Londres – Se alguĂ©m ainda tem dĂșvidas sobre a entrada da inteligĂȘncia artificial generativa na imprensa, uma nova pesquisa feita pela iniciativa JournalismIA da London School of Economics (LSE) chega para sepultĂĄ-las de vez: apenas 1% dos representantes de mais de 100 empresas jornalĂ­sticas de 46 paĂ­ses disseram que ainda nĂŁo testaram as ferramentas de IA.

O mesmo percentual nĂŁo acredita que a IA generativa traga oportunidades para o jornalismo, contra 73% que discordam dessa opiniĂŁo − menos do que os 85% que experimentaram a tecnologia. 

Isso sugere que parte deles ainda nĂŁo se convenceu totalmente, o que pode estar relacionado ao desconhecimento sobre as aplicaçÔes e medo dos riscos. No entanto, mais de sete em cada 10 entrevistados acreditam nas oportunidades, embora elas possam nĂŁo chegar tĂŁo rĂĄpido para todos: a pesquisa constatou a distribuição desigual da tecnologia pelo mundo, que pode ter efeitos sobre a sociedade. 

IA na imprensa: incertezas e expectativas 

O relatĂłrio Ă© um mergulho no universo de incertezas que rondam a adoção da inteligĂȘncia artificial em todos os setores, incluindo em RelaçÔes PĂșblicas.

No jornalismo, as implicaçÔes se relacionam diretamente com a atividade-fim: informar com precisão e isenção.

Algumas revelaçÔes confirmam o que outros estudos indicaram. Os principais usos da IA generativa sĂŁo em produção de conteĂșdo (90%), distribuição (80%) e apuração (75%).

Serviços de transcrição de åudio para texto e de tradução automåtica como Otter, Colibri e Whisper foram os mais citados, ainda que com as habituais reclamaçÔes de traduçÔes imprecisas, sobretudo quando o åudio é de uma pessoa com sotaque.

Por outro lado, relatos da ajuda da IA para fact-checking mostram que é preciso ir além das queixas sobre alucinaçÔes do ChatGPT ou do Bard e olhar a metade meio cheia do copo da adoção da tecnologia pela imprensa.

AplicaçÔes NLP (Natural Language Processing) estĂŁo sendo empregadas para coletar fatos e estatĂ­sticas oficiais a fim de confirmar declaraçÔes ou anĂșncios. Outro uso Ă© a busca reversa para conferir se uma imagem foi manipulada.

SĂŁo exemplos de como a IA pode ajudar o jornalismo e a sociedade se for incorporada Ă s redaçÔes da forma correta, com proteçÔes para evitar os efeitos colaterais negativos. 

Desigualdades na imprensa global acentuadas pela IA 

No entanto, esse reino dos céus pode não estar ao alcance de todos. A adoção da tecnologia no jornalismo tende a ser menos universal do que muitos sonhariam, outra impressão revelada pelo estudo.

Embora as redaçÔes enfrentem desafios relacionados à integração da IA em todo o mundo, eles se demonstraram mais pronunciados para as que estão no chamado Sul Global, como o Brasil, segundo a pesquisa.

Os entrevistados destacaram desafios linguĂ­sticos, infraestruturais e polĂ­ticos. Observaram como os benefĂ­cios sociais e econĂŽmicos da IA tendem a se concentrar geograficamente no Norte Global, onde existem infraestruturas melhores e acesso mais fĂĄcil aos recursos.

Um dos problemas mais citados foi a linguagem. Como os modelos sĂŁo treinados principalmente em inglĂȘs, entrevistados da mĂ­dia de paĂ­ses com outros idiomas revelaram a limitação do uso das aplicaçÔes, incluindo as de voz. 

Mira Yaseen, pesquisadora principal do estudo, descreve a disparidade global da IA  como “uma faca de dois gumes”.

Ela aponta que os benefĂ­cios econĂŽmicos e sociais da IA estĂŁo concentrados no Norte Global e os seus danos afetam desproporcionalmente o Sul Global (por exemplo, preconceito algorĂ­tmico), e que isso pode exacerbar as desigualdades da sociedade, refletindo-as na mĂ­dia. 

“Se quisermos realmente nos beneficiar da IA de forma equitativa no jornalismo, Ă© imperativo que adotemos um enquadramento consciente do poder do desenvolvimento e adoção global da IA, um aspecto que estĂĄ frequentemente ausente nos debates”, disse.

Mudanças na imprensa são “emocionantes e assustadoras”

O jornalista Charlie Beckett, diretor do think tank Polis e da iniciativa de IA na imprensa da LSE, nĂŁo coloca panos-quentes sobre os riscos da tecnologia para a mĂ­dia.

Ele acha que as mudanças trazidas pela IA ao jornalismo sĂŁo “emocionantes e assustadoras”. E admite que a pesquisa confirma a percepção de que as ferramentas de IA generativa sĂŁo “uma ameaça potencial Ă  integridade da informação e dos meios de comunicação”.

Desde, Ă© claro, que nĂŁo sejam bem usadas e incorporadas aos processos, ele ressalta. Cumprindo-se essa premissa, diz Beckett, elas oferecem “uma oportunidade incrĂ­vel para tornar o jornalismo mais eficiente, eficaz e confiĂĄvel”.

O professor, que fez carreira em redaçÔes atĂ© criar o centro de estudos de IA, em 2019, diz que a pesquisa Ă© um retrato fascinante da imprensa em um momento crucial de sua histĂłria. 

Leia um resumo da pesquisa e acesse o relatĂłrio completo aqui