Londres – Grupos sub-representados pela imprensa tendem a desconfiar das notícias. Para eles, a figura do jornalista é desconectada da realidade, o que acaba por alimentar e reforçar estereótipos negativos sobre suas comunidades e leva muitas vezes a evitar noticiário.
Essas são algumas das conclusões do estudo “Notícias para os poderosos e privilegiados: como representações deturpadas ou insuficientes de comunidades desfavorecidas abala a confiança delas nas notícias”, que teve o Brasil como um dos seus pesquisados.
O trabalho integra o “Trust In News Project”, do Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo, em Oxford.
A pesquisa realizou 41 discussões em grupos, que, além do Brasil, aconteceram no Reino Unido, na Índia e nos Estados Unidos.
Participaram do estudo pretos e pardos, pessoas da classe trabalhadora, muçulmanos, castas ou tribos marginalizadas e pessoas que vivem em zonas rurais.
A imprensa como aliada dos poderosos
O texto aponta que, apesar das diferenças culturais na forma como cada grupo sub-representado se relaciona com a mídia, há uma série de frustrações que os conecta.
A maioria via a mídia noticiosa não apenas como desconectada, mas às vezes como uma força especialmente prejudicial que causou danos reais a suas comunidades, seja por negligenciá-las completamente ou por explorá-las, reforçando estereótipos prejudiciais, ou por usar o sensacionalismo de formas divisivas e polarizadoras.
Nos casos de Índia, Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, a imprensa foi vista como aliada dos mais ricos e poderosos. Isso alimentava um sentimento de exclusão.
Fatores como racismo e elitismo foram associados aos meios de comunicação.
As mídias raramente eram percebidas “como uma forma de atender a todo o público, mas sim como um meio de reforço dos interesses daqueles que já eram mais privilegiados e poderosos”.
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Outro fator de pensamento comum aos diferentes grupos diz respeito a não se sentirem ouvidos. “Muitos se sentiram injustiçados pelo que viram como persistente deturpação e sub-representação na cobertura de pessoas como eles”.
Em casos como coberturas de temas como crimes e violência, o sensacionalismo foi muitas vezes sentido como forma de lucrar em cima de vulnerabilidades.
Este é o caso do relato de Jocelyn, participante do estudo.
Se é um negro que está morto ou aconteceu alguma coisa, ele é mostrado a ponto de ficarmos entorpecidos (…) Não acho que outras raças tenham que lidar com algo como olhar para a avó morta na rua (nas mídias).
Reportagens sobre as próprias comunidades percebidas como tendenciosas “foram descritas como sendo perturbadoras em um nível exclusivamente pessoal”.
Outro participante, o brasileiro Caio, descreveu “uma sensação de cansaço ao assistir notícias repetitivas sobre violência entre negros no Brasil, o que por sua vez contribuiu para uma sensação de desconfiança”.
Às vezes eu não quero assistir violência. Não quero ver crime nem nada…
Porque a TV tem isso; eles falam sobre a mesma notícia o dia todo.
O positivo como exceção
Se para muitos dos participantes dos grupos focais de sub-representados a imprensa era incapaz de compreender suas realidades – seja por conhecimento, por vivencia ou mesmo por preconceitos – alguns conseguiram elencar jornalistas que fugiam dessa tendência.
Tais apontamentos, no entanto, são exceções à regra.
Para muitos dos consultados, era a empresa de mídia, e não o seu profissional, a grande culpada pelas “deficiências que viam na cobertura”. Essa é a opinião da participante Florence, dos Estados Unidos.
Eu acho que você pode confiar nos jornalistas fazendo seu trabalho, mas eles ainda estão fazendo seu trabalho. Portanto, ainda se espera que eles entreguem o que seus chefes desejam que eles entreguem…
Eu meio que olho para a linguagem corporal deles, para ver se é algo que eles foram obrigados a dizer versus algo que eles queriam dizer.
O estudo aponta que, em geral, os mais jovens confiam mais em “indivíduos, muitas vezes não jornalistas, cujos conteúdos eles acessavam por meio de redes sociais”.
Nesse cenário, a ideia de um “jornalismo confiável” vinha associada ao tripé “imparcialidade, transparência e precisão” quanto aos assuntos apurados.
Segundo os autores, essa visão é alinhada com outros grupos para além dos analisados no estudo.
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Grupos sub-representados pela imprensa valorizam jornalismo local e de nicho
Nos grupos focais, foram reconhecidas de forma significativa as iniciativas de jornalismo de nicho. Por vezes, ainda, o jornalismo local foi percebido como “mais justo e representativo” quanto aos interesses de suas comunidades.
Não houve, porém, um pensamento hegemônico quanto à importância da diversidade.
Essa bandeira foi particularmente levantada por negros norte-americanos, ainda que “ações meramente simbólicas” também sejam foco de preocupação.
Nesse sentido, no Brasil, o depoimento da participante Flora se mostra significativo.
Eu procuro canais feitos por negros. Você sabe, um canal sobre a beleza negra. São pessoas falando sobre assuntos que eu gosto… Eles trazem assuntos sobre racismo, sobre coisas pertinentes ao seu dia a dia.
Quando se trata de informação, o que realmente importa é a sua realidade; se traz algo que faz sentido para a sua realidade.
Segundo o estudo, a representatividade traz consigo uma relação de confiança. Mas o que os grupos querem vai além disso: uma preocupação “genuína e consistente” com suas comunidades.
O estudo foi produzido pelos pesquisadores Amy Ross Arguedas, Sayan Banerjee, Camila Mont’Alverne, Benjamin Toff, Richard Fletcher e Rasmus Kleis Nielsen. A pesquisa completa pode ser lida aqui.
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