โ€œO futuro das notรญcias estรก na nossa frente, com a realidade aumentada (AR, na sigla em inglรชs) pronta para todos nรณs nos engajamos no jornalismo na prรณxima dรฉcadaโ€.

ร‰ o que afirma Yusuf Omar, cofundador do Seen.tv, um aplicativo de publicaรงรฃo de vรญdeos com cerca de 7 milhรตes de assinantes.

“Creio que (filtros de realidade aumentada) tรชm implicaรงรตes incrivelmente poderosas para o futuro do jornalismo, e acredito que cada uma das organizaรงรตes desta sala vai publicar com AR nos prรณximos cinco anos ou vocรช nรฃo vai existir”, disse Omar durante palestra no ISOJ (Simpรณsio Internacional de Jornalismo Online) 2023, realizado na Universidade do Texas. 

O uso de celulares no jornalismo

Omar participou anteriormente do ISOJ em 2018, quando disse que as organizaรงรตes jornalรญsticas deveriam se concentrar na publicaรงรฃo de vรญdeos verticais e nas plataformas que os suportam.

No ISOJ de 2023, Omar se aprofundou no uso de telefones como ferramentas para jornalistas, ou MOJOs (mobile journalists, ou jornalistas mรณveis), apontando como o Tik Tok cresceu em popularidade nos รบltimos anos.

Yusuf Omar no ISOJ 2023
Yusuf Omar no ISOJ2023 (Foto: Patrรญcia Lim/Knight Center)

Ele apontou os usuรกrios de telefones celulares como a prรณxima plataforma de criaรงรฃo inexplorada, comparando-os a um iceberg sob uma montanha de paisagem de mรญdia, com picos que incluem plataformas de conteรบdo como Netflix, editores de notรญcias como Vice e criadores de conteรบdo do YouTube.

Estes usuรกrios de celulares tรชm cรขmeras em seus telefones, o que permitiu ร  Seen.tv publicar mais de 4 mil vรญdeos sem comprar nenhum equipamento. 

Realidade aumentada รฉ soluรงรฃo para produzir vรญdeos 

“Hรก um mito enorme de que o vรญdeo รฉ caro, certo?” disse Omar. “Vocรช acha que รฉ caro, entรฃo as pessoas, mais ou menos, nรฃo o fazem. Mas isso nรฃo รฉ verdade. Para nรณs, a soluรงรฃo รฉ AR”.

Ele e sua parceira e cofundadora do Seen.tv, Sumaiya Omar, viajaram pelo mundo treinando pessoas para usar seus telefones celulares para o jornalismo.

Ele disse que a tarefa era difรญcil, levando a dupla a contratar mais de uma centena de pessoas para editar e produzir matรฉrias usando o aplicativo.

A dupla acabou reduzindo a equipe do Seen.tv, depois de usar a AR para prรฉ-carregar modelos e filtros com informaรงรตes para ajudar os usuรกrios do aplicativo a publicar conteรบdo.

Os vรญdeos de exemplo mostrados por Omar incluรญram um jovem do Sudรฃo do Sul filmando um assentamento de refugiados em Uganda, dizendo que a gravidez entre adolescentes aumentou durante a pandemia da Covid-19.

Outro foi o de uma mulher de 24 anos que era piloto comercial descrevendo sua vida.

Mesmo com uma equipe menor, a Seen.tv passou a produzir 12 programas sobre temas como dinheiro, educaรงรฃo sexual e saรบde,  e treinou 20 mil usuรกrios.

Omar acredita que qualquer pessoa com um telefone celular tem o potencial de se tornar um jornalista que possa produzir reportagens factuais de alta qualidade.

“Estes sรฃo os inovadores, os fabricantes de mudanรงas, os herรณis nรฃo celebrados, as comunidades, a Amรฉrica mรฉdia que o The New York Times hoje nos disse que estรฃo tentando explorar e para isso tentando conseguir correspondentes lรก”, disse Omar.

Ele fez referรชncia ao editor executivo do New York Times, Joe Kahn, que afirmou durante um painel do congresso que o jornal tinham repรณrteres demais na Costa Leste e na Costa Oeste dos Estados Unidos.

“Vocรช tem pessoas com telefones celulares que podem contar suas prรณprias histรณrias se vocรช lhes der poder para fazรช-lo”.

Realidade aumentada e o futuro do jornalismo

Citando uma projeรงรฃo da Snap, Inc., Omar disse que 75% do mundo usarรก realidade aumentada de alguma forma atรฉ 2025, e que a indรบstria de notรญcias naturalmente seguirรก o exemplo.

Ele disse que a metade dos participantes do ISOJ em 2030 usariam tecnologia portรกtil e se envolveriam com a AR, e que as empresas jornalรญsticas precisam aumentar seu pรบblico, investir na AR e diversificar seus fluxos de receita para sustentar a tecnologia.

“Estรก tudo se movendo tรฃo rapidamente. Mas infelizmente, se vocรช nรฃo fizer os investimentos corretos hoje, vocรช estarรก tรฃo fora do circuito no momento em que esta coisa decolar”, disse Omar.

O professor de prรกtica profissional da Universidade do Sul da Califรณrnia-Annenberg, Robert Hernandez, disse aos participantes do ISOJ que as previsรตes de Omar eram provรกveis para o futuro do jornalismo.

“Se vocรช estรก olhando para ele e pensando โ€˜cara, essas calรงas sรฃo muito doidas e o que vocรช estรก dizendo รฉ loucuraโ€™, referindo-se ร  roupa de Omar com a arte de Keith Haring, โ€˜vocรช รฉ provavelmente a pessoa na redaรงรฃo que precisa de uma auto-reflexรฃoโ€™”, disse Hernandez.

Hernandez continuou: “Se vocรช se lembra daqueles que ouviram falar da internet e pensaram: ‘Ah, รฉ uma moda passageira, nunca vai funcionar’. O mesmo modelo para o mรณvel. ‘Nunca vai funcionar’. Redes sociais, ‘Nunca vai dar certo’. AR, inteligรชncia artificial, todas essas coisas estรฃo acontecendo e vocรช precisa abraรงรก-las”.

Um participante da palestra perguntou a Omar como o fato de que 70% dos usuรกrios da Seen.tv sรฃo mulheres afeta a postura da empresa contra o assรฉdio e o abuso de mulheres online.

Omar disse que a redaรงรฃo de Seen.tv, que ele disse ser 80% de mulheres, estava dividida sobre o assunto, mas que eles nรฃo apagam comentรกrios contra mulheres no aplicativo, a menos que seja discurso de รณdio ou incite ร  violรชncia.

“Nรฃo queremos nos encontrar em um pequeno canto da internet onde sรณ estamos falando conosco mesmos sobre valores liberais, de esquerda.

Queremos ser capazes de engajar as pessoas e, esperamos, mudar suas ideias com o tempo”.

Confianรงa na realidade aumentada 

Um jornalista venezuelano perguntou a Omar como as pessoas devem confiar na realidade aumentada no jornalismo se ela usa filtros de rosto.

“Se eu vejo alguรฉm que estรก falando comigo que tem, por exemplo, uma mรกscara de rinoceronte, nรฃo vou confiar nele”, disse o jornalista, em referรชncia a um vรญdeo anterior que Omar mostrou dele prรณprio com um rosto de rinoceronte feito com a realidade aumentada. 

“Nรฃo vou confiar neles tanto quanto confiaria em alguรฉm que apenas falasse comigo cara a cara como pessoa”, concluiu o jornalista.

“Nรฃo se distraia com os truques”, disse Omar ao jornalista: 

“Jรก estive na Venezuela e na Colรดmbia. Fizemos grandes matรฉrias com um jornalismo incrivelmente poderoso. Tente nรฃo se distrair com a parte dos efeitos especiais”.

Hernandez acrescentou que o YouTube estava disponรญvel para qualquer pessoa aprender AR gratuitamente em vรกrios idiomas. E Omar observou que os diplomas nรฃo sรฃo relevantes para este campo do jornalismo.


Gaige Davila รฉ repรณrter na Texas Public Radio, cobrindo imigraรงรฃo, justiรงa social, meio ambiente e cultura em Port Isabel, Texas, no Vale do Rio Grande.


Este artigo foi originalmente publicado na LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center for Journalism in the Americas (Universidade do Texas em Austin). Todos os direitos reservados ao autor.