Londres –  Às vésperas do segundo aniversário da tomada do poder no Afeganistão pelo grupo fundamentalista islâmico Talibã, em 17 de agosto de 2021, a polícia fechou a emissora privada Hamisha Bahar Radio TV em represália à realização de um curso de jornalismo com a participação de homens e mulheres juntos. 

No domingo, 30 de julho, cerca de 20 agentes da polícia provincial do Talibã em Jalalabad, quinta maior cidade do país, invadiram o escritório da rede depois de receberem informações sobre o treinamento.

Um dia depois, policiais armados retornaram, mandaram interromper as operações da emissora e lacraram seu escritório, segundo relato de Atal Khan Stanekzai, chefe da rede, ao Afghanistan Journalists Center (AFCJ).

Polícia Talibã deixou lacre na porta da emissora 

A Rádio Hamisha Bahar foi fundada em 2011 e seu canal de TV em 2018 em Jalalabad, capital da província de Nangarhar. Tem 35 funcionários, nove deles mulheres. Seu diretor chegou a ser detido em março, segundo organizações de liberdade de imprensa. 

A rede oferece cursos a estudantes e profissionais de sua própria equipe ou externos, que participam de aulas teóricas e fazem treinamento prático nos estúdios da emissora. 

O AFJC divulgou uma foto do lacre deixado pelo polícia do Talibã na porta principal da emissora, e protestou contra o fechamento pelo governo:

“Apelamos às autoridades nacionais para instruírem as autoridades locais na província de Nangarhar a cumprirem os princípios do estado de direito, revogando imediatamente a ordem de fechamento da Hamisha Bahar e não realizar mais atos semelhantes.”

Lacre na rádio Hamisha Bahar, fechada pelo Talibã no Afeganistão
(foto: Hamisha Bahar via AFJC)

“O Talibã deve permitir que a emissora Hamisha Bahar Radio and TV retome suas operações imediatamente e garantir que seus funcionários, incluindo jornalistas mulheres, tenham acesso irrestrito a treinamento profissional no Afeganistão”, disse Beh Lih Yi, coordenador do  Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) para a Ásia. 

“É espantoso que o Talibã tenha reprimido um meio de comunicação por causa da participação de mulheres em uma sessão de treinamento de jornalismo. Negar os direitos das mulheres tornou-se a marca registrada do regime Talibã”.

ONU: Repressão do Talibã sobre mulheres aumentou no Afeganistão

A repressão aos direitos das mulheres no Afeganistão pelo Talibã aumentou ainda mais nos últimos meses, segundo um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado em julho. O levantamento lista vários casos de restrições de acesso a trabalho e educação por parte do regime Talibã. 

Duas ONGs tiveram suas licenças suspensas pelo Departamento de Economia por causa da presença de funcionárias em seus escritórios, segundo a organização. 

Ao tomar o poder no Afeganistão, o Talibã sinalizou uma tolerância maior com as mulheres jornalistas em comparação ao primeiro período em que comandou o país, entre 1996 e 2001, mas não foi o que aconteceu. 

Um estudo feito pela organização Repórteres Sem Fronteiras quando o Talibã completou um ano no poder revelou que 40% dos veículos de imprensa haviam deixado de existir, e 60% dos profissionais de imprensa deixaram a atividade. 

As mulheres foram as mais atingidas: há um ano, seriam apenas 656 trabalhando no Afeganistão, de um total de 2,7 mil antes de agosto de 2021, quando o Talibã reassumiu o poder. 

No Dia Mundial do Rádio, em fevereiro, o Sindicato dos Jornalistas Independentes Afegãos (AIJU) disse que dos 345 canais de rádio funcionavam no país antes do Talibã assumir o poder, 117 fecharam por aumento da censura e problemas financeiros. 

Porta-voz Talibã diz não haver barreiras para mulheres na lei

Em junho deste ano, a rede independente ToloNews fez uma reportagem sobre reclamações de jornalistas mulheres que estariam sendo proibidas de participar de coletivas de imprensa e cobertura de eventos. 

Zabihullah Mujahid, porta-voz do Emirado Islâmico, afirmou na reportagem que não há barreiras que impeçam as mulheres jornalistas de trabalharem na imprensa. 

Ele disse que o projeto de lei de mídia enviado ao líder do Emirado Islâmico para aprovação não estabelece restrições específicas – mas observou que “todos são obrigados a cumprir as leis islâmicas, os valores islâmicos, o hijab para mulheres, e também a proteção dos altos interesses do país”.

Em abril, uma rádio dirigida por mulheres teve suas atividades suspensas porque havia funcionários homens na equipe.