Londres – O número de pessoas vivendo em países sem restrições à liberdade de expressão está no ponto mais baixo em duas décadas: 80% da população global tem menos liberdade de expressão do que em 2020. O Brasil é um dos países onde ela caiu.
O alerta foi dado pela organização não-governamental Article 19 em seu relatório anual sobre a liberdade de expressão no mundo, que lista o Brasil em um preocupante 87º lugar na lista de 161 nações e 16º entre 21 na região das Américas, posicionado na faixa laranja (de liberdade restrita).
O país que ocupa o último lugar no ranking é a Coreia do Norte, enquanto a Dinamarca ficou em primeiro.
Metodologia do ranking de liberdade de expressão
O relatório mede a liberdade de todos os indivíduos para expressar opiniões e crenças, se comunicar e acessar informações, independentemente de seu trabalho ou papel na sociedade.
Cada um dos 161 países e territórios foi avaliado com base em 25 indicadores e recebeu duas pontuações de zero a 100: o Global Expression Score (Liberdade de Expressão Geral) e o Human Score (taxa ponderada pelo tamanho da população do país).
Entre os indicadores estão a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão de ativistas ou cidadãos por outros meios e também fatores como violência policial contra civis, assassinatos de ativistas de direitos humanos ou de jornalistas, e conflitos como a guerra da Ucrânia, capazes de silenciar vozes críticas.
A ONG salienta que essas ameaças são impostas não apenas por governos autocráticos, mas também por novas legislações e pela aplicação de leis existentes dentro de estruturas democráticas, que corroem os direitos humanos.
Há ainda a influência de interesses corporativos e do crime organizado, problemas recorrentes no Brasil.
“Onde esses grupos e seus interesses se sobrepõem, as liberdades estão em grave perigo”, alerta o estudo.
O peso econômico dos países repressores está aumentando, segundo a Article 19. Em 2000, os países ‘abertos’ detinham 63% do poder econômico mundial. Em 2022, esse número caiu para 39%, apenas alguns pontos percentuais a mais do que os países ‘em crise’.
O quadro geral é considerado “sombrio”: o Varieties of Democracy Institute, que elabora os indicadores para a pesquisa, afirma que os avanços nos níveis globais de democracia feitos nos últimos 35 anos foram “aniquilados”:
“As pessoas agora experimentam limites em seus direitos democráticos em níveis não vistos desde 1986.”
Na última década, o Global Expression Score, a média das pontuações dos países, sofreu uma queda de seis pontos (de 56 para 50) . O Human Score, uma medida ponderada pela população para mostrar o custo humano da repressão, caiu 13 pontos em apenas uma década (de 47 para 34), depois de ter permanecido estável entre 2000 e 2011.
O mapa mostra o estado da liberdade de expressão nos países. O Brasil aparece como nação onde ela é restrita.
O declínio da liberdade de expressão
Veja os principais pontos do relatório:
- Mais de 6 bilhões de pessoas vivem com menos liberdade de expressão do que no início do século 21
- Apenas 13% da população vive em países “abertos” – menos pessoas do que em qualquer outro momento deste século até agora
- 34% da população global vive em países onde a liberdade de expressão está em ‘crise’
- Nos últimos cinco anos , 4,7 bilhões de habitantes em 51 países experimentaram declínio em sua liberdade de expressão, enquanto apenas 673 milhões de pessoas em 25 países viveram avanços
- Nos últimos 10 anos , 6,3 bilhões de pessoas em 81 países experimentaram declínio em sua liberdade de expressão, enquanto 452 milhões de pessoas em 21 países viveram avanços
- Há mais países em que as liberdades estão em declínio do que melhorando
- Os países com liberdade de expressão em declínio tendem a ter mais habitantes do que aqueles onde ela avança
- 95% dos países que avançaram na última década tinham populações de menos de 50 milhões de pessoas, enquanto apenas 74% dos países que declinaram no mesmo período tinham populações nessa faixa
A liberdade de expressão nas Américas e no Brasil
Nas Américas, segundo o relatório da Article 19, as perdas de liberdade são muito maiores do que os ganhos.
Somando-se as quedas de pontuação na região em uma década, há uma perda combinada de liberdade de expressão de 210 pontos, contra um ganho combinado de apenas 42 pontos.
No ano passado, no entanto, houve uma pequena mudança positiva geral: um aumento combinado de 25 pontos, superando uma queda combinada de apenas 14 pontos.
O Brasil está em 16º lugar entre 21 países da região, à frente apenas de Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Cuba e Venezuela.
O México não faz parte da análise global por utilizar uma metodologia diferente.
O relatório observa que as Américas apresentam tendências sub-regionais claras: os países da América do Norte e do Cone Sul são abertos, enquanto os países da América Central e do Caribe tendem a ter ambientes de expressão mais restritos.
Além disso, quando são excluídas as grandes populações dos EUA e do Canadá para focar apenas na América Latina e no Caribe, as pontuações – particularmente o Human Score, que leva em conta o tamanho da população – caem significativamente: de 68 nas Américas para 58 na América Latina e no Caribe.
Este gráfico demonstra a variação de alguns países da região desde 2017.
Jornalistas e ativistas no alvo
A Article 19 chama a atenção para a violência política contra civis, que se tornou mais comum e mais letal no mundo.
Em 2022 foram registrados mais de 125,7 mil episódios em todo o mundo, levando a mais de 145,5 mil mortes:
- 401 defensores de direitos humanos foram assassinados em 2022, incluindo 186 na Colômbia, 50 na Ucrânia e 45 no México.
- 48% dos assassinados estavam defendendo os direitos da terra, do meio ambiente e dos povos indígenas – caso do jornalista inglês Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira, mortos na Amazônia.
- 87 jornalistas foram assassinados em 2022 – 33 a mais do que em 2021 – incluindo 19 no México e 10 na Ucrânia. E 64 estavam desaparecidos.
- No final de 2022, 363 jornalistas estavam atrás das grades. Os principais carcereiros foram Irã, China, Mianmar, Turquia e Bielorrússia.
Enquanto a invasão da Ucrânia dominou o cenário global de conflitos, a violência também se intensificou em lugares como Mianmar e a região do Sahel, na África, assim como a violência criminosa e o conflito na América Latina e no Caribe, enquanto a agitação doméstica e a violência estatal contra protestos aumentaram em nações como o Irã.
Na Rússia, a invasão da Ucrânia foi usada como desculpa para uma repressão ainda maior à liberdade de expressão dentro do país, que viu sua pontuação despencar ainda mais em 2022, de 15 para 7, diz o estudo.
“Essas estatísticas são apenas a ponta do iceberg, e a impunidade é a norma”, diz a organização
“Onde os ataques são tão comuns – e tão descarados – contra aqueles mais expostos, populações inteiras estão sofrendo restrições agudas à sua liberdade de expressão”.
O relatório completo pode ser visto aqui.
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