Londres – A revelação feita pelo New York Times de que o Google estĂĄ conversando com grandes empresas jornalĂ­sticas sobre uma ferramenta de inteligĂȘncia artificial capaz de escrever notĂ­cias sem a imprecisĂŁo das alternativas disponĂ­veis alarmou nesta quinta-feira os que temem a substituição de jornalistas por robĂŽs nas redaçÔes. 

Segundo o NYT, a ferramenta conhecida internamente como Genesis, estĂĄ em estĂĄgio inicial de testes e foi apresentada a executivos do prĂłprio jornal, do Washington Post e do Wall Street Journal. 

A notĂ­cia foi confirmada pelo Google em um comunicado, ressaltando que “as ferramentas nĂŁo pretendem e nĂŁo podem substituir o papel essencial que os jornalistas tĂȘm em fazer reportagens, criar conteĂșdo e verificar os fatos de suas matĂ©rias”.

VĂĄrias redaçÔes jĂĄ estĂŁo tentando usar ferramentas como o ChatGPT e o prĂłprio Bard do Google para ajudar em pesquisa de dados e produção de textos.

Mas episĂłdios como uma recente matĂ©ria do site de tecnologia Gizmodo cheia de erros mostrou que as atuais AIs generativas ainda nĂŁo estĂŁo prontas para a tarefa, e podem causar prejuĂ­zos. 

Em janeiro, o site de notĂ­cias de tecnologia CNET publicou dezenas de reportagens produzidas por IA com erros graves. Uma delas, sobre juros compostos, afirmava que um depĂłsito de U$$ 10 mil com juros de 3% renderia US$ 10,3 mil no primeiro ano de seu investimento, em vez de US$ 300, o valor correto.

Nesta semana, a OpenIA, apoiada pela Microsoft, anunciou uma doação de US$ 5 milhĂ”es Ă  empresa de filantropia de risco American Journalism Project para descobrir como a inteligĂȘncia artificial pode ser melhor usada para apoiar o jornalismo local. 

InteligĂȘncia artificial do Google criada para notĂ­cias 

A diferença da nova ferramenta do Google para o que existe atĂ© o momento Ă© que desta vez hĂĄ um produto criado exclusivamente para o jornalismo. E segundo alguns que viram os resultados, eles sĂŁo “perturbadores”, disse a reportagem do New York Times. 

O chamado Genesis coleta informaçÔes sobre acontecimentos atuais e gera uma notĂ­cia. Uma das trĂȘs pessoas com quem o jornal americano conversou sobre a novidade disse acreditar que ele funcionaria como uma espĂ©cie de assistente pessoal para jornalistas, automatizando algumas tarefas para liberar tempo para outras. 

E que o Google o vĂȘ como uma tecnologia responsĂĄvel capaz de afastar a indĂșstria editorial das armadilhas da IA generativa, como a imprecisĂŁo e a desinformação, com fatos inventados que viraram piadas nas redes mas podem afetar carreiras e negĂłcios. 

Jenn Crider, porta-voz do Google, disse que a ferramenta pode oferecer diferentes opçÔes de manchetes ou estilos de redação, com o objetivo de acelerar e melhorar o trabalho dos jornalistas.

Ela comparou a novidade aos recursos de IA que a empresa estĂĄ adicionando ao Gmail e ao Google Docs, que escrevem e-mails, currĂ­culos ou memorandos automaticamente com base em breves prompts e perguntas inseridas por um ser humano.

No comunicado, a empresa informou que a parceria para o desenvolvimento e uso do Genesis envolve organizaçÔes jornalĂ­sticas, “especialmente editoras menores”.

Isso aponta para uma possĂ­vel diferença em relação a outros avanços tecnolĂłgicos, historicamente acessĂ­veis apenas a grandes empresas com capacidade de investimento alto em equipamentos e sistemas sofisticados. 

Google, plataformas digitais e sustentabilidade da indĂșstria

As plataformas digitais sĂŁo acusadas de terem deteriorado severamente a sustentabilidade das empresas jornalĂ­sticas, ao absorverem as maiores fatias das verbas publicitĂĄrias.

Isso tem levado a cortes de pessoal e ao fechamento de veĂ­culos, bem como a batalhas para compensar as organizaçÔes pelas perdas. 

Nos EUA, o fenĂŽmeno ganhou o nome de “desertos de notĂ­cias”, em referĂȘncia a localidades que perderam seu noticiĂĄrio local. 

A ferramenta do Google tem o potencial de ajudar pequenos veĂ­culos a continuarem informando seus leitores com despesas menores. Ao mesmo tempo, com equipes menores, o que assusta profissionais do setor.

Enquanto as atuais AIs generativas nĂŁo se demonstram ainda capacitadas a substituir jornalistas, essa substituição nĂŁo estĂĄ acontecendo de forma generalizada. Mas pode vir a acontecer se o Google colocar nas mĂŁos da indĂșstria um recurso confiĂĄvel e financeiramente viĂĄvel.

AlĂ©m disso, ele poderia ser usada para viabilizar iniciativas de jornalismo independente e de nicho. 

As conversas do Google com empresas jornalĂ­sticas para o uso da ferramenta podem ainda acomodar outro temor de empresas jornalĂ­sticas: o uso de seu conteĂșdo para treinar a inteligĂȘncia artificial sem o pagamento de direitos autorais. 

Na semana passada, a OpenIA, dona do ChatGPT, fechou um contrato com a Associated Press para usar seu acervo de notĂ­cias legalmente.