Londres – O resultado de uma nova pesquisa sobre acesso a conteúdo político na internet contradiz a lógica de que as fontes mais prováveis para esse tipo de informação sejam os sites de notícias, pelo menos para uma parcela do público.
Um estudo assinado pela professora Madalena Wojcieszak, do Departamento de Comunicação da Califórnia, publicado na revista Political Communications, investigou as atividades online de um público raramente estudado: pessoas politicamente desinteressadas.
O trabalho concluiu que, em termos absolutos, há mais pessoas encontrando conteúdo político em sites não noticiosos do que em canais dedicados ao jornalismo, como os de fofocas, compras ou entretenimento − categoria que inclui, por exemplo, programas talk-show.
Pesquisa sobre política na internet em três países
É uma perspectiva interessante sobre a chamada “fadiga de notícias” – o ato de se afastar deliberadamente do noticiário.
Mesmo aqueles que o fazem, acabam expostos a conteúdo político de forma sutil, “contrabandeado” no meio de outros assuntos − e sem os mesmos filtros aplicados ao jornalismo, como a cobrança por precisão ou imparcialidade.
Os pesquisadores acompanharam durante sete meses os hábitos de navegação de 7.266 internautas de EUA, Holanda e Polônia, países com regimes de governo diversos e contextos sociais diferentes. E aplicaram questionários regulares para medir as atitudes deles a partir dos conteúdos a que eram expostos.
A fim de identificar notícias políticas em sites não dedicados ao tema foi criado um “classificador multilíngue”.
A definição de conteúdo político incluiu referências a figuras políticas, eleições, políticas públicas, clima, imigração, saúde pública, controle de armas, agressão sexual, questões raciais e de gênero, minorias sexuais, étnicas e religiosas, regulamentação de Big Techs e crimes envolvendo armas.
Isso significa que uma conversa em um talk-show que aborde um desses temas transmite uma informação política ao espectador, assim como opiniões manifestadas por celebridades em sites de entretenimento.
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Só 3,4% da navegação em sites de notícias
A lista dos EUA continha 5,4 mil títulos (2.041 dos quais visitados pelos participantes). A lista holandesa continha 294 veículos, com 256 visitados. Na Polônia, foram listadas 298 organizações de mídia, 291 das quais foram visitadas.
Apenas 3,4% da navegação dos participantes − uma gota no oceano, segundo o estudo − foi para sites de notícias. A esmagadora maioria de visitas foi para sites sobre outros assuntos − em que temas políticos poderiam aparecer, mas não eram o objetivo do acesso.
E de cada dez exposições a conteúdo político, 3,4 aconteceram em sites de notícias e 6,6 em sites não jornalísticos.
Cliques em notícias sobre assuntos políticos representaram menos de 1% de todas as visitas e 25% de todas as visitas a sites de notícias. Muitas das visitas a eles eram para conferir esportes ou encontrar uma receita.
O estudo não examinou diretamente o consumo de conteúdo nos feeds de redes sociais dos participantes. Mas observou se eles acessaram contas de veículos de mídia nas redes sociais.
Apenas 0,5% dos acessos foram a canais de jornalismo, das quais 34% em busca de conteúdo político.
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Conteúdo sobre política e comportamentos democráticos
Os pesquisadores examinaram ainda a relação entre exposição a conteúdos políticos fora dos domínios jornalísticos e comportamentos democráticos.
Nos três países verificou-se um aumento das intenções de participação social, como assinar uma petição ou ir um protesto − mais do que no jornalismo tradicional.
Por outro lado, na Holanda, os que acessaram conteúdo político em fontes não jornalísticas tenderam ao extremismo. Esse impacto não foi observado nos EUA nem na Polônia.
Foi avaliada ainda o que os pesquisadores chamaram de “polarização afetiva”, definida como a hostilidade a pessoas com crenças políticas opostas.
Nos EUA e Polônia, os que acessam conteúdo político fora do jornalismo tenderam à intolerância. Na Holanda ocorreu o contrário.
A conclusão é de que muitos estudos sobre efeitos das redes em atitudes políticas, desinformação e polarização a partir do conteúdo jornalístico podem estar desconsiderando a vida real de um contingente enorme de pessoas que consome conteúdo online.
E não levando em conta a influência que os que se expressam por canais não jornalísticos têm sobre o público em temas tão relevantes para a sociedade e para a democracia.
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