Em mais ato de repressão à imprensa na Nicarágua , o jornalista Victor Ticay, preso desde abril, foi condenado por ter feito a cobertura jornalística de uma procissão de Páscoa, atividade proibida pelo regime de Daniel Ortega como parte de um movimento de perseguição à Igreja Católica.
O repórter foi enquadrado em duas acusações: crimes contra a integridade nacional e disseminação de notícias falsas — que podem render até seis e quatro anos de prisão, respectivamente.
Ao mesmo tempo, o governo Ortega segue com a repressão direta sobre as atividades da Igreja, com o confisco de duas escolas religiosas e a detenção de freiras para interrogatório nas duas últimas semanas.
Jornalista condenado por cobrir evento do Facebook
Transferido para a penitenciária Jorge Navarro, Ticay aguarda a oficialização da sentença depois de um processo judicial sem acesso a um advogado particular, em que foi representado apenas pela Defensoria Pública, segundo o Centro de Proteção a Jornalistas.
O jornalista de televisão foi preso no dia 6 de abril, pouco depois de documentar uma procissão de Páscoa para a emissora Canal 10, na cidade de Nandaime.
O governo de Daniel Ortega baniu celebrações católicas públicas, como a procissão coberta pelo repórter — que também publicou as filmagens em sua página no Facebook, La Portada.
Em audiência, pelo menos dois policiais e agentes do governo testemunharam na corte alegando que os vídeos de Ticay “representavam uma ameaça à paz e estabilidade das famílias nicaraguenses”, segundo o site de notícias Despacho 505.
Carlos Martinez de la Serna, diretor do Comitê para Proteção aos Jornalistas (CPJ), declarou que estava surpreso com os esforços do governo de silenciar um membro da imprensa por conta de algo postado no Facebook:
“Victor Ticay não cometeu crimes. Autoridades da Nicarágua devem encerrar essas acusações criminais absurdas contra ele, soltá-lo imediatamente, e parar de criminalizar o jornalismo.”
Governo de Nicarágua também pressiona igreja
A prisão do jornalista na cobertura da Páscoa pode ser vista como censura ao jornalismo, mas também parte da repressão severa a atividades da Igreja Católica.
Desde 2018 o governo de Daniel Ortega têm reprimido fortemente a expressão religiosa, fechando veículos de comunicação associados à Igreja Católica, invadindo templos religiosos para apreender equipamentos de radiodifusão e expulsando freiras do país.
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A guerra é declarada. Em um discurso transmitido pela TV em setembro de 2022, Ortega chamou a Igreja Católica de “ditadura perfeita”, sob o argumento de que os católicos não votam no papa. E tachou bispos e padres de “assassinos e conspiradores que trabalham em nome do imperialismo americano”.
No dia 30 de maio, o Instituto Técnico de San Sebastián de Yali, escola coordenada pelas Freiras Missionárias de Santa Luisa Marillac e que oferecia treinamentos à comunidade, foi ocupado por autoridades policiais.
Na semana anterior o mesmo havia acontecido com a escola Susana López Carazo, das Irmãs Dominicanas da Anunciação da Virgem Abençoada, cujas atividades também foram interrompidas por interferência policial.
Segundo o portal de notícias Vatican News, em ambos os casos as autoridades expulsaram as freiras das instituições, num movimento que preocupa representantes do catolicismo.
Frei Jesús Díaz Sariego, presidente da Conferência Espanhola para Religiosos (CONFER), declarou que a perseguição é paradoxal, uma vez que ambas as entidades são “muito dedicadas ao povo de Nicarágua”:
“Elas são dedicadas ao trabalho social, à promoção humana, às mulheres, ao cuidado pelos mais velhos, aos doentes, e às crianças. Elas trabalham com os mais pobres.”
A Nicarágua foi listada como 158º em liberdade de imprensa no Global Press Freedom Index 2023 da organização Repórteres Sem Fronteiras.
Censura à imprensa e perseguição a jornalistas independentes na Nicarágua alcançaram seu ponto máximo, obrigando La Prensa, mais antigo e principal veículo do país, a tirar todos os seus funcionários da Nicarágua após ter vários de seus profissionais presos e intimidados.
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