A escolha do Brasil como “vencedor” do antiprêmio Fóssil do Dia, concedido pela Climate Action Network International (CAN) durante a COP28 na segunda-feira (4), repercutiu negativamente entre organizações não governamentais (ONGs) com foco em meio ambiente e clima.

A CAN destacou que o motivo da “honraria” diz respeito à adesão do país à Opep+, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, logo no primeiro dia da COP28, a conferência do clima da ONU que está sendo realizada em Dubai.

Segundo a organização, o país “parece ter confundido a produção de petróleo com liderança climática. A corrida do Brasil ao petróleo mina os esforços dos negociadores brasileiros em Dubai que estão tentando romper velhos impasses e agir com senso de urgência”.

Fóssil do Dia é do Brasil: confira repercussão

Os questionamentos das principais entidades de observação climática e de defesa do meio ambiente fizeram coro ao texto divulgado pela CAN, que destacou o timing do ministro de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira, que “achou estranhamente apropriado anunciar a adesão à Opep+ no primeiro dia da conferência”.

Para o Observatório do Clima, rede de entidades que atuam em prol da defesa ambiental, Silveira deve ser culpabilizado pela desonraria.

Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

“Se o ministro queria estragar a boa imagem do Brasil na COP ele fez isso de uma forma muito competente. Tanto é que hoje está aqui a realização na prática da performance desastrosa do ministro em anunciar que o Brasil ia entrar pra Opep. O Brasil ganha o fóssil do dia graças ao ministro de Minas e Energia”.

A WWF-Brasil foi além. A organização destaca que a entrada na OPEP+ “vai na contramão da urgente e necessária transição energética”, contradizendo a “rota para conservar florestas” apresentada pelo governo.

Alexandre Prado, líder de Mudanças Climáticas do WWF-Brasil.

“Embora o Brasil almeje o protagonismo climático, sua postura contraditória ao entrar na OPEP+ reduziu os trunfos angariados com a redução do desmatamento e os planos e políticas climáticas anunciados. A premiação deixa claro que a imagem do Brasil não está tão boa como esperado e é um sinal de alerta para todo o mundo sobre o real comprometimento do país que sediará a COP 30, quando todos os países deverão apresentar novos compromissos de corte nas emissões.

O mundo todo olhava para o Brasil com esperança de ter um novo líder climático e a turnê petroleira que o governo fez a caminho de Dubai foi um duro golpe nessa esperança”.

Enquanto o Observatório do Clima separou o ato do ministro Silveira da atuação do governo nas pautas ambientais, a WWF-Brasil questionou o nível da profundidade do comprometimento brasileiro em relação ao clima e ao meio ambiente.

O Instituto Talanoa, que milita em torno de políticas climáticas, também questiona a ambiguidade brasileira, cuja participação na COP28 vinha acompanhada por muitas expectativas.

Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa

“O Brasil veio a COP28 para recuperar sua credibilidade e se posicionar como liderança climática global. Nossos negociadores estão defendendo com unhas e dentes o objetivo de limitar a temperatura em 1.5 grau. Mas queimaram nosso filme com o combo de leilões de mais de 600 blocos de petróleo, a entrada na Opep+ e potencial anulação dos resultados de mitigação de florestas pela exploração fóssil.”

O Greenpeace Brasil, por sua vez, considerou o cenário como “inaceitável”, e lembrou da tradição do insucesso nacional na mesma premiação, anteriormente recebida durante o final do governo Bolsonaro, em 2021.  

Leandro Ramos, Diretor de Programas do Greenpeace Brasil, sobre o prêmio Fóssil do Dia dado ao Brasil nesta segunda-feira (4):

“Não é surpresa que o Brasil tenha levado o título de Fóssil do Dia, um ‘prêmio’ dado ao país que foi destaque negativo em cada dia da Conferência do Clima. A última vez que o Brasil recebeu a honraria foi na COP26, em Glasgow, pelo ‘tratamento horrível do governo brasileiro dado aos indígenas’. Dessa vez, a justificativa foi o anúncio do governo brasileiro de que deve se unir à OPEP+.

O Greenpeace Brasil considera inaceitável que o mesmo país que diz defender a meta de limitar o aquecimento global em 1.5 graus, agora queira se alinhar ao grupo dos maiores produtores de petróleo do mundo.

A ‘premiação’ de hoje é um lembrete para o governo brasileiro de que este movimento é uma decisão completamente equivocada e perigosa, além de ser uma maneira errada de começar a construir pontes para a COP30, que acontecerá em Belém. Essa incoerência dificulta a vida dos negociadores brasileiros e poderá colocar em xeque a sua posição para cobrar metas mais ambiciosas dos países desenvolvidos.”

Sobre o Fóssil do Dia

Os prémios Fósseis do Dia surgiram em meio a negociações climáticas no ano de 1999 ocorridas em Bonn, na Alemanha, iniciadas pelo Fórum Alemão de ONGs.

Os membros da CAN “votam nos países que consideram terem feito o seu ‘melhor’ para bloquear o progresso nas negociações” durante as conversas e negociações promovidas pelas Nações Unidas sobre alterações climáticas, explica a organização.

No texto em que concedeu o “prêmio” ao Brasil, a CAN destacou motivos para sua escolha. 

(O Brasil) tem planos de leiloar 603 novos blocos petrolíferos em 13 de Dezembro, apenas um dia após o final da COP28.

As emissões esperadas de uma das novas fronteiras petrolíferas que o Brasil quer abrir, a Margem Equatorial (que inclui blocos na foz do Rio Amazonas) mais do que anularão os cortes de emissões alcançados com o desmatamento zero até 2030.

Ao contrário do que as companhias petrolíferas nos dizem, não se pode compensar a destruição de um ecossistema inteiro com uma boa ação.

A organização concluiu com uma mensagem em que projeta o cenário da COP30, que ocorrerá no Brasil.

“Brasil, não queremos um passeio pelos campos de petróleo quando estivermos em Belém em 2025. E, se você quiser apenas ingressar em um clube, sugerimos que siga seu vizinho, a Colômbia, inscrevendo-se no Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis em vez de Opep+”, diz o texto.