Flávia Vigio, jornalista e executiva de comunicação corporativa
Flávia Vigio

Miami – Não nos iludamos: já começou o processo em que a inteligência artificial (IA) alterará completamente o trabalho na área de Comunicação.

Relações Públicas, Assessoria de Imprensa, Comunicação Corporativa e todas as áreas relacionadas à construção e manutenção de reputação e imagem, seja em benefício de uma companhia, um produto, um candidato político, uma campanha social ou de uma ideia, serão afetadas.

A IA é a mais avançada e diferente das ferramentas anteriores que mecanizaram processos para agilizar resultados. Justamente por essa característica, pode ser uma aliada do profissional de comunicação em áreas críticas da atividade, como planejamento baseado em dados e medição de resultados.

Como contabilizar resultados na comunicação com a IA

Enquanto outras áreas corporativas como Finanças, Operações, Marketing e Recursos Humanos, empregam naturalmente números e resultados quantitativos para fundamentar seus objetivos, as áreas ligadas à comunicação sempre tiveram um desafio maior para contabilizar resultados.

Como quantificar, por exemplo, uma matéria negativa que não foi publicada, ou a importância de relacionamentos construídos que podem ajudar a companhia algum dia?

Alguns tipos de IA são capazes de contribuir para o planejamento estratégico, fornecendo elementos factuais e mensuráveis que identificam oportunidades e embasam decisões.

Essas ferramentas podem ser o instrumento para que discussões sobre reputação sejam menos abstratas, ao dar elementos para que a experiência e a sensibilidade do profissional da área sejam reforçadas pela objetividade dos dados.

Bem articulada, a combinação do conhecimento técnico com a interpretação das informações trazidas pela IA pode elevar ainda mais a posição estratégica das áreas de comunicação dentro das organizações.

Além disso, uma aplicação da IA com modelo de linguagem apto a identificar e medir globalmente, em tempo real, e em qualquer idioma, a qualidade da exposição de uma marca, de uma mensagem ou mesmo de um indivíduo nos dá a possibilidade de utilizar um termômetro preciso, com indicadores de resultados padronizados e muito mais eficientes do que as medições de reputação atuais.

Capacitação para usar recursos de IA

Professora e consultora em tecnologias da inteligência e design digital, Fabiana Raulino é referência no Brasil na área de IA e ajuda empresas a implementarem projetos de transformação digital focados em educação para o trabalho.

Fabiana Raulino, professora e consultora em tecnologias da inteligência e design digital
Fabiana Raulino, consultora 

Ela recomenda que o profissional de comunicação se capacite para implementar recursos de IA, independentemente da indústria em que opere a empresa.

“Em cada etapa do fluxo de trabalho – do comercial ao operacional – é possível beneficiar-se da IA e suas particularidades. Tudo depende unicamente do prompt de comando.

A IA consegue fazer curadoria de cases e os algoritmos podem vasculhar milhares de postagens nas redes sociais, blogs, fóruns e notícias para identificar tendências de opinião e detectar mudanças, mesmo as mais sutis, no sentimento do público”.

Com a criação de novas aplicações baseadas em modelos de linguagem, ficará cada vez mais rápida e automática a avaliação da imagem corporativa – aquela que hoje é uma das mais artesanais e delicadas tarefas da análise de reputação – deixando ao profissional mais tempo para estratégia, criação e manutenção de relacionamentos e gerenciamento de equipe.

Influência da IA na reputação alinhada aos valores ESG

Existe nos EUA o termo “spin doctor”, utilizado para designar os profissionais de Assessoria de Imprensa e Comunicação Corporativa, gerado por uma dose de misticismo associada a um alto grau de desconhecimento – não exclusivo de norte-americanos – sobre o delicado trabalho de construção de marca.

Trata-se de uma metáfora médico-esportiva sugerindo que a manutenção de uma boa reputação estaria ligada a saber “rebater” um ataque negativo, reconstruindo forçadamente os fatos para criar uma perspectiva mais favorável. Driblando os “spin doctors” mais entusiasmados, no Brasil há o famoso ditado ressaltando que a mentira tem perna curta.

Ele traduz uma verdade em comunicação: não há “realidade alternativa” operada pelo melhor ‘spin doctor’ que resista a um atento escrutínio por parte da sociedade sobre fatos que não se sustentam além do posicionamento para a imprensa ou da mais bem articulada das campanhas.

Isso será exacerbado à medida que as ferramentas de inteligência artificial se tornarem cada vez mais populares e acessíveis, facilitando o acesso a informações mais abrangentes e precisas sobre a performance das empresas à luz dos princípios ESG, para o bem ou para o mal.

IA, aliada dos comunicadores para promover valores ESG

A IA já tem trazido soluções que agilizam e integram toda a informação da cadeia de valor em sistemas únicos, que podem ser facilmente auditados e avaliados pelos stakeholders corporativos.

Nesse cenário, estabelecer metas e criar planos sólidos para alcançar resultados auditáveis à luz dos valores ESG será tão importante quanto comunicá-los – e as ferramentas de inteligência artificial podem ser grandes aliadas dos comunicadores nessa missão.

No momento em que as companhias definem o uso de IAs em seus processos, os profissionais da área têm a oportunidade de posicionar a nova tecnologia como ferramenta importante para o gerenciamento de imagem e storytelling corporativo.

Longe de pensar em Terminators e HALs, entretanto, é preciso lembrar que o foco dos desenvolvimentos em inteligência artificial está na criação de aplicações destinadas a facilitar tarefas mecânicas, alavancar pesquisas e resolver problemas utilizando linguagens em uma velocidade muito maior do que a dos humanos.

A direção na qual nos movemos com essas novas tecnologias está diretamente relacionada à ética de seus programadores, bem como às suas falhas humanas – e por isto é necessário que estejamos envolvidos e engajados nessa discussão.

Assim como qualquer ferramenta ou tecnologia, a inteligência artificial não se define por suas características ou seu potencial, mas pela forma como será utilizada.

Portanto, também para o seu avanço nas disciplinas humanísticas, e especificamente nas áreas de comunicação, é fundamental que toda a indústria se mobilize para apontar a direção correta.


Edição especial MediaTalks sobre Inteligência ArtificialEste artigo faz parte do Especial ‘Os desafios da ESG na era da Inteligência Artificial

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Edição Especial ESG e Inteligência Artificial MediaTalks