Londres –  O poder das celebridades para influenciar o público, que se aplica a produtos de consumo e comportamento, não se transfere para informações sobre mudanças climáticas, segundo uma pesquisa do Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo, em Oxford. 

O estudo foi feito em oito países, incluindo o Brasil. Políticos também não se revelaram confiáveis, enquanto os cientistas são o grupo em que o público global mais confia, comportamento que se repete no Brasil. 

Uma das constatações é de que a chamada fadiga de notícia, o ato de evitar o noticiário, também se aplica às mudanças climáticas, por razões como a falta de confiança, a percepção de ausência de novidades e o efeito negativo sobre o humor. 

Confiança nas fontes de informação sobre mudança climática 

Eventos como o Dia da Terra, que se comemora neste 22 de abril, são oportunidades para chamar a atenção para a crise da mudança climática. Mas quem realmente desperta a atenção e merece a confiança do público? 

No Brasil, 76% dos entrevistados pelo Instituto Reuters disseram acreditar mais nos cientistas do que em qualquer outro grupo, mesmo percentual que a Índia e quase o mesmo que o Paquistão, com 75%.

Na outra ponta, os menos confiáveis são as celebridades e partidos ou políticos, que se revezam entre o último e o penúltimo lugar.

No Brasil, políticos são vistos como fontes com credibilidade por 19% dos participantes do estudo, enquanto as celebridades ficam com 22%.

Líderes religiosos vieram em seguida, merecendo somente 31% da confiança, quase empatados com empresas de energia, com 32%.

O Brasil é um dos três países em que a imprensa é vista como fonte de informações confiáveis a respeito do tema para mais da metade dos entrevistados. 

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Na França, apenas 9% dos entrevistados acreditam nos famosos para obter informações sobre o clima.

A influência pessoal é outra revelação interessante do estudo, demonstrada no gráfico.

Nos EUA, Alemanha, Índia e no Paquistão, os entrevistados disseram confiar mais em pessoas conhecidas para se informar sobre o clima do que em organismos internacionais como a ONU.

No Brasil isso não acontece. Pessoas conhecidas têm menos credibilidade como fonte (51%) do que organizações internacionais (63%) e mídia (56%), mas superam os ativistas. 

Tornar o noticiário mais atrativo é um desafio para a indústria de jornalismo e pode gerar negócios, como observou o professor Rosental Calmon Alves em entrevista para o Especial MediaTalks COP27.

Fadiga de notícias 

Embora em nenhuma das nações pesquisadas o público demonstre mais rejeição a notícias sobre a crise ambiental do que a notícias sobre outros assuntos, há um sinal preocupante: o principal motivo para fazê-lo é a falta de confiança nas informações transmitidas pela mídia, uma percepção formada não apenas pelo noticiário em grandes veículos como também em canais independentes ou blogs. 

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As entrevistas foram realizadas em setembro, quando o tema não estava entre as pautas prioritárias da mídia como ficou durante a COP27, mesmo sendo período de campanha eleitoral no Brasil e nos EUA.

Para defesa da imprensa brasileira, este é um problema recorrente em campanhas. Em vários países, o clima perde espaço para outras pautas antes de eleições.

O resultado consolidado do estudo do Reuters indica que metade dos entrevistados foi exposta a notícias sobre as mudanças climáticas na semana anterior à da pesquisa. O Brasil figura em quarto lugar na lista.

Considerando o tamanho da crise em alguns países, como o Paquistão devastado por inundações, é um sinal de que as informações sobre o clima ainda precisam ser mais difundidas. 

O meio mais importante de acesso a notícias sobre o clima globalmente foi a televisão, identificada por quase um terço dos entrevistados como a principal fonte de informação.

No Brasil o comportamento foi diferente: apenas 29% dos pesquisados disseram ter se informado sobre clima pela TV, enquanto na França a taxa foi de 44%.

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O meio mais eficiente para os brasileiros foi o online, que na pesquisa engloba sites de notícias e serviços de mensagem (notícias distribuídas por serviços como WhatsApp e Telegram), mas não inclui mídias sociais.

Um total de 38% dos entrevistados recebeu informações sobre as mudanças climáticas no que o estudo agrupa como online no país. O percentual só foi superado no Paquistão, que marcou 46%.

Uma revelação surpreendente do estudo é que, apesar de o clima ser supostamente uma causa que mobiliza mais os jovens, grupos etários mais velhos demonstraram mais exposição a notícias sobre as mudanças climática do que eles.

Segundo o Reuters, a explicação está na conexão menor de jovens com o jornalismo, já constatada em estudos sobre hábitos de consumo e de confiança nas notícias.

Cientistas e ativistas ambientais são as fontes mais lembradas entre os que viram notícias sobre o clima. No Brasil, os acadêmicos foram mencionados por 25% dos entrevistados, perdendo só para a França, com 29%.

Informação sobre mudanças climáticas vistas como não confiáveis

Segundo o estudo do Reuters, quando os entrevistados são questionados sobre os motivos pelos quais evitam ativamente as notícias sobre mudanças climáticas, as razões mais comumente apontadas são que elas não são confiáveis ​​(27%); que não trazem nada de novo (27%); que afetam negativamente o humor (26%) e que eles se sentem desgastados pela quantidade de notícias sobre mudanças climáticas (25%).

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A falta de tempo aparece em último lugar como motivo para fugir da informação sobre mudanças climáticas, perdendo apenas para a dificuldade de entender o conteúdo. 

Outras razões identificadas foram a percepção de que não há nada a fazer com a informação e o risco de brigar com alguém em conversas sobre mudanças climáticas. 

Apenas na Índia e no Paquistão as mulheres evitam mais as notícias sobre o clima do que os homens. No Brasil a diferença é de 4 pontos percentuais, taxa semelhante à das pessoas que fogem do noticiário geral. 

“Existem diferentes motivações para evitar notícias seletivamente, e nenhuma mudança editorial ou nova abordagem jornalística pode abordar todas elas de uma só vez. 

Mas vale notar que, além daqueles que parecem ligados à política (por exemplo, percepções de preconceito), vários dos motivos mais frequentemente mencionados têm a ver com exaustão (por exemplo, ‘desgaste’, ‘demais’), valor limitado (‘ nada de novo’, ‘nada que eu possa fazer’) e ansiedade (‘um efeito negativo no meu humor’). 

O jornalismo de soluções, orientado a mostrar caminhos e não apenas o lado dramático da crise ambiental, é uma oportunidade para conectar os que se afastam do noticiário, como o programa lançado pelo jornal Washington Post. 

O estudo completo do Instituto Reuters pode ser visto aqui