O dia 22 de novembro de 2023 marca os 60 anos do assassinato do presidente dos EUA, John F. Kennedy, baleado e morto quando desfilava em um carro no centro da cidade de Dallas, no Texas.

O acontecimento chocou o mundo. E tambรฉm despertou as mentes de cineastas, autores, artistas e teรณricos da conspiraรงรฃo.

Para comemorar o aniversรกrio de um dos assassinatos mais famosos da histรณria, o portal acadรชmico The Conversation pediu a sete especialistas que recomendassem um filme, uma obra de arte, um livro ou um local que pudesse ajudar a compreender o assassinato โ€“ e as suas inรบmeras consequรชncias.

1. A morte de Kennedy no cinema: JFK, de Oliver Stone (1991)

por Mark White, professor de histรณria dos EUA do sรฉculo 20, Queen Mary University of London

Os historiadores do assassinato de John Kennedy dividem-se em duas correntes. Hรก quem aceite a versรฃo oficial fornecida pela Comissรฃo Warren โ€“ que um atirador solitรกrio, Lee Harvey Oswald, foi responsรกvel pela morte de Kennedy e acabou assassinado pelo dono de uma discoteca de Dallas, Jack Ruby, antes de ser julgado.

E hรก quem apoie uma das vรกrias teorias da conspiraรงรฃo. A mais famosa delas surgiu no final de 1991, quando o filme JFK , do diretor independente Oliver Stone, foi lanรงado.

O fato de ter sido tรฃo amplamente discutido foi devido ao poder do cinema, ร  reputaรงรฃo de bravura de Stone (tendo ganho um Oscar pelos seu recente filme sobre a Guerra do Vietnรฃ) e ร  recepรงรฃo positiva para o filme de JFK โ€“ que recebeu oito nomeaรงรตes ao Oscar.

JFK contou a histรณria verรญdica do promotor distrital de Nova Orleans, Jim Garrison (Kevin Costner), que abriu um processo contra o empresรกrio Clay Shaw por conspiraรงรฃo no assassinato de Kennedy.

Mas Stone tambรฉm usou o filme para desenvolver a ideia de que a morte de Kennedy representava um golpe. No roteiro, generais e a CIA tramam o assassinato de Kennedy enquanto estavam enfurecidos com as polรญticas de JFK na Guerra Fria, particularmente com o que Stone retratou como seu plano de retirada da Guerra do Vietnรฃ.

Mais significativamente, o debate sobre o filme influenciou os polรญticos no Capitรณlio a aprovar a Lei de Coleta de Registros de Assassinato, acelerando a divulgaรงรฃo de muitos documentos atรฉ entรฃo confidenciais sobre a morte de JFK.

2. Coleรงรฃo de registros oficiais da morte de John F. Kennedy

por Kaeten Mistry , professor associado de histรณria americana, Universidade de East Anglia

Trรชs dรฉcadas apรณs o assassinato de Kennedy, o Congresso dos EUA aprovou uma lei determinando a divulgaรงรฃo de todos os materiais relacionados ao acontecimento.  

A coleรงรฃo compreende mais de 5 milhรตes de pรกginas de arquivos do estado, fotos, gravaรงรตes e relรญquias. A decisao teve menos a ver com transparรชncia do que com contrabalanรงar o impacto do filme conspiratรณrio de Oliver Stone de 1991, JFK .

O ceticismo pรบblico sobre o que realmente aconteceu em Dallas era elevado, apesar do inquรฉrito oficial da Comissรฃo Warren ter publicado o seu relatรณrio de 888 pรกginas e 26 volumes de provas em 1964.

Para conter as teorias da conspiraรงรฃo, a Lei de Registros JFK tornou obrigatรณrio para o governo dos EUA divulgar todos os seus registros (exceto itens vitais para a seguranรงa nacional).

Qualquer pessoa com conexรฃo ร  internet pode navegar pelo acervo , sendo 99% agora pรบblico. Hรก menos de um mรชs, alguns dos arquivos finais foram divulgados pelo presidente dos EUA, Joe Biden .

ร‰ a revelaรงรฃo mais sistemรกtica de registros estatais na histรณria moderna. No entanto, a noรงรฃo de que mais informaรงรฃo governamental permite uma melhor compreensรฃo pรบblica confronta o fato de mais de 60% dos americanos continuarem a acreditar que Lee Harvey Oswald nรฃo agiu sozinho.

3. Flash-22, a visรฃo de Andy Warhol sobre a morte de Kennnedy (1968)

por Peter J. Ling, professor emรฉrito de estudos americanos, Universidade de Nottingham

Flash-22 de novembro de 1963 รฉ um conjunto de obras do artista pop Andy Warhol. Ele serรก exibido no Museu Telfair em Savannah, Geรณrgia, para marcar o 60ยบ aniversรกrio do assassinato de Kennedy.

Obra de Andy Warhol sobre a morte de Kennedy

Warhol criou as peรงas como parte de seu persistente questionamento sobre o papel cultural da imagem e da mรญdia.

Ele disse na รฉpoca que JFK era โ€œbonito, jovem, inteligente, mas nรฃo incomodou muito o fato de ele estar morto”.

โ€œO que me incomodou foi a maneira como a televisรฃo e o rรกdio programavam todo mundo para se sentir tรฃo triste. Parecia que nรฃo importava o quanto vocรช tentasse, vocรช nรฃo conseguia fugir daquela coisa.โ€

“Vale a pena perguntar se a programaรงรฃo continua, ou mesmo se intensificou, hoje”, questiona o professor. 

4. Love Field (1992)

por Oliver Gruner , professor sรชnior de cultura visual, Universidade de Portsmouth

Love Field renuncia ร s teorias da conspiraรงรฃo, ร  intriga governamental e ao histrionismo machista de filmes como JFK (1991) e Ruby (1992).

Ambientado nos dias que cercaram a morte de Kennedy, ele se concentra nas vidas entrelaรงadas de uma mulher branca, Lurene. Hallett (Michelle Pfeiffer) e o homem negro Paul Cater (Dennis Haysbert ), tendo como pano de fundo as convulsรตes da รฉpoca.

Love Field retrata o dia do assassinato de JFK como um trauma nacional e como instigador da busca de autodescoberta de sua protagonista central.

Lurene, uma cabeleireira de Dallas obcecada por Jackie Kennedy, embarca em um รดnibus para comparecer ao funeral de JFK, mas sua โ€œjornadaโ€ envolve escapar de um casamento opressivo e repensar todos os seus planos de vida.

Um encontro casual e o subsequente relacionamento com Paul que, junto com sua filha, estรก fugindo das autoridades, apresenta a Lurene o racismo do qual ela estรก protegida hรก muito tempo.

Ao retratar uma sociedade desigual dividida por classe, raรงa e gรชnero, Love Field de alguma forma desvenda a imagem brilhante e nostรกlgica da administraรงรฃo de JFK, frequentemente promovida por polรญticos da dรฉcada de 1990.

Embora sua anรกlise social ร s vezes caia no clichรช, os fortes desempenhos de Pfeiffer e Haysbert tornam Love Field uma exploraรงรฃo emocionalmente carregada e instigante da vida pessoal e da polรญtica em 1963.

5. Memorial Runnymede em homenagem a Kennedy, Windsor, Inglaterra

por Robert Cook, professor emรฉrito de histรณria americana, Universidade de Sussex

O memorial britรขnico a Kennedy, projetado como local de reflexรฃo pelo arquiteto Geoffrey Jellicoe , fica ร s margens do Tรขmisa, em Runnymede.

O local รฉ um caminho arborizado que leva atรฉ uma grande laje de pedra de Portland na qual estรฃo inscritas palavras do discurso de posse de Kennedy.

Falando na cerimรดnia de inauguraรงรฃo em 1965, a Rainha Isabel II descreveu JFK como um homem โ€œque na morte o meu povo ainda chora e que em vida eles amaram e admiraramโ€.

Na verdade, a Grรฃ-Bretanha lanรงou um apelo para angariar 1 milhรฃo de libras para construir o monumento como um sรญmbolo da โ€œrelaรงรฃo especialโ€ com os EUA.

Mas a ambivalรชncia popular em relaรงรฃo ร  superpotรชncia americana e ao rico clรฃ Kennedy induziu o governo trabalhista do ex-premiรช Harold Wilson a contribuir com metade deste montante para evitar constrangimentos.

O memorial pode, portanto, ser interpretado como uma prova das opiniรตes divididas do pรบblico sobre a superpotรชncia americana, e nรฃo da sua alardeada afeiรงรฃo por JFK.

6. 22/11/63, de Stephen King (2011)

por Emma Long, professora associada de histรณria e polรญtica americana, Universidade de East Anglia

E se John F. Kennedy nรฃo tivesse morrido em 22 de novembro de 1963? Os EUA, o mundo, seriam diferentes, melhores?

Essa รฉ a pergunta que move o romance  22/11/63, de de Stephen King. Seu protagonista, o professor do ensino mรฉdio do Maine, Jake Epping, tem a chance de retornar ร  Amรฉrica de meados do sรฉculo 20 para evitar que Kennedy seja morto.

Capa do livro de Stephen King sobre a morte de Kennedy

A busca de Jake representa a derradeira fantasia liberal: se JFK tivesse sobrevivido, os EUA poderiam nunca ter experimentado os horrores da guerra do Vietnรฃ, os danos de Nixon e Watergate e a mirรญade de problemas que deles resultaram.

King รฉ um escritor inteligente demais para permitir que esse seja o รบnico tema do livro. Ele explora a luz e as trevas dos EUA no final dos anos 1950 e inรญcio dos anos 1960, lembrando-nos que a Amรฉrica sรณ era grande naquele perรญodo para alguns dos seus cidadรฃos.

Enquanto Jake tenta descobrir como salvar JFK, o leitor tambรฉm รฉ apresentado a vรกrios elementos das teorias da conspiraรงรฃo que giraram em torno da morte de Kennedy.

Jake consegue? Sem spoilers aqui, embora os leitores antigos de King saibam que โ€œtenha cuidado com o que vocรช desejaโ€ tem sido um tema regular do trabalho do autor.

No mรญnimo, King acaba com a fantasia liberal sobre a morte de JFK e lembra-nos que os acontecimentos sรฃo o resultado de mais do que as aรงรตes de uma รบnica pessoa.

7. 22 de novembro de 1963 (2013) e The Umbrella Man (2011)

por Adam Koper , pesquisador de pรณs-doutorado, Universidade de Cardiff

Os dois curtas-metragens de Errol Morris, ’22 de novembro de 1963′ e ‘The Umbrella Man’, sรฃo uma รณtima introduรงรฃo a algumas das principais questรตes que cercam a morte de John F. Kennedy.

Morris conversa com Josiah Thompson, um filรณsofo que se tornou investigador particular, sobre os problemas enfrentados por qualquer pessoa que tente pesquisar o assassinato de Kennedy.

Por exemplo, e se um evento for demasiado bizarro para caber numa narrativa coerente? Apesar de ter passado anos investigando o assassinato e examinando os muitos filmes e fotografias tiradas naquele dia, Thompson diz que รฉ difรญcil encontrar qualquer significado por trรกs do evento.

Como ele diz: โ€œnรฃo podรญamos colocar um ‘porquรช?’ resposta sobre isso – parecia estar alรฉm dissoโ€.

Thompson tambรฉm descreve o papel dos meios de comunicaรงรฃo de massa no rescaldo, com amadores fotografando e filmando o tiroteio, jornalistas profissionais compartilhando essas imagens ao redor do mundo e cidadรฃos comuns interpretando eles prรณprios o significado das fotografias.

Isto parece antecipar alguns dos desafios que enfrentamos hoje, com a polarizaรงรฃo polรญtica, as redes sociais e a conversa sobre โ€œfatos alternativosโ€ tornando difรญcil para todos nรณs concordarmos sobre quem pode ser confiรกvel para distinguir a verdade da falsidade.

por Adam Koper , pesquisador de pรณs-doutorado, Universidade de Cardiff.


Sobre os autores

Mark White, Professor de Histรณria da Queen Mary University of London; Adam Koper, Bolsista de Pรณs-Doutorado da Sociedade Civil WISERD da Universidade de Cardiff; Emma Longo, Professora Associada de Histรณria e Polรญtica Americana da Universidade de East Anglia; Kaeten Mistry, Professor Associado de Histรณria Americana da Universidade de East Anglia;

Oliver Gruner, professor sรชnior de cultura visual da Universidade de Portsmouth; Pedro Ling, Professor de Estudos Americanos da Universidade de Nottingham e Robert Cook, Professor de Histรณria Americana da Universidade de Sussex.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadรชmico The Conversation e รฉ republicado aqui sob licenรงa Creative Commons.