Londres – O Brasil estĆ” entre os 10 paĆ­ses que menos punem assassinos de profissionais de imprensa, segundo relatĆ³rio divulgado neste  Dia Internacional pelo Fim da Impunidade de Crimes Contra Jornalistas, comemorado em 2 de novembro. 

O levantamento foi feito pela organizaĆ§Ć£o de liberdade de imprensa ComitĆŖ de ProteĆ§Ć£o a Jornalistas. O estudo afirma que 80% dos crimes praticados em 10 anos, desde que a data foi criada, ficaram sem soluĆ§Ć£o. 

Com 11 assassinatos impunes, o Brasil estĆ” em 10Āŗ lugar na lista liderada pela SĆ­ria, que leva em conta a populaĆ§Ć£o total dos paĆ­ses. Em quantidade de assassinatos, o Brasil aparece em 7Āŗ, empatado com a SomĆ”lia. 

Assassinos de jornalistas impunes no mundo

No total, o CPJ registrou 956 homicĆ­dios de jornalistas em conexĆ£o com seu trabalho desde que comeƧou a monitorĆ”-los, em 1992. Um total de 757 ā€” mais de 79% ā€” ficaram totalmente impunes.

Mas o Ć­ndice de impunidade divulgado nesta quinta-feira documenta os casos ocorridos entre 1Āŗ de setembro de 2013 ā€” o ano em que as NaƧƵes Unidas declararam 2 de novembro como o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas ā€” e 31 de agosto de 2023.

Nesse perĆ­odo foram registrados 261 crimes. NinguĆ©m foi responsabilizado em 204 delesā€” mais de 78% dos casos. 

O Ć­ndice de impunidade do CPJ inclui paĆ­ses com pelo menos cinco assassinatos nĆ£o resolvidos nesses 10 anos.

Somente os casos que envolvem impunidade total estĆ£o listados; aqueles em que alguns foram condenados, mas outros suspeitos permanecem livres ā€” impunidade parcial ā€” nĆ£o foram considerados.

A classificaĆ§Ć£o de cada paĆ­s Ć© calculada em relaĆ§Ć£o ao tamanho de sua populaĆ§Ć£o, o que significa que paĆ­ses mais populosos, como MĆ©xico, ƍndia e o Brasil aparecem mais abaixo na lista, apesar de registrarem um nĆŗmero maior de homicĆ­dios de jornalistas. 

PaĆ­ses com mais assassinos de jornalistas impunes

O CPJ destacou o caso do Haiti, que entrou para a lista dos locais onde mais assassinos de jornalistas ficam impunes este ano, como resultado de “uma combinaĆ§Ć£o devastadora de violĆŖncia de gangues, pobreza crĆ“nica, instabilidade polĆ­tica e um sistema judiciĆ”rio disfuncional”. 

As razƵes para o fracasso desses paĆ­ses em processar os assassinos de jornalistas variam de conflitos a corrupĆ§Ć£o, de resistĆŖncia Ć  aplicaĆ§Ć£o inadequada da lei, e da falta de interesse polĆ­tico em punir aqueles dispostos a matar jornalistas independentes, diz o levantamento.

HĆ” na lista democracias e autocracias, naƧƵes em turbulĆŖncia e aquelas com governos estĆ”veis.

Alguns estĆ£o saindo de anos de guerra, mas a desaceleraĆ§Ć£o das hostilidades ainda nĆ£o acabou com a perseguiĆ§Ć£o aos jornalistas.

E, Ć  medida que a impunidade se consolida, ela sinaliza uma indiferenƧa que provavelmente encorajarĆ” futuros homicĆ­dios e reduzirĆ” reportagens independentes, pois jornalistas com medo fogem de seus paĆ­ses, diminuem o ritmo de suas reportagens ou abandonam a profissĆ£o.”

O que diz o relatĆ³rio sobre o Brasil 

O CPJ salientou que nĆ£o houve crimes contra jornalistas este ano no Brasil, mas aponta os riscos para a imprensa, usando como exemplo o caso do britĆ¢nico Dom Philips. 

  • O Brasil estĆ” trabalhando para restabelecer boas relaƧƵes com a mĆ­dia apĆ³s a derrota do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro para Luiz InĆ”cio Lula da Silva em 2022, com o governo introduzindo medidas como um ObservatĆ³rio de ViolĆŖncia contra Jornalistas no inĆ­cio deste ano.
  • O Brasil nĆ£o registrou nenhum novo assassinato de jornalistas em 2023, mas os assassinos ā€” que se acredita serem, em sua maioria, grupos criminosos ā€” de 11 jornalistas mortos no paĆ­s durante o perĆ­odo do Ć­ndice continuam foragidos.
  • Os assassinatos em 2022 do jornalista britĆ¢nico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira na AmazĆ“nia ressaltam os perigos enfrentados pelos repĆ³rteres ambientais na regiĆ£o.

JustiƧa plena apenas para 47 jornalistas assassinados 

Desde 1992, a justiƧa plena sĆ³ foi alcanƧada para 47 jornalistas assassinados ā€” menos de 5%.

O CPJ defende que pressĆ£o internacional, jurisdiĆ§Ć£o universal e mudanƧas nos governos locais podem ter um papel importante para garantir a responsabilizaĆ§Ć£o dos culpados.

Um caso destacado pela organizaĆ§Ć£o foi o do jornalista peruano Hugo BustĆ­os Saavedra. Ele foi morto em uma emboscada do exĆ©rcito em 24 de novembro de 1988, enquanto cobria o conflito entre as forƧas do governo e os guerrilheiros do Sendero Luminoso.

Passaram-se mais de 35 anos atĆ© que um Tribunal Penal peruano condenasse Daniel Urresti Elera, entĆ£o chefe de inteligĆŖncia do exĆ©rcito na zona onde BustĆ­os foi morto, a 12 anos de prisĆ£o por sua participaĆ§Ć£o no homicĆ­dio.

Segundo o CPJ. a condenaĆ§Ć£o de Urresti resultou de uma combinaĆ§Ć£o de mudanƧas na polĆ­tica interna da lideranƧa peruana, a reabertura de investigaƧƵes sobre casos de direitos humanos depois que a Suprema Corte do Peru derrubou, em 2002, a lei de anistia de 1995 que protegia os oficiais militares e a defesa contĆ­nua por grupos de direitos ā€” incluindo o CPJ ā€” na ComissĆ£o Interamericana de Direitos Humanos.

Os efeitos nocivos da falta de responsabilizaĆ§Ć£o dos autores se estendem para alĆ©m dos paĆ­ses que se tornaram constantes no Ć­ndice anual do CPJ, aponta a organizaĆ§Ć£o. 

A impunidade de assassinos tem um efeito intimidador sobre jornalistas em todos os lugares, corroendo a liberdade de imprensa e restringindo as reportagens de interesse pĆŗblico.

Nem a Europa, outrora segura para a imprensa, conseguiu romper o ciclo da impunidade de assassinos de jornalistas, com casos em Malta, EslovĆ”quia, GrĆ©cia e Holanda. 

“O caso BustĆ­os pode ter oferecido um vislumbre de esperanƧa, mas tambĆ©m sublinha que o caminho para a justiƧa pode ser longo e tortuoso e, para a grande maioria dos jornalistas assassinados, ele nunca chega”, aponta o ComitĆŖ de ProteĆ§Ć£o a Jornalistas.