Londres – Mais de 70 organizações de direitos humanos, tecnologia e liberdade de imprensa e de expressão enviaram uma carta conjunta ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, com pesadas críticas à decisão de realizar o Fórum Anual de Governança na Internet (IGF, na sigla em inglês) de 2024 na Arábia Saudita. 

O documento, liderado pela ONG de direitos humanos digitais Access Now, alega que os riscos de segurança física e digital “prejudicariam gravemente a participação da sociedade civil” e pede que seja escolhido outro país para o encontro. 

A carta conjunta destaca a falta de justiça para o jornalista saudita Jamal Khashoggi  cinco anos depois do seu assassinato no consulado do país em Istambul, o agravamento da repressão sob o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e o uso extensivo de spyware pela Arábia Saudita para vigiar jornalistas. 

Críticas à ONU após decisão ser anunciada em Kyoto 

Realizado anualmente pelas Nações Unidas, o encontro reúne especialistas globais para discutir e formular tendências e políticas internacionais relativas aos desenvolvimentos de governança da Internet de forma colaborativa entre governos, setor privado e organizações sem fins lucrativos.

O IGF deste ano foi realizado em Kyoto, no Japão, entre 8 e 12 de outubro. A escolha de Riad foi anunciada durante na cerimônia de encerramento e causou uma onda de críticas à ONU por não levar em conta problemas como vigilância de cidadãos e repressão violenta a jornalistas. 

Em seu último censo anual das prisões, o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ), uma das organizações que endossa o manifesto, documentou 11 jornalistas sauditas presos pelo seu trabalho em 1º de dezembro de 2022.

O país ocupa o 170º lugar entre 180 países  no Global Press Freedom Index da organização Repórteres Sem Fronteiras. O manifesto descreve o tratamento dado à imprensa e a ativistas no reino.

“O governo da Arábia Saudita tem uma longa história de silenciamento e perseguição de ativistas, defensores dos direitos humanos e das mulheres e jornalistas , e de violação dos direitos básicos dos seus cidadãos através da censura, vigilância, desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais, detenção e tortura.

Cinco anos após o assassinato brutal do proeminente jornalista saudita e defensor dos direitos humanos Jamal Khashoggi pelo governo saudita, continuam a ocorrer ataques sem precedentes à liberdade de expressão, tanto online como offline – e ainda não houve justiça para Jamal.

Ao escolher a Arábia Saudita para o IGF, as Nações Unidas zombam dos seus objetivos declarados de proteger a liberdade de imprensa e de combater a impunidade pelo assassinato de jornalistas […].

Esta decisão normaliza a violência e apoia tacitamente as tácticas chocantes e repressivas utilizadas para impedir as pessoas de desafiarem os poderosos.”

A repressão a usuários da internet na Arábia Saudita atinge também os cidadãos, com seguidos casos de pessoas presas e condenadas por se manifestarem nas redes sociais, sobretudo mulheres. 

Organizações brasileiras entre as signatárias do manifesto

As organizações que assinam o manifesto da Access Now, incluindo brasileiras como o Instituto Nupef e a Data Privacy Brasil, querem que a ONU escolha outra sede. 

Elas pedem “um processo robusto e completo de devida diligência em matéria de direitos humanos na revisão desta e de decisões futuras sobre os locais escolhidos para sediar o IGF”, pedindo à ONU que opte por nações onde a sociedade civil possa participar livre e seguramente. 

A ONU não se manifestou sobre a carta, que está sendo compartilhada em forma de petição online pela Access Now e pode ser assinada por entidades e pessoas físicas.