Depois de exterminar a mídia independente da Nicarágua com censura, perseguições e prisões, o regime de Daniel Ortega passa a mirar em jornalistas que continuam no país colaborando com os veículos de imprensa obrigados a operar a partir do exílio.

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o repórter William Aragón foi detido como parte de uma ampla operação que atingiu mais de 50 pessoas em uma só noite. Ele foi acusado de espalhar notícias falsas sobre a Nicarágua.

Aragón foi liberado depois de sete horas, sob “medidas cautelares” – algo similar a uma liberdade condicional. Mas terá que se apresentar todos os dias em uma delegacia a 80 quilômetros da cidade onde vive, assim como os demais detidos na operação, segundo relato do site de oposição Confidencial. 

Repressão a jornalista envolve constrangimento

Aragón trabalhava no jornal La Prensa, principal alvo do desmanche da mídia de oposição por Ortega. 

O jornalista é conhecido por desafiar a censura e sofrer perseguições, ataques e ameaças por parte de autoridades e de “fanáticos sandinistas”, segundo relato da organização de liberdade de imprensa Rede Del Sur.

“Vou ter que pagar um ônibus diariamente, o que é um fardo financeiro para mim”, disse Aragón ao Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ), revelando a estratégia de intimidação e censura do governo Ortega pela via do constrangimento.

“Seja grato por não estarmos mandando você para a prisão”, teria dito o juiz para o jornalista, de acordo o Confidencial. 

O jornal divulgou uma foto do momento em que a casa de Aragón, em Estelí, é cercada por policiais. 

Ele contou que foram levados dois computadores, incluindo um de sua filha, pen drives, documentos pessoais e dois telefones celulares. Os policiais informaram que o levariam para a notícia prisão El Chipote, na capital, Manágua por “ordem de nível central”.

Caso Aragón venha a ser condenado, poderá pegar até 10 anos de prisão.

O Confidencial, que funciona no exílio, informou que as detenções de Aragón e dos demais opositores foram feitas ao cair da noite em onze dos quinze departamentos (estados) da Nicarágua e em regiões autônomas do Caribe.

Os presos, incluindo ativistas de direitos humanos e líderes camponeses, foram apresentados em diferentes salas, coordenadas por juízes orteguistas, que ordenaram a sua liberdade condicional, obrigando-os a apresentarem-se na delegacia policial local a partir do dia seguinte, revelou o jornal. 

Entrevistada pelo Confidencial, a advogada Yonarqui Martínez disse que houve violência e apreensão de itens como computadores das casas de vários detidos, como no caso de Aragón.

E comparou a operação à outra realizada em 2021, quando foram capturados simultaneamente mais de 30 opositores.

O diretor do CPJ, Carlos Martínez de la Serna, cobrou da Nicarágua a retirada das acusações contra William Aragón, feitas no dia em que o mundo comemorava a liberdade de imprensa. 

Censura e crise sob Ortega

Na mesma data em que William Aragón era detido e intimidado, a Nicarágua foi listada como 158º em liberdade de imprensa pela organização Repórteres Sem Fronteiras, que divulgou o Global Press Freedom Index 2023. 

Censura à imprensa e perseguição a jornalistas independentes na Nicarágua alcançaram seu ponto máximo, obrigando La Prensa, mais antigo e principal veículo do país, a tirar todos os seus funcionários da Nicarágua após ter vários de seus profissionais presos e intimidados.

Desde 2021, passou a operar apenas online, contando localmente com o apoio de freelancers como Aragón.

De acordo com o CPJ, “as autoridades invadiram as casas de seus funcionários, apresentaram acusações criminais contra sua equipe e prenderam seu editor por 545 dias antes de forçá-lo ao exílio”.

Na análise sobre a situação da Nicarágua, a RSF destaca que “desde a reeleição do presidente Daniel Ortega em 2021 para um quarto mandato consecutivo, a mídia independente continua enfrentando um pesadelo de censura, intimidação e ameaças”.

Jornalistas são constantemente estigmatizados e enfrentam campanhas de assédio, prisões arbitrárias e ameaças de morte. Muitos jornalistas tiveram que fugir do país.

Em fevereiro deste ano, 222 jornalistas, políticos e ativistas perderam suas cidadanias e foram deportados para os Estados Unidos

Em abril de 2022, um manifesto foi assinado por 27 entidades internacionais que defendem o jornalismo. Nele, consta um plano de ação para a Nicarágua voltar a ter liberdade de imprensa e oportunidade de acesso a informações confiáveis.