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Kate e Charles em tratamento médico: entenda o que dizem as leis britânicas sobre privacidade da realeza

Rei Charles lê cartão desejando boa saúde depois de revelar diagnóstico de câncer quebrando o padrão de privacidade da família real

Rei Charles, em tratamento de câncer, lê cartão desejando boa saúde (foto: @RoyalFamily)

Gemma Horton

De processos judiciais a teorias da conspiração, o direito dos  integrantes da realeza britânica à privacidade está, ironicamente, quase sempre no centro das atenções – e o foco mais recente é Kate Middleton, princesa de Gales, cujo paradeiro virou objeto de especulação on-line depois de anunciado que ela passou por uma cirurgia abdominal e estará longe dos compromissos públicos até depois da Páscoa.

O anúncio aconteceu ao mesmo tempo em que o rei Charles revelou estar em tratamento para câncer e foi noticiado um acordo de indenização entre o príncipe Harry e o Mirror Group por hackeamento telefônico.

O interesse na vida pessoal da realeza e outras celebridades é constante, impulsionando vendas de jornais e cliques nas edições online por décadas. Basta lembrar o frenesi da mídia em torno da princesa Diana para entender como isso acontece e as consequências potencialmente devastadoras.

Todos, até a realeza, têm direito à privacidade, dizem tribunais

Sob a perspectiva legal, os tribunais britânicos decidiram que todos – incluindo os integrantes da realeza – têm direito ao direito à privacidade. A Lei dos Direitos Humanos incorpora à lei britânica os direitos estabelecidos pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Isso inclui o artigo 8, que trata do direito à privacidade.

Nos anos após a entrada em vigor da Lei de Direitos Humanos, os tribunais julgaram uma série de processos movidos celebridades alegando que a imprensa invadiu sua privacidade. Os magistrados tiveram que equilibrar o artigo 8 da convenção com o artigo 10, o direito à liberdade de expressão.

As decisões afirmaram repetidamente que, apesar de estarem às vezes buscando ser o centro das atenções, ainda assim as celebridades têm o direito à privacidade.

Alguns discordam dessa posição, como o conhecido jornalista Piers Morgan, que criticou o duque e a duquesa de Sussex pedindo privacidade ao mesmo tempo em que lançaram um documentário na Netflix, deram uma entrevista à apresentadora Oprah Winfrey e publicaram um livro de memórias.

Mas os tribunais deixaram a posição clara, como no caso de Catherine Zeta-Jones e Michael Douglas depois que a revista Hello! publicou fotografias não autorizadas de seu casamento.

O tribunal afirmou :

“Fazer com que aqueles que buscaram qualquer tipo publicidade percam toda a proteção seria revogar o que dispõe o artigo 8 para muitos daqueles que provavelmente precisarão dele.”

Não há uma definição universal de privacidade, mas os estudiosos identificaram conceitos-chave que abrangem o que ela pode implicar.

Em minha pesquisa, argumento que a noção de escolha é uma dessas. A privacidade nos permite controlar a disseminação de informações sobre nós mesmos e divulgar informações a quem queremos.

Privacidade e interesse público

Há exceções a essas proteções se a pessoa envolvida não tiver uma expectativa razoável de privacidade, ou se for de interesse público que essas informações sejam reveladas. Não há uma definição sólida e legal do “interesse público”. Assim, isso é decidido caso a caso.

No passado, o argumento de interesse público foi aplicado porque uma figura pública ou integrante do governo agiu de forma hipócrita e os tribunais afirmaram que há base legal para um veículo de imprensa esclarecer as coisas.

Quando se trata de registros médicos e informações sobre saúde, jurisprudência e códigos de conduta editoriais jornalísticos determinam máxima proteção.

A modelo Naomi Campbell foi fotografada saindo de uma reunião do grupo Narcóticos Anônimos e as imagens foram publicadas pelo tabloide Daily Mirror.

Um tribunal entendeu que havia um interesse público em revelar o fato de que ela estava participando dessas reuniões, já que ela havia negado anteriormente o abuso de drogas. 

A Câmara dos Lordes aceitou que havia um interesse público na imprensa “colocando as coisas em ordem”. No entanto, a publicação de detalhes adicionais e confidenciais e as fotografias dela saindo da reunião foram um passo longe demais.

A Câmara dos Lordes destacou a importância de poder manter registros médicos e informações privadas.

Saúde da realeza em pauta na mídia 

Quando se trata da família real, o histórico de publicidade em torno dos nascimentos reais, com a mãe muitas vezes posando com o bebê real recém-nascido fora do hospital, estabeleceu um precedente para o que o público espere informações médicas.

Quando eles escolhem ir contra essa tradição, isso pode frustrar tanto os observadores reais quanto os jornalistas. 

O rei Charles escolheu falar abertamente sobre sua próstata aumentada para “ajudar na compreensão pública”. E, como constatou a organização Prostate Cancer UK,  funcionou. Foi registrado um aumento de 500% nas pessoas que visitam o site.

No entanto, o rei optou por não divulgar informações sobre seu diagnóstico de câncer além do fato de que está recebendo tratamento. Ele tem esse direito. 

Embora revelar mais informações possa impedir especulações e rumores sobre sua saúde, não é obrigação do rei divulgar informações médicas privadas. No entanto, se sua saúde começar a afetar sua capacidade de agir como monarca, a situação pode mudar.

Pode ser que a imprensa encontre mais informações sobre a saúde do rei sem o seu conhecimento, mas a menos que exista um interesse público genuíno em publicar essas informações, a privacidade deve prevalecer.

As pessoas sem dúvida gostariam que suas informações médicas privadas fossem mantidas em segredo, não compartilhadas no local de trabalho ou objeto de especulação, a menos que fosse absolutamente necessário.

É graças a essas leis e precedentes judiciais que elas não precisam se preocupar com isso. A realeza, independentemente de sua posição, pode esperar o mesmo padrão de privacidade. 


Sobre a autora 

Gemma Horton atua como Impact Fellow do Centro para a Liberdade de Mídia (CFOM) na Escola de Jornalismo, Mídia e Comunicação da Universidade de Sheffield. Ela também é Editora Assistente do European Journal of Communication.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons. 

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