Florencia Pagola, jornalista uruguaia analisa a aprovação de projeto de lei de proteção de jornalistas no Chile
Florencia Pagola

O Chile está avançando na proteção de jornalistas e profissionais de comunicação: a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que regulamenta a proteção da profissão , que agora está tramitando no Senado.

Com essa medida, o país sul-americano se coloca na vanguarda da legislação para proteger jornalistas em nível regional e global. 

Nathalie Castillo, deputada que apresentou o projeto de lei, falou à LatAm Journalism Review (LJR) sobre esse avanço e sobre o que ele representa para a segurança dos jornalistas no país.

Chile: urgência de uma lei de proteção de jornalistas

Castillo é deputada pela região de Coquimbo, no norte do país, desde 2022. Ela também é jornalista e foi presidente do Colégio de Jornalistas do Chile em tempos de pandemia e protestos sociais.

Por isso, viu em primeira mão  as agressões contra a imprensa que cobria as manifestações nas ruas.

Em conversa com a LJR, a deputada citou números do Observatorio del Derecho a la Comunicación:

“Desde a revolta social de outubro de 2019, houve mais de 300 ataques contra a imprensa, a grande maioria por parte de agentes do Estado. Desses casos, apenas 60 foram judicializados”.

Devido a esse histórico, a deputada percebeu a urgência de uma lei de segurança para jornalistas e trabalhadores da comunicação no Chile.

Nesse caminho, ela uniu forças com Mauricio Weibel, o jornalista chileno especializado em corrupção civil e militar que promove a Lei Modelo para a Proteção de Jornalistas desde 2020.

Essa iniciativa inédita é apoiada pela Fundação Heinrich Boll e pela Unesco e se baseia na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e em outros sistemas internacionais de justiça.

É assim que se estabelece um padrão jurídico de direitos humanos para regular a segurança de jornalistas e trabalhadores da comunicação em todo o mundo, disse Weibel à LJRem uma entrevista em março de 2023.

O desafio é que cada país consiga implementar e adaptar os princípios da Lei Modelo – promovida por Weibel e Rivas – às características e à situação vivida por jornalistas e trabalhadores da comunicação em seu contexto.

Esse é um desafio pelo qual o Chile está passando com o avanço dessa legislação. Castillo explica com orgulho:

“É um momento muito importante, um passo histórico em termos de regulamentação e proteção do direito à informação e à comunicação.

Se o Chile avançar rapidamente nessa área, será o primeiro país a ter uma legislação que proteja esse exercício”.

Projeto de lei abrange toda área de comunicação

Um dos principais aspectos dessa legislação é que ela amplia o objeto de proteção e não se limita a jornalistas, mas abrange “trabalhadores do mundo das comunicações, uma definição bastante ampla que foi construída com contribuições do Executivo”, disse a deputada.

Além disso, o projeto de lei tem outra grande contribuição, que é a definição de agressões, que vão além de ataques físicos, contemplando agressões virtuais, assédio digital e espionagem, entre outras.

Outro aspecto que Castillo destaca sobre o projeto de lei recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados é que ele estabelece a obrigação do Estado de assumir um discurso público de proteção à imprensa.

“Isso implica, de certa forma, que o discurso das autoridades públicas deve ser sempre a favor do respeito à liberdade de imprensa”, diz. 

Esse é um ponto muito importante, dado o descrédito da imprensa pelos governos da região, como no caso do Brasil sob o comando do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Além disso, “os agentes do Estado, como a polícia, devem ter um certo grau de treinamento, educação e salvaguarda de seus protocolos para evitar ataques à imprensa, a jornalistas e a trabalhadores da comunicação”, continua Castillo.

Outro aspecto fundamental é a segurança de jornalistas no Chile e na região, onde há relatos de violência policial contra jornalistas em manifestações, como aconteceu recentemente no Peru e na Argentina.

Proteção das mulheres jornalistas

Com relação à proteção das mulheres jornalistas, contra as quais a violência é mais intensa pelo gênero, Castillo garante que “essa lei tem um artigo especial que define o que são ataques a mulheres jornalistas”.

“Isso é muito importante, pois devemos lembrar que, em geral, são as mulheres que fazem mais jornalismo investigativo sobre questões de gênero e direitos humanos, sendo portando mais sujeitas a agressões.

O artigo 19, em particular, oferece proteção a todas elas, incorporando dissidências sexuais, a fim de garantir que possam viver uma vida livre de violência no exercício de sua profissão”.

Além disso, Castillo acredita que outro aspecto importante do projeto de lei é que ele prevê a segurança das famílias dos jornalistas que são atacados ou ameaçados, porque elas geralmente sofrem as repercussões desses ataques ou são também o alvo deles. 

O próprio Weibel, que desde 2012 investiga a corrupção nos mais altos níveis do exército chileno, foi vítima, juntamente com sua família, de espionagem, perseguição e intimidação por parte do Estado.

Por se tratar de um “projeto de lei inovador que busca gerar um protocolo para a proteção de jornalistas e trabalhadores da comunicação”, Castillo diz ter sido questionada sobre o motivo pelo qual ele busca regulamentar a proteção desse setor, e não de toda a sociedade. Ela diz:

 “Achamos que isso é relevante devido ao aumento dos ataques à imprensa.

Parece-nos que todos esses tipos de ações limitam a liberdade de expressão e de imprensa e, portanto, o Estado, como garantidor dos direitos humanos, deve estabelecer formas de proteger esse direito”.


Sobre a autora

Florencia Pagola é uma jornalista independente do Uruguai. Ela pesquisa e escreve sobre direitos humanos e liberdade de expressão na América Latina.


Este artigo foi originalmente publicado na LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center for Journalism in the Americas (Universidade do Texas em Austin). Todos os direitos reservados ao autor.