O Efecto Cocuyo (EC), um site independente venezuelano fundado em 2015, que hoje está entre os melhores veículos do país, lançou uma coleção de NFTs para arrecadar fundos e denunciar a censura digital sofrida na Venezuela.

Para quem não conhece, NFT significa “Non Fungible Token”, ou “Item não Fungível”.

Estes artefatos digitais se baseiam na tecnologia blockchain, que permite criar escassez e rastreabilidade em elementos digitais, como imagens, vídeos ou gifs – formatos que, tradicionalmente, não possuem rastreabilidade. Isto permite uma coleção de originais, tal como em obras de arte.

Censura na Venezuela inspira coleção de NFTs

A coleção do Efecto Cocuyo contém 489 imagens que representam os dias em que o site ficou bloqueado na Venezuela.

“Diante da censura digital que o governo de Nicolás Maduro está implementando, decidimos dar uma nova utilidade a essa tecnologia e usá-la para imortalizar e tornar visível a censura que estamos sofrendo como mídia independente, disse à LatAm Journalism Review (LJR) Luz Mely Reyes, cofundadora do meio venezuelano.

“Os NFTs contêm a imagem de erro que os venezuelanos recebem quando tentam acessar o site do Efecto Cocuyo”.

Conforme relatado pela mídia, a equipe da organização de direitos digitais VE Sin Filtro confirmou o bloqueio do site Efecto Cocuyo nos principais Provedores de Serviços de Internet (ISPs) do país.

Esses bloqueios começaram a acontecer de forma sistemática e frequente entre 31 de janeiro e 1º de fevereiro de 2022.

As restrições ao Efecto Cocuyo não são as únicas na Venezuela. Mais de 35 sites de notícias foram bloqueados nas eleições regionais de 2021, e as mensagens de erro estão se tornando mais frequentes no país para quem tenta acessar páginas da web com conteúdo informativo ou de ativismo.

“Os bloqueios da Internet são implementados pelos provedores por ordem do regulador de telecomunicações, em um processo normalmente sem ordem judicial, sem uma base legal clara, sem transparência e em violação aos padrões internacionais de direitos humanos”, disse o Efecto Cocuyo em seu comunicado de imprensa para lançar os NFTs.

O próprio site onde é possível comprar os NFTs da coleção, efectococuyonft.com, está bloqueado na Venezuela e só pode ser acessado usando uma VPN (Rede Privada Virtual).

Inovação como marca

Veículos como o New York Times, a CNN e as revistas TIME e GQ já lançaram coleções de NFTs com sucesso. No entanto, esta é a primeira vez que um meio jornalístico na América Latina se aventura a experimentar a tecnologia blockchain.

O Efecto Cocuyo carrega a inovação em suas veias. Em 2015, sua equipe conduziu a campanha de financiamento colaborativo mais bem sucedida até então por um veículo digital  venezuelano.

Eles também são o único meio digital do país que possui uma unidade de checagem de fatos dedicada a investigar e desmantelar estratégias de desinformação, em aliança com outras organizações venezuelanas especializadas nessas questões.

Além disso, o site tem a sua própria escola de treinamento sobre temas de migração, chamada Escola Cocuyo, que já formou mais de mil jornalistas dentro e fora do país e elaborou guias especializados para a cobertura de imigrações, violência e emergências humanitárias, entre outros assuntos.

“A inovação é essencial para o Efecto Cocuyo. Vamos lembrar que primeiro somos um meio fundado em 2015 por mulheres e com uma visão sensível ao gênero, que na época era muito pioneira”, disse Reyes.

“Também no desenvolvimento organizacional, em todos esses anos alinhamos vários de nossos objetivos com os da agenda de desenvolvimento sustentável 2030”.

“Entre eles, políticas de igualdade de gênero, proteção ambiental, inclusão e diversidade, que se refletem na abordagem dos temas e nas linhas de cobertura que fazemos. Em geral com foco nos direitos humanos”, completou a jornalista.

Um financiamento coletivo diferente

Assim como as criptomoedas, os NFTs são certificados usando a tecnologia blockchain. O fato de serem “bens não fungíveis” significa que não podem ser gastos, nem comparados, substituídos ou consumidos. Eles são como uma peça de arte digital.

Há quem considere NFTs um investimento de longo prazo, e os adquira esperando por sua valorização. No caso da coleção Efecto Cocuyo, a equipe apresenta mais como uma forma inovadora de crowdfunding.

Cada NFT do Efecto Cucuyo custa 0,1 Ethereum, equivalente a US$ 184 (R$ 901).

Reyer explicou que “NFTs são itens digitais, neste caso é um item colecionável, não um bem visto como um investimento. É mais uma doação e o retorno é poder apoiar um meio como o Efecto Cocuyo a continuar cumprindo sua missão.

“Dessa forma, quem compra nos apoia e em troca tem uma obra de arte digital que é um presente pelas doações feitas”.

Para a criação desta coleção, o Efecto Cocuyo contou com o apoio da Futuria, empresa e laboratório de inovação especializada em tecnologia web 3.O e Blockchain.

Os planos do Efecto Cocuyo não terminam aqui. “Durante este mês e nos próximos meses estaremos revelando diferentes iniciativas para que usuários, comunidades e qualquer pessoa que acredite na importância da mídia independente na construção da democracia possa nos apoiar”, disse Reyes.

“Isso inclui uma campanha de arrecadação de fundos que não será tradicional, mas também, como muitas de nossas iniciativas, será inovadora”.


Sobre a autora

Katherine Pennacchio é uma jornalista venezuelana com mestrado em Jornalismo Investigativo, de Dados e Visualização pela Unidade Editorial e pela Universidade Rey Juan Carlos de Madri. É co-fundadora da Vendata.org, projeto que atua na liberação de informação e publicação de dados abertos na Venezuela. Escreve também para os sites de jornalismo investigativo Armando.info e Runrun.es.


Este artigo foi publicado originalmente no LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center for Journalism in the Americas (Universidade do Texas em Austin). Todos os direitos reservados ao autor.