CLondres – Uma tentativa de assédio judicial destinada a silenciar denúncias contra um poderoso empresário feitas pelo Centro de Jornalismo Investigativo amaBhungane, da África do Sul, terminou com vitória para a liberdade de imprensa.

Na segunda-feira (3), a Suprema Corte do país anulou uma decisão liminar que havia  impedido o veículo de publicar novas matérias e obrigado-o a devolver documentos utilizados para subsidiar as denúncias contra Zunaid Moti, dono do conglomerado Moti Group. 

O juiz Roland Sutherland descreveu a medida anterior como “abuso do processo judicial”, acrescentando que “os tribunais do país não tolerarão a censura pré-publicação sem aviso apropriado e que os jornalistas investigativos têm o direito de reter e usar informações vazadas para o interesse público”.

Documentos vazados fundamentaram denúncias contra o empresário

Com 13 jornalistas, o amaBhungane é um site de notícias sem fins lucrativos especializado em investigar corrupção política, integrante da Global Investigative Journalism Network (GIJN). 

O nome vem da palavra zulu para escaravelho – uma espécie diligente que cumpre um papel crucial no ecossistema. 

Em abril, o amaBhungane publicou uma série de reportagens, que ganharam o nome de #MotiFiles, baseadas em documentos vazados sobre Zunaid Moti, que era CEO do grupo até março, quando renunciou. O Moti Group atua em áreas como mineração, aviação e incorporação imobiliária.

As reportagens apontaram negócios escusos, inclusive com o presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa. O centro de jornalismo investigativo expôs como Moti supostamente usou seus laços com a elite política do Zimbábue para garantir contratos lucrativos de mineração.

A empresa alegou que um ex-funcionário roubou os documentos. Moti passou a usar intensivamente compra de espaços pagos na mídia e as redes sociais para atacar o centro de jornalismo investigativo e os repórteres envolvidos nas denúncias, como apontou o amaBhungane em nova reportagem. 

No dia 1º de junho, um juiz ordenou que que o veículo devolvesse os documentos vazados e se abstivesse de publicar outras denúncias contra o empresário baseadas neles, causando revolta nos meios jornalísticos locais e protestos de organizações internacionais de liberdade de imprensa. 

David Frankel, diretor executivo do The Sentry, um veículo dos EUA que colaborou com o amaBhungane nas  investigações sobre o Moti Group, disse ao Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) que as reportagens eram  “jornalismo de interesse público do tipo mais puro”.

“Perguntas sobre os aparentes pagamentos do Moti Group a empresas ligadas ao presidente e ao vice-presidente do Zimbábue, um relacionamento amigável com um funcionário de um grande banco sul-africano e os motivos financeiros por trás das doações a um candidato presidencial em Botswana – tudo isso é importante e assuntos apropriados para o jornalismo investigativo”, disse Frankel.

Empresário atacou ‘roubo de informações’

Depois da ordem inicial favorável à censura, em 3 de junho, o executivo tentou se defender publicamente nas redes e em artigos de opinião.

Moti não negou nem explicou as denúncias, atendo-se ao acesso do centro de jornalismo investigativo a informações supostamente roubadas de um ex-funcionário que teria cometido abuso sexual. 

Ele acusou o veículo, que chama de “controverso tabloide”, de “desonestidade e assédio”. E afirmou que liberdade de imprensa “não significa agir como quiser, dizer o que quiser e se entregar a uma campanha de relações públicas para esconder erros e ações sujas”. 

O amaBhungane entrou então com um pedido urgente no Tribunal Superior de Joanesburgo para anular a ordem. As partes concordaram que o veículo investigativo não destruiria ou alteraria a documentação até que o assunto fosse julgado em um tribunal aberto. 

O julgamento aconteceu nesta segunda-feira, com vitória para o amaBhungane.

Os advogados do centro de jornalismo investigativo utilizaram como um dos argumentos um dispositivo da Constituição sul-africana que autoriza jornalistas a receberem informações de forma confidencial.

“Independentemente da maneira pela qual a informação foi obtida por uma fonte, não é ilegal para os jornalistas manter qualquer informação fornecida por uma fonte, desde que o façam no interesse público”, escreveu o veículo nos autos do tribunal, segundo o CPJ. 

‘Vitória retumbante’ para liberdade de imprensa 

Uma declaração conjunta assinadas pelas organizações Campaign for Freedom of Expression, Media Monitoring Africa e Fórum Nacional de Editores saudou a “ vitória retumbante para a liberdade de imprensa”.

Moti foi condenado a pagar todas as custas de todas as três audiências relacionadas ao caso. Mas prometeu continuar a briga. 

Um comunicado divulgado pelo grupo empresarial afirmou que “foi apenas a primeira rodada de um processo legal em andamento” , e sinalizou que poderia recorrer a um tribunal constitucional sob o argumento de uso de informações roubadas. 

No entanto, em sua decisão, o juiz Sutherland referiu-se à diferença entre bens roubados e informações vazadas.

“Na África do Sul, a ‘informação contrabandeada nas mãos de jornalistas ‘ é um bem essencial sem o qual nosso país não pode rastejar para fora do pântano corrupto em que nos encontramos.”

Mesmo com resultado favorável, o processo movido na África do Sul pelo empresário coloca em evidência a ameaça crescente do assédio judicial para silenciar ou intimidar jornalistas e veículos, bem como riscos a que denunciantes estão expostos caso vazem documentos confidenciais, fazendo-os pensar duas vezes antes de fazer revelações.