobreza e desolação após a retirada das forças americanas e aliadas do Afeganistão, em agosto de 2021.
A ajuda externa cessou, e fundos afegãos no exterior foram congelados. Secas intensas e fim da ajuda humanitária levaram mais de 1 milhão de crianças a um estado de desnutrição, segundo a ONU.
Sem condições de comprar comida para a família, os pais de Khalil Ahmad (15), de Herat, decidiram vender seu rim por US$ 3.5 mil.
Khalil passou a ter de dores crônicas e ficou sem forças para jogar futebol e críquete. A falta de empregos e a fome levaram a um aumento dramático no comércio ilegal de órgãos.
Muitos dependem da compaixão para se alimentar, como mulheres e crianças implorando por pão em uma padaria em Cabul retratadas nesta foto.
Uma família queima plástico em uma fogueira para cozinhar em um acampamento nos arredores de Herat. Milhares tiveram que deixar suas casas para se abrigar em barracas devido à seca e à crise, segundo a Anistia Internacional.
Hojatullah, de 11 meses e com desnutrição, é examinado em uma pequena clínica em Alibeg. O problema é frequente na vila onde a maioria dos habitantes sobrevive com uma dieta de branco pão e chá.
Fotos de uma outra guerra, pela água
Além de conflitos com armas como a guerra da Ucrânia, as mudanças climáticas levaram comunidades em todo o mundo a enfrentrarem outras guerras, como a disputa pela água.
É o tema das fotos da armênia Anush Babajanyan, premiada na categoria Projetos de Longo Prazo.
O Tadjiquistão e o Quirguistão, acima dos rios Syr Darya e Amu Darya, precisam de energia extra no inverno. Rio abaixo, o Uzbequistão e o Cazaquistão precisam de água no verão para a agricultura.
Historicamente, os países trocavam sazonalmente energia de combustíveis fósseis por água liberada de barragens, mas desde a queda da União Soviética e o surgimento de indústrias privatizadas, esse sistema tornou-se desequilibrado.
O uso insustentável da água e as recentes secas intensas agravam os problemas.
O lodo no rio Amu Darya no Uzbequistão dá a água uma cor vermelha escura. Os níveis de água no rio continuam a diminuir.
A geleira Tuyuksu no Cazaquistão, entre as montanhas na fronteira com o Quirguistão, recuou mais de 1 quilômetro nos últimos 60 anos, afetando o abastecimento de água na região.
Piloto de Sonunbek Kadyrov em seu táxi aquático. Ele atende a aldeia de Kyzyl-Beyit, no Quirguistão. O acesso à estrada principal foi bloqueado por uma inundação durante a construção da represa Toktogul na década de 1960.
Mulheres visitam uma fonte termal que brota no leito seco do Mar de Aral, perto da aldeia de Akespe, no Cazaquistão. Quarto maior lago do mundo, o Mar de Aral perdeu 90 % do seu conteúdo desde que a água do rio passou a ser desviada.
Mensagens em garrafas
O contador de histórias visuais Mohamed Mahdy é um contador de histórias visual de Alexandria, no Egito.
Seu trabalho dá visibilidade a comunidades muito vezes invisíveis. Ele venceu o World Press Photo na categoria Projeto Aberto com uma iniciativa que estimulou os oradores de Al Max a escreverem cartas para as futuras gerações, inspirado em bilhetes enviados em garrafas.
A vila de pescadores vive desafios como acordos que limitam os dias em que podem pescar e a poluição das águas, fazendo com que tenham que se aventurar no mar alto em pequenos barcos de madeira.
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