Londres –  Listada em 41º lugar no Global Press Freedom Index da organização Repórteres Sem Fronteiras, a Itália vive dias turbulentos para o futuro da liberdade de imprensa, com jornalistas e entidades reagindo a interferências editorias do governo da primeira-ministra Giorgia Meloni na empresa de mídia pública e a mudanças na lei que regulamenta difamação.

A emissora de serviço público RAI terá que passar a conceder aos ministros e subsecretários tempo ilimitado em seus programas quando se referirem a assuntos institucionais, sem serem questionados por jornalistas, o que o sindicato de profissionais da rede e alega que a tornará um “megafone” do governo. 

Ao mesmo tempo, um projeto de lei tramitando no Senado para reformar atual legislação sobre difamação inclui a possibilidade de punir jornalistas com a suspensão do direito de trabalhar por até seis meses, além de manter as atuais penas de prisão de até quatro anos e aumentar as multas. As emendas criticadas foram apresentadas por senadores do Fratelli D’Italia, partido de Meloni.

Jornalistas da RAI reagiram no ar contra ameaças à liberdade de imprensa 

Além do tempo livre para membros do governo, sem que a participação possa ser editada de acordo com critérios jornalísticos ou que os entrevistados sejam questionados, outra regra determinada pela comissão que rege as atividades da emissora pública obrigará a Rai News a transmitir comícios políticos a qualquer momento, e na íntegra.

Eles seriam anunciados apenas por uma breve introdução e sem mediação jornalística, segundo a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ).

O movimento do governo de Giorgia Meloni expõe a delicada fronteira entre jornalismo estatal e de serviço público. Na maioria dos países da Europa, as emissoras públicas recebem fundos do governo mas são independentes, operando sem interferência direta da administração que está no poder, como acontece em nações com governos autoritários como a Rússia e China. 

No dia 11 de abril, jornalistas e apresentadores de notícias dos principais canais da RAI interromperam os telejornais para ler uma declaração do Sindicato dos Jornalistas da RAI (USIGRai) explicando as novas políticas e condenando-as.

O texto diz: 

“A maioria governamental decidiu transformar a RAI no seu próprio megafone. Esta não é a nossa ideia de radiodifusão de serviço público.

O trabalho dos jornalistas deve ser central, fazendo perguntas, mesmo as incômodas, verificando o que foi dito e apontando inconsistências.

Por isso, queridos telespectadores, informamos que estamos prontos para nos mobilizar para garantir-lhes uma informação independente, equilibrada e plural.”

As Federações Internacionais e Europeias de Jornalistas (IFJ-EFJ), juntamente com a sua afiliada, a Federazione Nazionale Stampa Italiana (FNSI), protestaram contra  o que consideram uma nova tentativa de politizar os serviços de informação pública para fins de propaganda e exigem que a RAI respeite os princípios jornalísticos fundamentais.

Lei no Senado italiano criticada pelo retrocesso 

Outro front de batalha em torno da liberdade de inprensa na Itália é a reforma na legislação sobre difamação, que está tramitando na Comissão de Justiça do Senado. 

Um dos itens mais controversos é a possibilidade de suspender jornalistas do trabalho como pena por difamação.

A organização de liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras (RSF) considera o dispositivo proposto em janeiro pelo senador Alberto Balboni, da coligação partidária que está no poder, “uma proibição escandalosa da prática jornalística”. 

A medida, que poderá durar até seis meses, constituiria uma violação direta do direito internacional e das obrigações internacionais da Itália, na visão da entidade, que publicou uma nota condenando as mudanças previstas. 

“Sendo o jornalismo o exercício profissional de uma liberdade fundamental, a liberdade de expressão, não pode ser objeto de proibições prévias.

Uma sentença dessa natureza violaria a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e as disposições do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.”

Pavol Szalai, Chefe da RSF para a União Europeia e os Balcãs, salientou que o direito de defesa contra a difamação é legítimo, “mas não deve amordaçar a liberdade de imprensa”, referindo-se também à manutenção de penas de prisão, que inicialmente seriam retiradas da lei que está em vigor. 

A preservação de penas de prisão anticonstitucionais para este delito é absolutamente inaceitável.

Quanto à proibição de trabalhar como jornalista incluída na reforma da lei da difamação, não só é desproporcional como também contrária às recomendações de combate aos SLAPP [processos judiciais com fins de intimidação e danos financeiros a jornalistas e ativistas]  feitas pelo Conselho da Europa e pela União Europeia.”

A alteração proposta também aumenta significativamente o valor das multas por difamação – que podem ser combinadas com possíveis danos – de cerca de 1 mil euros para entre 5 mil a 10 mil euros.

A multa pode ser aumentada para 50 mil euros se se considerar que o autor do crime tinha conhecimento da falsidade da informação publicada, explica a RSF. 

A organização de liberdade de imprensa instou a coligação no poder a “substituir estas disposições que ameaçam os jornalistas com a autocensura por medidas que protejam o direito à informação inspiradas nos padrões europeus”, incluindo a recomendação do Conselho da Europa sobre o combate aos processos judiciais destinados a silenciar vozes críticas.