Ao mesmo tempo em que pressiona a empresa chinesa ByteDance a vender o TikTok sob o argumento de risco de acesso a dados de usuários pela China, os EUA retomaram a pressão sobre as redes sociais por seu impacto em adolescentes e crianças, lançando um vigoroso alerta assinado pela autoridade máxima de saúde sobre os danos para a saúde mental de jovens.
Vivek Murthy, que ocupa o cargo de US Surgeon General, é categórico ao afirmar em um relatório de 19 páginas que as redes sociais oferecem “risco profundo” de danos ao equilíbrio emocional de usuários menores de idade.
“A pergunta mais comum que pais me fazem é se as redes sociais são seguras para suas crianças”, disse Murthy. “A resposta é que não temos evidência suficiente para dizer que são seguras, mas há evidências crescentes de que seu uso está associado a males para a saúde mental dos jovens”, completou.
Danos das redes sociais devem ser combatidos por todos
O relatório assinado por Vivek Murthy, chefe da autoridade nacional de saúde e assistência social (US Department of Health and Human Services) reúne fatos para fundamentar o argumento de danos para jovens, opiniões de especialistas e recomendações para pais, governos, legisladores pesquisadores e plataformas que operam redes sociais criarem ambientes online mais seguros.
Murthy, médico que já foi vice-almirante nas Forças Armadas dos EUA, é uma personalidade respeitada e conhecida. Ele ocupou pela primeira vez o cargo em 2013, nomeado pelo presidente Barak Obama.
Segundo o documento assinado por ele, o uso de redes sociais por jovens é quase universal, com até 95% de pessoas com entre 13 e 17 anos relatando utilizá-las, e mais de um terço dizendo que o faz “quase constantemente”.
Murthy salienta que as crianças estão expostas a conteúdo nocivo nas redes sociais, incluindo violência, sexo, bullying e assédio. E que para muitas isso compromete o sono e o valioso tempo pessoal com a família e os amigos.
“Estamos no meio de uma crise nacional de saúde mental dos jovens, e estou preocupado com o fato de as redes sociais estarem impulsionando essa crise, com a qual temos que lidar urgentemente.”
O texto observa que o uso das mídias sociais pode se tornar prejudicial dependendo da quantidade de tempo que as crianças passam nas plataformas, do tipo de conteúdo que consomem ou ao qual são expostas e do grau em esse uso que interrompe atividades essenciais para a saúde, como sono e atividade física.
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Vivek Murthy entende que as crianças são afetadas pelas mídias sociais de maneiras diferentes, com base em fatores culturais, históricos e socioeconômicos.
E destaca benefícios verificados em pesquisas entre usuários, como ajuda para se sentirem mais aceitos, sensação de apoio em momentos difíceis, oportunidade de mostrar o lado criativo e interação com amigos.
No entanto, ele aponta também o quanto o uso de redes sociais pode ser excessivo e trazer danos para algumas crianças.
Pesquisas recentes mostram que os adolescentes que passam mais de três horas por dia nas mídias sociais correm o dobro do risco de apresentar problemas de saúde mental, como sintomas de depressão e ansiedade – e uma pesquisa de 2021 com adolescentes revelou que, em média, eles passam 3,5 horas por dia nas redes.
As redes sociais também podem perpetuar a insatisfação corporal, comportamentos alimentares desordenados, comparação social e baixa autoestima, especialmente entre meninas adolescentes.
Um terço ou mais das meninas de 11 a 15 anos dizem que se sentem “viciadas” em certas plataformas de mídia social e mais da metade dos adolescentes relatam que seria difícil desistir das mídias sociais.
O líder da autoridade de saúde dos EUA citou ainda estudos constataram impacto na autoimagem corporal, exposição a discurso de ódio e impacto sobre sono e bem estar emocional.
“Embora mais pesquisas sejam necessárias para determinar o impacto total que o uso de mídias sociais tem sobre quase todos os adolescentes em todo o país, crianças e jovens não podem se dar ao luxo de esperar anos até que conheçamos toda a extensão dos efeitos da mídia social”, afirma Vivek Murthy.
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Entre os especialistas citados no documento está Sandy Chung, médica e presidente da Associação Americana de Pediatria. Ela afirma na publicação que os espaços digitais podem ser aproveitadas pelo público infantojuvenil se eles forem colocados em primeiro lugar:
Ela observa que as crianças e jovens de hoje não conhecem um mundo sem tecnologia digital, mas o mundo digital não foi feito pensando no desenvolvimento mental saudável delas.
Chung defende ajuda para mitigar danos e trabalho para tornar os espaços digitais mais seguros.
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Mitigando danos das redes sociais
O relatório assinado por Vivek Murthy lista recomendações a todos os envolvidos na questão para ajudar a entender e combater os danos das redes sociais à saúde emocional de crianças e jovens:
Reguladores e agentes públicos
- Reforçar legalmente padrões de segurança e limites de acesso;
- Legislar em favor de redes sociais segura para todas as crianças;
- Apoiar educação digital e midiática;
- Financiar pesquisas;
- Proteger a privacidade do público infantil.
Empresas de mídia social
- Serem mais transparentes sobre os impactos de seus produtos a crianças;
- Compartilhar dados com pesquisadores independentes para aumentar a compreensão dos impactos das redes sociais;
- Tomar decisões de design e desenvolvimento que priorizem saúde e segurança (incluindo proteger a privacidade infantil e aderência a limites de idade);
- Melhorar seus sistemas para oferecer melhores respostas a incidentes.
Pais e professores
- Criar planos familiares para áreas livres de produtos tecnológicos em casa, apoiando relações presenciais;
- Educar e dar exemplos de comportamentos online responsáveis às crianças;
- Denunciar conteúdos e atividades problemáticas.
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Crianças e adolescentes
- Adotar práticas saudáveis (limitar tempo na plataforma, bloquear conteúdo indesejado, cuidado com informações pessoais);
- Pedir auxílio se a criança ou um amigo testemunharem assédio ou abuso nas plataformas.
Pesquisadores e acadêmicos
- Priorizar pesquisas na área de redes sociais e saúde mental dos jovens que ajudem na criação de padrões e avaliações de melhores práticas no suporte à saúde infantil.
O relatório completo pode ser visto aqui.
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