Londres – Uma alteração no Código de Processo Penal apelidada de “legge bavaglio” (Lei da Mordaça), aprovada na Câmara dos Deputados da Itália em dezembro e que foi para as mãos do Senado está provocando protestos de jornalistas e organizações de liberdade de imprensa locais e internacionais.
Caso entre em vigor, a alteração proibirá “a publicação, total ou parcial, do texto da ordem de prisão preventiva até à conclusão da investigação inicial ou até à realização da audiência preliminar”.
Segundo a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), os jornalistas só poderão noticiar em termos gerais por que uma pessoa foi colocada em prisão preventiva, sem explicar em detalhes os motivos da detenção e quaisquer provas que a subsidiaram, como apreensões, escutas telefônicas e depoimentos.
Justificativa para a Lei da Mordaça da Itália
O projeto da chamada Lei da Mordaça é de autoria de Enrico Costa, deputado do partido de oposição de centro-esquerda Azione.
A justificativa foi proteger a presunção de inocência e evitar que os detidos preventivamente sejam “julgados pelos meios de comunicação”.
Os defensores da alteração no Código Penal argumentam que ela é necessária para “garantir o pleno cumprimento da Diretiva 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, que diz dispõe sobre a presunção de inocência”.
No entanto, a Federação Nacional de Imprensa Italiana (FNSI, na sigla em italiano) afirma que o dispositivo vai além do que determina a regulamentação europeia e viola a constituição do país.
A Carta Magna italiana estabelece em seu artigo 21º que a imprensa não pode estar sujeita a mecanismos de autorização prévia ou censura.
A entidade se uniu a outras associações de jornalismo para pressionar o governo a não sancionar a alteração, caso passe pelo Senado, e promete uma greve geral para salvaguardar a dignidade da profissão.
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Protestos contra a nova lei
No fim de 2023, um protesto convocado pela FNSI reuniu jornalistas em Roma. Manifestações estão sendo feitas em outras cidades.
A Associação de Jornalistas da Liguria convocou seus membros e cidadãos para uma manifestação em frente à prefeitura de Genova nesta segunda-feira (29).
Em nota contra a iniciativa, a Repórteres Sem Fronteiras salientou que vários casos importantes de corrupção e crime organizado foram revelados graças ao acesso a ordens de detenção e material relacionado a elas, segundo informaram repórteres policiais italianos.
O caso mais citado foi o de corrupção no Parlamento Europeu no final de 2022, conhecido como Qatargate.
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“Sombra” sobre liberdade de imprensa na Itália
Pavol Szalai, chefe da RSF para a União Europeia e Balcãs, apontou que “uma sombra paira sobre a liberdade de imprensa na Itália”.
O dirigente da ONG disse que embora a RSF reconheça a importância de respeitar a presunção de inocência, teme que a ‘legge bavaglio’ prejudique a capacidade de os jornalistas cobrirem investigações judiciais envolvendo, entre outros, políticos.
“É inaceitável que os repórteres que fornecem informações de interesse público e respeitam a ética jornalística sejam sancionados ou obrigados a permanecer em silêncio.”
A RSF fez um apelo público aos senadores para que rejeitem a alteração ao Código de Processo Penal com o texto atual e inclua garantias que protejam os jornalistas de processos judiciais.
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