Londres – Diante da perspectiva de continuidade das violaรงรตes da liberdade de imprensa na Turquia apรณs a reeleiรงรฃo do presidente Recep Tayyip Erdogan, as mais influentes organizaรงรตes de jornalismo do mundo desistiram de fazer apelos ao governante e adotaram nova tรกtica: pressionar a Uniรฃo Europeia a usar sua influรชncia. 

Em uma carta aberta divulgada nesta quarta-feira (28), 20 ONGs instam a nova presidรชncia espanhola do Conselho da Uniรฃo Europeia, que assume em 1ยบ de julho, a “colocar a liberdade de imprensa e os direitos humanos no centro das relaรงรตes com o governo da Turquia”.

As violaรงรตes continuam. Na segunda-feira (26), o editor-chefe da emissora Tele1, Merdan Yanardag, foi preso no estรบdio por comentรกrios polรญticos sobre um lรญder do partido curdo (PKK) e estรก sendo investigado por “fazer propaganda para uma organizaรงรฃo terrorista”. 

A Turquia nรฃo faz parte da UE. Ela se candidatou em 1999, mas veio se distanciando das polรญticas do bloco, situaรงรฃo que se agravou com a guerra na Ucrรขnia. Erdogan nรฃo se alinhou a sanรงรตes europeias contra a Rรบssia. 

Embora a Uniรฃo Europeia nรฃo tenha ingerรชncia direta sobre a Turquia, a carta apela para as relaรงรตes internacionais entre o paรญs e o bloco como forma de pressรฃo. 

Sob Erdogan, prisรตes se sucedem na Turquia

O caso de Yanardag รฉ mais um que repete o padrรฃo dos anteriores: a associaรงรฃo de jornalistas com o partido de oposiรงรฃo curdo, tratado como um grupo terrorista pelo governo turco.

Em abril, pouco antes das eleiรงรตes, houve uma onda de prisรตes sob o mesmo argumento. 

Apรณs o pleito que deu a vitรณria a Erdogan, a organizaรงรฃo Repรณrteres Sem Fronteiras denunciou que o processo foi “massivamente manipulado”, devido ร  combinaรงรฃo de perseguiรงรตes a jornalistas e veรญculos crรญticos e favorecimento a empresas jornalรญsticas alinhadas ao regime do presidente, que comanda o paรญs desde 

Ela รฉ uma das signatรกrias da carta, ao lado de entidades como PEN International, Federaรงรฃo Internacional de Jornalistas, Comitรช para a Proteรงรฃo de Jornalistas, International Press Institute, Coalizรฃo de Mulheres no Jornalismo e Article 19. 

A exemplo do manifesto da RSF, o texto afirma que as eleiรงรตes de maio ocorreram em um cenรกrio de mรญdia dominado por meios de comunicaรงรฃo prรณ-governo, sufocamento de vozes independentes e o repressรฃo ao jornalismo crรญtico: 

“Nas รบltimas duas dรฉcadas, o governo da Turquia tomou conta de mais de 90% da mรญdia, incluindo o controle direto sobre a empresas jornalรญsticas pรบblicas do paรญs e o controle indireto sobre grande parte da grande mรญdia por meio de oligarcas partidรกrios.

Ele abusou do poder da publicidade estatal para criar jornalismo favorรกvel e usou o regulador de transmissรฃo, RTรœK para atingir rotineiramente as emissoras com penalidades financeiras por reportagens crรญticas.”

A carta aponta tambรฉm a violรชncia contra profissionais de imprensa, que inclui agressรตes fรญsicas, ataques online por parte de polรญticos e apoiadores, campanhas de difamaรงรฃo, e prisรตes em cobertura de manifestaรงรตes.

Lei na Turquia contra ‘desinformaรงรฃo’

As organizaรงรตes salientam os esforรงos do governo Erdogan para bloquear e censurar conteรบdo online na Turquia por meio das emendas ร  lei de desinformaรงรฃo propostas em 2022.

A lei prevรช atรฉ trรชs anos de prisรฃo para ‘desinformaรงรฃo ou notรญcias falsas’ que ameacem a seguranรงa nacional, a ordem pรบblica e a moral pรบblica.

E exige que as plataformas de mรญdia social cumpram as solicitaรงรตes de bloqueio de conteรบdo ou enfrentem a limitaรงรฃo de sua largura de banda em atรฉ 90% e proibiรงรตes de publicidade de seis meses.

“Combinadas, essas tรกticas criam um ambiente econรดmico e judicial hostil projetado para silenciar o jornalismo independente, negando o acesso do pรบblico a uma gama diversificada de notรญcias e informaรงรตes e prejudicando seriamente a democracia da Turquia”, argumentam os signatรกrios da carta. 

Eleiรงรตes mostraram divisรฃo na Turquia

Apesar do ambiente de censura e informaรงรตes restritas, a vitรณria de Erdogan nรฃo foi fรกcil. Ele teve que enfrentar um segundo turno de votaรงรฃo contra Kemal Kilicdaroglu, na mais acirrada disputa eleitoral em duas dรฉcadas, desde seu primeiro mandato.

A reeleiรงรฃo foi por 52% dos votos, evidenciando a divisรฃo do paรญs. O mapa eleitoral mostra vitรณria do adversรกrio de Erdogan em Ancara, capital, e em Istambul, cidades em que a populaรงรฃo tem mais acesso a informaรงรตes independentes. 

A carta aberta das organizaรงรตes dirigida ร  presidรชncia espanhola da Uniรฃo Europeia afirma que ” o resultado das eleiรงรตes nรฃo รฉ um bom pressรกgio para a liberdade de imprensa e os direitos fundamentais de forma mais ampla na Turquia”.

E diz que nรฃo colocar a melhoria da liberdade de imprensa e defesa dos direitos fundamentais no centro das relaรงรตes com a Turquia representaria ” uma traiรงรฃo tanto ao pรบblico turco quanto aos valores da Uniรฃo Europรฉia”. 

A Uniรฃo Europeia nรฃo tem sido vista com bons olhos pelas entidades de liberdade de imprensa. A aprovaรงรฃo de um dispositivo sobre uso de softwares de vigilรขncia (spywares) em computadores e celulares de jornalistas despertou crรญticas pesadas.