Londres – A liberdade na internet diminuiu no mundo pelo 13º ano consecutivo, e o “poder repressivo” da inteligência artificial (IA) representa uma ameaça para o futuro, segundo a nova edição do relatório anual da organização americana Freedom House.
Com 64 pontos, o Brasil ficou em 23º lugar no ranking, classificado na zona amarela, que indica as nações onde a liberdade é parcial. O país perdeu um ponto em relação a 2022.
O primeiro lugar no ranking de liberdade na internet foi para a Islândia e o último para a China. O Irã foi o país que registrou o maior declínio entre as nações pesquisadas este ano.
As métricas da liberdade na internet
A pontuação é atribuída pela Freedom House com base na incidência de obstáculos ao acesso (incluindo preço dos serviços de conexão), limites para o conteúdo e violações dos direitos dos usuários. O levantamento levou em conta o período de junho de 2022 a maio de 2023.
O mapa mostra a distribuição da liberdade na internet pelo mundo, com os países onde a liberdade é maior assinalados em verde. Na América do Sul, o único considerado nessa condição foi a Argentina.
A organização chamou a atenção para o que classifica de “poder repressivo da inteligência artificial”, que estaria “amplificando uma crise nos direitos humanos online“.
“Embora a tecnologia da IA ofereça utilizações benéficas para a ciência, a educação e a sociedade de forma geral, a sua adoção também aumentou a escala, a velocidade e a eficiência da repressão digital.
Os sistemas automatizados permitem que os governos conduzam formas mais precisas e sutis de censura online.
Os fornecedores de desinformação usam imagens, áudio e texto gerados por IA, tornando a verdade mais fácil de ser distorcida e mais difícil de ser discernida.”
O relatório aponta ainda os sistemas sofisticados de vigilância “que vasculham rapidamente as redes sociais em busca de sinais de dissidência, e enormes conjuntos de dados combinados com exames faciais para identificar e rastrear manifestantes pró-democracia”.
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O que diz o relatório da Freedom House
Na visão da Freedom House, essas inovações estão “remodelando uma internet que já estava gravemente ameaçada”. Veja os principais pontos do relatório.
- Dos 70 países analisados, as condições dos direitos humanos online deterioraram-se em 29, enquanto apenas 20 países registaram avanços.
- Pelo nono ano consecutivo, a China figurou como o país com as piores condições para a liberdade na Internet, embora Mianmar tenha chegado perto.
- O maior declínio do ano ocorreu no Irã, seguido por Filipinas, Bielorrússia, Costa Rica e Nicarágua.
- Em mais de três quartos dos países abrangidos pelo projeto, foram registrados casos de pessoas detidas simplesmente por se expressarem online. E os governos de um número recorde de 41 países recorreram à censura de conteúdos políticos, sociais ou religiosos.
- Na Bielorrússia e na Nicarágua, onde as proteções à liberdade na Internet caíram drasticamente durante o período analisado, as pessoas receberam penas de prisão draconianas por falarem online, “uma tática utilizada pelos ditadores de longa data Aleksander Lukashenko e Daniel Ortega nas suas violentas campanhas para permanecerem no poder”, diz a Freedom House.
- A reputação da Costa Rica como defensora da liberdade na internet ficou em perigo após a eleição de um presidente cujo gestor de campanha contratou trolls online para perseguir vários dos maiores meios de comunicação do país.
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Como a IA está ameaçando a liberdade online
O relatório da Freedom House alerta para o risco de a inteligência artificial generativa (IA) potencializar as campanhas de desinformação online.
Pelo menos 47 governos recorreram a influenciadores para manipular as discussões online a seu favor durante o período analisado, o dobro do número registrado há uma década.
Durante o período, as ferramentas baseadas em IA capazes de gerar texto, áudio e imagens tornaram-se rapidamente mais sofisticadas, acessíveis e fáceis de utilizar, estimulando uma escalada preocupante dessas táticas de desinformação.
Durante o ano passado, a nova tecnologia foi utilizada em pelo menos 16 países – incluindo o Brasil, citado por um vídeo deepfake – para semear dúvidas, difamar os oponentes ou influenciar o debate público, diz o estudo:
“A IA permitiu aos governos melhorar e refinar a sua censura online.
Os governos autoritários tecnicamente mais avançados do mundo responderam às inovações na tecnologia de chatbot de IA, tentando garantir que as aplicações cumpram ou reforcem os seus sistemas de censura.”
Pelo lado positivo, a Freedom House contabiliza pelo menos 21 países que obrigam ou incentivam as plataformas digitais a implementarem a aprendizagem automática para evitar desequilíbrio nos conteúdos político, social e religioso.
Mas os autores do estudo não consideram isso suficiente, cobrando dos países democráticos uma regulamentação da IA baseada em padrões de direitos humanos, transparência e responsabilização.
“Os especialistas da sociedade civil, impulsionadores de tantos progressos em matéria de direitos humanos na era digital, devem ter um papel de liderança no desenvolvimento de políticas e dos recursos que necessitam para supervisionar estes sistemas.
A IA tem um potencial significativo de danos, mas também pode desempenhar um papel protetor se a comunidade democrática aprender as lições certas da última década de regulamentação da Internet.”
Censura tradicional na internet continua
No entanto, a IA não substituiu completamente os métodos mais antigos de controle de informações, alerta a Freedom House.
“Foi registrado um número recorde de 41 governos bloqueando websites com conteúdos que deveriam ser protegidos pelas normas de liberdade de expressão no âmbito internacional dos direitos humanos.
Mesmo em ambientes mais democráticos, incluindo os Estados Unidos e a Europa, os governos consideraram ou realmente impuseram restrições ao acesso a websites e plataformas de redes sociais relevantes.”
O Brasil é um dos países em que isso ocorreu. O país perdeu um ponto devido ao bloqueio nacional do Telegram em abril de 2023, que restringiu o acesso à plataforma por três dias.
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Brasil e a liberdade na Internet
O Brasil está em 4º lugar na América Latina em liberdade na internet, situado na faixa que indica “liberdade parcial” junto com Equador, Colômbia, Nicarágua, e México.
Cuba e Venezuela foram classificados como sem liberdade, enquanto Argentina e Costa Rica estão no bloco de nações onde a internet é livre.
O Brasil obteve 64 pontos de um total de 100 possíveis, dos quais 20 para obstáculos ao acesso, 23 para limites de conteúdo e 21 para violações dos direitos dos usuários. Veja o que diz a análise:
- A liberdade na Internet no Brasil diminuiu ligeiramente em meio a uma eleição presidencial intensamente contestada e à violência política antidemocrática registrada na capital em 8 de janeiro de 2023.
- Grande parte da instabilidade foi alimentada por campanhas de desinformação online – conduzidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados – que minaram a confiança no sistema de votação do Brasil e o resultado das eleições de outubro de 2022.
- Durante o período eleitoral e nos meses seguintes, os tribunais brasileiros empreenderam esforços ativos para remover falsas alegações sobre as eleições online e para restringir as contas de indivíduos que divulgam informações falsas.
- Embora alguns considerem as medidas justificadas para preservar a democracia do país, permanecem preocupações sobre a legalidade, proporcionalidade e transparência destas ações.
- Tais esforços para restringir conteúdos eleitorais falsos ocorreram no âmbito de um debate mais amplo sobre a regulamentação de conteúdos no Brasil – e as responsabilidades mais amplas das empresas de tecnologia para impedir a propagação de conteúdos potencialmente prejudiciais nas suas plataformas.
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Riscos para jornalistas e blogueiros
Na avaliação sobre os riscos decorrentes da atividade online, o documento da Freedom House aponta “ameaças, intimidação e violência contra jornalistas e blogueiros online” como “uma grande restrição à liberdade de expressão e aos direitos humanos no Brasil”.
E salienta que jornalistas mulheres e membros da comunidade LGBTQ+ no Brasil enfrentam níveis ainda mais elevados de assédio e intimidação online, destacando dois estudos:
- Um projeto da RSF e do Laboratório de Estudos de Imagem e Cibercultura (Labic), centro de pesquisa em mídia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), concluiu que durante a semana de 10 a 16 de outubro, quando Lula e Bolsonaro debateram na televisão, as repórteres foram particularmente visadas nas redes sociais, muitas vezes com insultos de gênero e sexistas.
- Um relatório da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) descobriu que os ataques em 2022 aumentaram 23% em comparação com o ano anterior, com pelo menos 145 agressões baseadas em gênero registradas em 2022.
O relatório completo pode ser visto aqui.
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