Londres – Hรก trรชs anos, a pandemia parecia fatal para uma imprensa jรก abalada pelo impacto das plataformas digitais atรฉ mesmo nos EUA, mercado poderoso para a indรบstria de imprensa, e os ataques de Donald Trump assustavam o setor.
Mas a realidade mostrou que muitas organizaรงรตes de mรญdia souberam aproveitar aquele momento para ganhar audiรชncia, atraindo uma populaรงรฃo รกvida por informaรงรฃo confiรกvel e por notรญcias sobre os acontecimentos em torno do ex-presidente. O problema รฉ que a bolha vem estourando.
Algumas notรญcias recentes ilustram esse refluxo. O Jezebel, site de notรญcias feminista dos EUA, anunciou na semana passada o encerramento de suas atividades.
O Washington Post nomeou um novo CEO, William Lewis, para tentar reverter uma trajetรณria de perdas que resultou no corte de 240 postos de trabalho por meio de um plano de demissรฃo voluntรกria.
E a Associated Press estรก pedindo doaรงรตes aos leitores, em valores a partir de US$ 100, “para continuar sua missรฃo de fortalecer o jornalismo baseado em fatos”.
A agรชncia de notรญcias fundada em 1846 รฉ uma cooperativa, e nรฃo tem a quem recorrer se enfrenta dificuldades. Jรก os outros dois tรชm pai rico e por isso poderiam atรฉ navegar melhor nesse ambiente de crise. Mas os cofres podem nรฃo estar tรฃo abertos assim.
Jezebel, referรชncia na imprensa feminista dos EUA
O Jezebel pertence ao G/O Media, dono de Gizmodo, The Onion e Quartz. Reconhecido pela excelรชncia de seu jornalismo focado em questรตes femininas, sua redaรงรฃo era pequena: apenas sete profissionais. Mas aproveitando o embalo, o grupo demitiu mais 16, de outras publicaรงรตes.
O G/O disse que tentou achar um comprador para o Jezebel, mas como nรฃo encontrou, a soluรงรฃo foi โsuspenderโ as operaรงรตes.
A quem interessar possa: em entrevista ao NiemanLab, o chefe de comunicaรงรฃo do grupo, Mark Neschis, disse que ainda tinha esperanรงa de encontrar um comprador, um parceiro ou suporte de anunciante para recuperรก-lo.
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Salvador do Washington Post ‘importado’ para os EUA
Nem adianta bater na porta de Jeff Bezos, dono do Washington Post, pois lรก as coisas tambรฉm nรฃo andam bem, pelo menos quanto aos investimentos em negรณcios de imprensa.
O Washington Post foi buscar no Reino Unido o escolhido para assumir o comando na turbulรชncia financeira. Lewis, que ostenta o tรญtulo de ‘Sir’, tem um currรญculo diversificado e amigos influentes, como o ex-premiรช Boris Johnson, de quem ganhou a honraria.
Comeรงou em redaรงรตes, primeiro no conservador Daily Telegraph e depois na News Corp., de Rupert Murdoch, onde estava durante o escรขndalo das escutas telefรดnicas que colocaram fim ao tabloide News of The World.
Os dois tornaram-se prรณximos, e o magnata da mรญdia o nomeou para CEO da Dow Jones, onde nรฃo decepcionou.
Em sua gestรฃo, entre 2014 e 2020, o Wall Street Journal pulou de 700 mil para mais de 2 milhรตes de assinantes digitais. Agora, jรก sรฃo 3,5 milhรตes.
Desde que deixou o grupo de Murdoch, Lewis criou um empreendimento de notรญcias para jovens chamado The News Movement, e estava entre os potenciais compradores do Telegraph Media Group.
A holding dona do Daily Telegraph e do Spectator vai bem financeiramente, mas foi confiscada pelo Lloyds Banking Group por causa de uma dรญvida bilionรกria de sua dona, a famรญlia Barclay. O banco nรฃo quer ficar com o negรณcio e abriu uma concorrรชncia.
O eleito por Jeff Bezos desistiu da ideia de se tornar dono do Telegraph e assume em janeiro a missรฃo de recuperar o jornal americano, que tem agora 2,5 milhรตes de assinantes digitais โ uma queda de mais de 15% desde 2021. O Post deve perder US$ 100 milhรตes este ano.
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Os ventos desfavorรกveis para a imprensa americana
Embora poucos, como o New York Times, tenham conseguido manter as conquistas da รฉpoca da pandemia โ o jornal bateu 9,2 milhรตes de assinantes digitais em julho โ, o padrรฃo da indรบstria nรฃo tem sido esse.
O Vice Media Group, vendido a credores em agosto por uma fraรงรฃo do que jรก tinha chegado a valer, anunciou na semana passada mais uma leva de dispensas em seus programas.
O Los Angeles Times culpou em junho “os ventos econรดmicos contrรกrios” pela decisรฃo de dispensar 10% de sua equipe, eliminando 74 postos.
Na busca de fรณrmulas para sair da crise, a ideia do grupo britรขnico Reach, dono do Daily Mirror, estรก em linha com o que muitos especialistas apontam como a tรกbua de salvaรงรฃo: conquistar a audiรชncia jovem.
O problema รฉ a forma de fazer isso. Nesta semana, o grupo anunciou corte de 10% de seus profissionais.
Falando sobre as dispensas, o CEO, Jim Mullen, disse em uma entrevista que planejava substituir jornalistas por influenciadores “treinados para escrever as coisas da forma certa, editarem textos e nรฃo criarem problemas”.
A declaraรงรฃo gerou revolta no setor. O grupo disse que nรฃo era bem assim, tentando dissociar as demissรตes do projeto com influenciadores.
O plano do Reach pode nรฃo ser o melhor do ponto de vista de responsabilidade.
Mas รฉ fato que se a imprensa nรฃo buscar os jovens, sem ignorar o ciclo natural da vida que faz com que os mais velhos deixem de consumir seus produtos, o futuro do jornalismo pode acabar exclusivamente nas mรฃos de quem entender como fazer isso – nem sempre da melhor forma.
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