Katherine Pennacchio, jornalista venezuela
Katherine Pennacchio

Emilia Dรญaz-Struck saiu das salas de aula da Universidade Central da Venezuela para um cargo de lideranรงa em Washington em uma das organizaรงรตes mais importantes que apรณiam, promovem e produzem recursos para o jornalismo investigativo em todo o mundo.

O trabalho de Dรญaz-Struck, nomeada nova diretora executiva da rede de jornalismo investigativo Global Investigative Journalism Network (GIJN) , mostra que colaboraรงรฃo e networking sรฃo as melhores respostas para os difรญceis desafios que o jornalismo enfrentou e continua enfrentando.

Os primeiros passos no jornalismo investigativo

O primeiro trabalho de Dรญaz-Struck no jornalismo foi no jornal da Universidade Central da Venezuela (UCV), o Hora Universitรกria (Campus Hour).

Ela trabalhou depois no jornal noturno El Mundo (agora descontinuado) em Caracas, onde foi pioneira no jornalismo por computador, agora conhecido como jornalismo de dados. Dรญaz-Struck comeรงou a experimentar o uso do Excel e de bancos de dados no jornalismo venezuelano quando ninguรฉm mais o fazia.

“Lembro-me que, jรก nessa altura, procurava inspiraรงรฃo em jornalistas que faziam a diferenรงa e que faziam as coisas de forma diferente. Eu era como aquela esquisita numa redaรงรฃo, a olhar para um Excel todos os dias”.

Naquela รฉpoca, no final dos anos 2000, comeรงava a se criar na Venezuela um processo de restriรงรตes que diminuรญa a possibilidade de compartilhamento na mรญdia de opiniรตes diferentes das do governo do entรฃo presidente Hugo Chรกvez .

Alรฉm disso, nessa รฉpoca, o preรงo do petrรณleo venezuelano comeรงou a cair, levando consigo uma dรญvida pรบblica que afetava os cidadรฃos.

โ€œQuando escolhi fazer jornalismo, jรก estรกvamos em uma situaรงรฃo de muita iniquidade, muita corrupรงรฃo, violaรงรตes de direitos humanos, lavagem de dinheiro, um paรญs muito polarizado”, disse Dรญaz-Struck ร  LatAm Journalism Review (LJR) .

Segundo ela “a resposta para toda essa situaรงรฃo era jornalismo. Jornalismo como um serviรงo ร  sociedadeโ€.

Algum tempo depois, foi chamada para liderar a รกrea de pesquisa do Instituto Prensa y Sociedad de Venezuela (IPYS) , organizaรงรฃo nรฃo governamental que trabalha pela promoรงรฃo, defesa e capacitaรงรฃo em liberdade de expressรฃo, jornalismo investigativo e direito ร  informaรงรฃo.

Lรก, ela teve a oportunidade de entrar em contato com jornalistas que faziam grandes investigaรงรตes em toda a Amรฉrica Latina. Jornalistas que, segundo Dรญaz-Struck, atuaram como mentores e foram uma fonte de ferramentas para seu trabalho.

Entre eles, ela destaca Ewald Scharfenberg (Venezuela), Monica Gonzรกlez (Chile), Ricardo Uceda e Gustavo Gorriti (Peru), Giannina Segnini (Costa Rica), Marina Walker (Argentina), Carlos Eduardo Gardens e Maria Teresa Ronderos (Colรดmbia), Carlos Fernando Chamorro (Nicarรกgua), Monica Almeida (Equador) e Mabel Rehnfeldt (Paraguai).

“ร€s vezes as pessoas pensam que entre os jornalistas ninguรฉm vai se ajudar, que todos estรฃo competindo uns contra os outros, mas encontrei um mundo diferente neste processo.

Encontrei muitas pessoas que foram muito generosas e que assumiram tempo e espaรงo para compartilhar experiรชncias”.

Dรญaz-Struck tambรฉm destacou eventos como a Conferรชncia Latino-Americana de Jornalismo Investigativo, a Conferรชncia Global de Jornalismo Investigativo e o Festival Gabo.

Assim como o trabalho de organizaรงรตes como o Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP) , Connectas , Convoca , Centro Knight para o Jornalismo nas Amรฉricas , e a Associaรงรฃo Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) .

Foram espaรงos de encontro e colaboraรงรฃo que lhe permitiram, โ€œaos poucos, tecer uma rede e ver como em situaรงรตes onde parece que as coisas nรฃo sรฃo possรญveis, elas realmente sรฃoโ€.

Paralelamente ao seu trabalho jornalรญstico, Dรญaz-Struck ensinou estudantes de comunicaรงรฃo social na UCV por mais de sete anos e ministrou oficinas de investigaรงรฃo e dados para jornalistas de toda a Venezuela.

โ€œร‰ importante pensar como podemos continuar a formar as prรณximas geraรงรตes e quem vai assumir, quem vem a seguir, quem vai continuar a fazer o trabalho. Isso vai permitir a sustentabilidade do jornalismoโ€.

Da Venezuela para o mundo

Seu olhar para o trabalho em equipe a levou a colaborar de Caracas com veรญculos de notรญcias como o Washington Post, a revista Poder y Negocios, e tambรฉm a co-fundar a redaรงรฃo investigativa do Armando.info .

Eventualmente, um trabalho no trรกfico de Coltan abriu um caminho para ela se juntar ao Consรณrcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), onde comeรงou como jornalista investigativa e passou pelos cargos de editora investigativa, coordenadora da Amรฉrica Latina e lรญder da equipe de dados.

A jornalista investigativa fez parte de importantes investigaรงรตes transnacionais que tornaram o ICIJ conhecido: Offshore Leaks , Panama Papers (Prรชmio Pulitzer 2017), Implant Files , FinCEN Files e Pandora Papers .

โ€œQuando comecei no Consรณrcio tรญnhamos 11 pessoas, hoje sรฃo 40. Entรฃo pude acompanhar o crescimento fazendo parte da equipe atรฉ o uso da tecnologia.

E o que tenho buscado, quando cheguei a essas funรงรตes, รฉ justamente retribuir o que recebi, nesses primeiros anos, de tantos colegasโ€.

Otimismo persistente

A GIJN รฉ uma associaรงรฃo de mais de 240 organizaรงรตes, a maior rede de jornalismo investigativo sem fins lucrativos em todo o mundo.

Dรญaz-Struck tornou-se editora geral agosto. No dia 19 de setembro ela serรก oficializada como diretora executiva, durante a conferรชncia bienal da rede a ser realizada em Gotemburgo, Suรฉcia.

A jornalista venezuelana substituirรก David Kaplan , que foi o diretor executivo fundador da GIJN por mais de 10 anos.

โ€œA funรงรฃo que vou assumir em breve tem a ver com o somatรณrio do que fiz todos estes anos. Por um lado, a vertente acadรชmica. Por outro lado, o aspecto da inovaรงรฃo e dos dados.

Alรฉm disso, a reportagem investigativa e colaboraรงรฃo em redes. Tudo isso somado รฉ o que faz a Rede Global de Jornalismo Investigativo”.

O trabalho tambรฉm apresenta a ela desafios interessantes, mas tambรฉm complexos. โ€œHรก um desafio que tem a ver com a natureza das situaรงรตes de liberdade de imprensa. Vemos cada vez mais jornalistas fazendo investigaรงรตes no exรญlio e em circunstรขncias de ameaรงas pessoais e digitaisโ€, explicou.

โ€œTambรฉm temos um desafio que tem a ver com o mundo da tecnologia, dos dados, do volume de informaรงรฃo que estรก circulando e auxiliando na desinformaรงรฃo. Entรฃo, รฉ um cenรกrio complexo e interessante ao mesmo tempoโ€, concluiu.

Objetivos do jornalismo investigativo

Entre os principais objetivos de Dรญaz-Struck estรฃo continuar capacitando a comunidade global de jornalistas investigativos e criar recursos para fortalecer as habilidades desses profissionais.

Alรฉm disso, ela quer continuar produzindo reportagens investigativas que ajudem e informem cidadรฃos de todo o mundo, fortalecendo democracias, monitorando o poder e expondo situaรงรตes que de outra forma permaneceriam ocultas.

Apesar dos desafios do jornalismo, e especialmente do jornalismo investigativo, a visรฃo de Dรญaz-Struck รฉ otimista, com espaรงo para experimentaรงรฃo e uma busca constante por caminhos possรญveis.

“ร‰ por isso que falo sobre otimismo persistente. Eles nรฃo podem dizer nรฃo para mim, mas sim como aprendo para fazer isso acontecer.”


 Sobre a autora

Katherine Pennacchio รฉ uma jornalista venezuelana com mestrado em Jornalismo Investigativo de Dados e Visualizaรงรฃo pela Unidade Editorial e pela Universidade Rey Juan Carlos de Madri.ร‰ co-fundadora da Vendata.org, projeto que atua na liberaรงรฃo de informaรงรฃo e publicaรงรฃo de dados abertos na Venezuela. Escreve tambรฉm para os sites de jornalismo investigativo Armando.info e Runrun.es.


Este artigo foi originalmente publicado no LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center for Journalism in the Americas (Universidade do Texas em Austin). Todos os direitos reservados ao autor.