Londres – O golpe militar em Mianmar, que completou seu terceiro aniversário nesta quinta-feira (1), extinguiu a liberdade de imprensa no país asiático, região marcada pela violência e repressão a jornalistas, e também a liberdade de expressão de cidadãos comuns. 

Um balanço da Repórteres Sem Fronteiras afirma que nesse período, o exército “executou a sangue-frio” quatro jornalistas, e mais de 150 profissionais de comunicação foram presos, e tem sido sentenciados a penas cada vez mais severas. 

A Access Now, organização que defende os direitos humanos digitais, aproveitou a data para protestar contra o fortalecimento da infraestrutura de vigilância em todo o país e cortes regulares no acesso à internet e à conectividade móvel, instrumentos usados pelos militares para “esmagar a resistência por meio da sua ditadura digital”.

No entanto, lembra a organização, em meio a outras crises globais, o mundo deixou de prestar atenção à crescente catástrofe de direitos humanos que acontece em Mianmar e a repressão sobre a imprensa e a livre expressão, que vem se tornando piores. 

Pressão sobre comunidade internacional no aniversário do golpe em Mianmar 

Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, 61 jornalistas completaram o aniversário do golpe em Mianmar na cadeia.  Apenas a China tem mais jornalistas presos. 

Os mortos citados pela RSF são o fundador da agência de notícias Khonumthung , Pu Tuidim ; o editor do Federal News Journal, Sai Win Aung ; e os  fotojornalistas freelancers Soe Naing e Aye Kaw.

A organização instou a comunidade internacional a intensificar a sua pressão sobre a junta para que liberte todos os jornalistas detidos e ponha fim à política de bloqueio de informações. Cédric Alviani diretor da RSF Ásia-Pacífico, disse: 

“Nos últimos três anos, os generais de Mianmar têm esmagado as pessoas sob as suas botas e atacado testemunhas dos seus crimes, especialmente os jornalistas, que tornam possível que o resto do mundo tenha conhecimento deles.”

 No âmbito da “política de terror”, a junta militar também criou tribunais dentro das prisões, que condenam jornalistas a pesadas penas pela mera suspeita de “ terrorismo ”, “ espionagem ”, ou mesmo simplesmente “ actos prejudiciais à segurança do Estado ”, denunciou a entidade. 

Entre os casos destacados estão a pena de prisão perpétua imposta em janeiro de 2024 à documentarista Shin Daewe , sob a acusação de “ incitação ” ao terrorismo.

Poucos meses antes, em setembro de 2023, o fotojornalista Sai Zaw Thaike já tinha sido condenado a 20 anos de prisão com trabalhos forçados por alegadas acusações de “desinformação” e “sedição”, que são regularmente utilizadas para perseguir jornalistas em Mianmar.

Mianmar ocupa o 173º lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2023 da Repórteres Sem Fronteiras.

Financiamento da estrutura de vigilância e repressão 

No terceiro aniversário do golpe militar em Mianmar, a ONG Access Now divulgou um manifesto assinado em conjunto com quase 20 organizações envolvidas com a defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa no país asiático.

O documento aponta as violações e também insta a comunidade internacional a agir não apenas oferecendo solidariedade, mas também “recursos concretos para resistir à opressão digital”.

“O povo de Mianmar continua a lutar contra o regime militar brutal, para derrubar a cortina de ferro digital de Mianmar”, disse Wai Phyo Myint, analista de políticas para a Ásia-Pacífico da Access Now.

“2024 é um ano vital em que o sucesso da resistência permitirá que o povo comece a desenhar um roteiro que respeite os direitos humanos para o país.”

Três anos após o golpe, o controle firme dos militares sobre a infraestrutura de telecomunicações de Mianmar permite-lhes usar como arma a suspensão do acesso à  Internet em regiões onde a resistência ao golpe é forte, diz a organização.

Investigações revelam que, antes de lançar ataques aéreos contra cidades e aldeias, os militares utilizam frequentemente dispositivos de interferência instalados em aeronaves de reconhecimento para perturbar a conectividade.

E isso pode estar contando com ajuda internacional, segundo a Access Now. 

“Operando sob o disfarce de projetos de governo eletrônico, o regime angaria fundos e recolher recursos para reforçar a sua extensa infraestrutura de vigilância.

Isso inclui projectos de coleta de dados como o censo nacional, o sistema de identificação eletrônica e o estabelecimento de uma base de dados nacional.”

O manifesto explica que existe agora um Comitê de Monitoramento da Internet, dedicado a processar aqueles que publicam opiniões contra o regime.

A junta também “explora o poder vicioso da lei para legitimar as suas ações, prendendo aqueles que ousam resistir”, como a documentarista Shin Daewe, observa a Access Now. 

“As paralisações e a vigilância em Mianmar são usadas para facilitar violações brutais dos direitos humanos”, disse Golda S. Benjamin, ativista da região Ásia-Pacífico da entidade.

“Os governos e as empresas que permitem estes constantes apagões nas comunicações e o estado de vigilância são co-conspiradores de atores autoritários e devem ser responsabilizados.”

O texto pede que a comunidade internacional:

  • Reconheça e financie o acesso alternativo à Internet e a outros canais de comunicação como ferramentas para proteger vidas e direitos humanos fundamentais;
  • Corte ou impeça formas de apoio financeiro, técnico e outras que beneficiem a infraestrutura de vigilância militar; e
  • Pressione as empresas de tecnologia e telecomunicações a defenderem os direitos humanos e responsabilizá-las quando não conseguirem fornecer soluções eficazes para as violações.

Além disso, diz o manifesto, “as empresas devem garantir que os seus produtos e serviços não estão sendo empregados em violações dos direitos humanos”.