Londres – O artista pop Andy Warhol morreu há 35 anos, mas sua arte segue mais viva e popular do que nunca: nesta segunda-feira (9) um retrato da atriz Marilyn Monroe feito por ele em 1964 estabeleceu o recorde de pintura mais cara do século 20 já vendida em leilão, alcançando US$ 195 milhões (mais de R$ 1 bilhão). 

“Shot Sage Blue Marilyn” compõe a série que o artista fez após a morte de Monroe, em 1962, e que virou símbolo da arte pop. O leilão reafirma a popularidade do artista, que teve a vida retratada em recentes obras para a TV, streaming e teatro.

Em uma análise sobre Wahrol, os professores Harriet Fletcher e Declan Lloyd, da Universidade de Lancaster (Reino Unido) explicam porque o artista continua contemporâneo: com trabalhos produzidos entre as décadas de 60 e 80, ele passou por guerras, pandemia e foi referência LGBT+ alguns dos motivos que o conectam às novas gerações.

O trabalho leiloado pela Christie’s em Nova York pertencia à fundação de apoio a crianças criada por dois irmãos suíços Thomas e Doris Ammann, já falecidos. Alex Rotter, da casa de leilões, disse que a pintura “transcende o gênero do retrato” e é o “ápice absoluto do pop americano”.

A venda quebrou o recorde anterior de uma obra de arte americana em leilão, de US$ 110,5 milhões, estabelecido em 2017 para uma pintura de 1982 de Jean-Michel Basquiat.

Warhol utilizou uma foto promocional de Marilyn Monroe para o filme Niagara, de 1953, empregando  uma técnica diferente da produção em massa que o tornou mais conhecido. Cada quadro da série foi pintado em uma cor vermelho, laranja, azul, azul sage (o que foi leiloado) e turquesa.

Seu título refere-se a um incidente em que um artista performático atirou em uma pilha de quatro retratos de Marilyn no estúdio de Warhol com uma pistola, embora Shot Sage Blue Marilyn não tenha sido realmente atingido por uma bala.

Este vídeo da galeria Tate Modern, em Londres, faz um resumo da vida e da obra do símbolo da cultura pop.

Por que Andy Warhol continua pop

Em artigo publicado na plataforma de divulgação científica The Conversation, os professores britânicos explicam em cinco motivos por que Andy Warhol ainda faz sucesso e segue referência para gerações mais jovens.  

1. Guerra, mortes e desastres

Assim como a invasão à Ucrânia colocou a Rússia nos noticiários mundiais diariamente, a década de 1960 também foi marcada pelas tensões geradas entre o país e os Estados Unidos, período conhecido como Guerra Fria.

A série “Death and Disaster “(Morte e Desastre) de Warhol usou a mesma técnica de serigrafia que suas icônicas obras de arte kitsch de lata de sopa, só que desta vez usando imagens de jornais como material de origem — reportagens de acidentes de avião, envenenamentos, distúrbios raciais e suicídios foram usadas para a criação de obras.

Fletcher e Lloyd explicam:

“O processo repetitivo de serigrafia teve o efeito sinistro de uma espécie de transtorno de estresse pós-traumático estetizado, evocando um desejo de apatia em tempos de tragédia inescapável. ‘Ser uma máquina”’ (um dos mantras mais citados de Warhol), não sentir nada, era o escapismo supremo.”

2. ‘Pandemia’ de HIV

Quase meio século antes da covid-19 mudar a rotina do planeta, outra doença aterrorizou a sociedade: o HIV. O vírus da Aids atingiu em larga escala Nova York, fazendo da cidade o epicentro da crise.

Na década de 1980, Andy Warhol perdeu muitos amigos para a doença e, em seus diários, compartilhou um terror cotidiano.

No artigo, os professores explicam que, de maneira irônica, ele se referiu à Aids como “o grande C” depois que a mídia erroneamente chamou a doença de o “câncer gay”.

“Em suas obras finais vemos um retorno ao seu estilo anterior, mas com temas religiosos perceptíveis, reelaborando “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci.

Algumas obras dessa última série até incorporaram manchetes da crise da Aids, como se fosse algum ato final de restituição religiosa, ou talvez súplica irônica.”

Leia também

Mulheres, lobisomem e caçador russo maníaco: veja cinco novidades da Marvel para as telas

3. Ícone LGBTQ+

Hoje visto como ícone LGBTQ+, Warhol, abertamente gay, enfrentou dificuldades nos primeiros dias de sua carreira, sendo considerado um outsider na comunidade artística de Nova York.

A famosa The Factory (A Fábrica) foi o estúdio de arte inaugurado pelo pintor que o permitiu abraçar sua sexualidade ao receber um grupo heterogêneo de colaboradores LGBTQ+ — muitos dos quais são imortalizados na música “Walk on the Wild Side”, de Lou Reed.

Fletcher e Lloyd apontam que a série de retratos “Ladies and Gentleman” celebra a beleza e a diversidade da cena gay de Nova York, trazendo drag queens e mulheres trans negras, como a ativista de Stonewall Marsha P. Johnson.

Tate Andy Warhol cultura pop
Reprodução Tate Modern/ perfil do artista

“A visão inclusiva de Warhol fala a uma nova geração de jovens LGBTQ+ inspirados em ícones queer proeminentes, de Olly Alexander a RuPaul”, explicam.

RuPaul - Warhol | Rupaul, Pop art, Andy warhol
Ilustração da drag queen RuPaul que referencia Andy Warhol

4. 15 minutos de fama

Andy Warhol esteve imerso no mundo das celebridades, desde a fundação da revista Interview Magazine até o lançamento de seu programa na MTV, “Andy Warhol’s 15 Minutes”, relembram os autores do artigo.

“Ele alcançou a fama no início dos anos 1970 ao conviver com estrelas no Studio 54, muitas das quais se tornaram temas de seus retratos, incluindo Mick Jagger e Liza Minnelli.”

Por entender que visibilidade era a chave para a fama, em 1968 o artista fez um comentário certeiro e duradouro que é a base de nossa sociedade do espetáculo atual: “No futuro, todos terão seus quinze minutos de fama”.

“[Warhol] antecipou nomes como Kim Kardashian, uma estrela de reality show que se tornou superstar global, bem como a fama instantânea de pessoas comuns possibilitada por momentos virais no TikTok, Instagram e YouTube”, dizem Fletcher e Lloyd.

5. Homem por trás da arte

No artigo, os professores destacam que a última onda de conteúdo produzido por Andy Warhol infunde o artista com uma vulnerabilidade recém-descoberta que nos faz questionar e reavaliar quem ele realmente era.

“‘Diários de Andy Warhol’ nos apresenta uma figura humana profundamente imperfeita, mas assustadoramente e muito distante da máquina de impressão robótica que ele tão desesperadamente procurou ser.

“Parece que, na contemporaneidade, o homem ou a mulher por trás da arte é tão importante – se não mais – do que a própria arte.”

Para os especialistas, todas as representações recentes da vida e obra dele revelam a mitologia em constante mudança de Andy Warhol, que continua sendo moldado pelo que queremos que ele seja.

Série da Netflix retrata vida e arte de Andy Warhol 

O leilão do quadro de Marylin deve aumentar ainda mais a popularidade do pintor, que teve a vida retratada em recentes obras para a TV, streaming e teatro.

“Diários de Andy Warhol”, série documental da Netflix lançada em março, retrata em seis episódios a vida e obra do pintor americano.

A série, assim como o leilão da Christie’s, é apontada pelos professores Harriet Fletcher e Declan Lloyd como uma das recentes produções culturais que dão mais visibilidade à carreira do artista, conhecido pela art pop e que se tornou um verdadeiro símbolo cultural.

A BBC também produziu sua série documental sobre a vida de pintor, “Andy Warhol’s America”. 

Leia também

O Oscar é homem, branco e americano: veja o raio-x da diversidade nos 93 anos da estatueta