Londres – Embora o Brasil tenha obtido uma classificação bem melhor (82º) no Global Press Freedom Index deste ano, divulgado pela Repórteres Sem Fronteiras em 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a situação na Américas não é boa.
As condições políticas, um dos cinco atributos que compõem o índice, são apontadas pela RSF como a principal preocupação global em 2024.
Foi que mais caiu – 7,6 pontos no mundo em um ano.
Brasil melhorou no indicador ‘política’ no índice de liberdade de imprensa
Não foi o caso do Brasil, que subiu 27 pontos nesse critério de análise. O ganho contribuiu para o avanço de 10 posições na lista, refletindo o fim das hostilidades por parte do governo que marcaram a gestão Bolsonaro.
Já a Argentina, que experimenta um agravamento das ameaças ao jornalismo iniciada durante a campanha que elegeu Javier Milei para a presidência, caiu 35 pontos. O Paraguai perdeu 36; o Equador 54; o Peru 46.
Cuba, que figura no ranking como o pior país das Américas em liberdade de imprensa (está na 168ª posição), perdeu apenas quatro pontos no indicador político em relação a 2023. A Nicarágua, em 163º, recuou nove. Vale lembrar que base de ambos já era baixa, não tendo muito mais como cair.
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Segurança da imprensa crítica nas Américas
Entretanto, a influência da política no jornalismo não é o maior problema na região. A análise da RSF para as Américas destaca a segurança como o principal fator de impacto sobre a liberdade de imprensa, afetando tanto nações com situação política crítica quanto países que não praticam censura ou repressão sobre jornalistas e veículos.
O relatório diz que “a incapacidade de os jornalistas cobrirem assuntos ligados ao crime organizado, à corrupção ou ao meio ambiente, por medo de represálias, representa um grande problema”.
O percentual de países cuja situação é classificada como “satisfatória” caiu de 36% em 2023 para 21% em 2024. Estão nesse grupo Canadá, Jamaica, Trinidad e Tobago, Costa Rica, Suriname e República Dominicana.
Uma surpresa foi a posição dos Estados Unidos, onde a liberdade de imprensa é consagrada na Primeira Emenda da constituição. O país caiu dez posições, figurando agora em 55º.
Em quase todas as nações da América do Sul, salienta a RSF, a situação da liberdade de imprensa é agora “problemática” – recuo que a organização atribui em parte à eleição dos que chamou de “predadores da liberdade de imprensa”, como Milei, e à incapacidade de os governos reduzirem a violência contra jornalistas.
O México continua a ser o país mais perigoso, com 37 mortos desde 2019, embora recentemente tenham sido registradas menos vítimas.
O risco, porém, é que a aparente melhoria resulte de autocensura.
Cansados de ver colegas agredidos ou assassinados e os atos ficarem impunes, jornalistas de veículos locais em áreas violentas estariam desistindo das denúncias, sabendo que não podem contar com proteção do Estado.
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Imprensa ambiental sob ataque
Na visão da Unesco, o setor do jornalismo mais atingido é o ambiental. Embora não tenha registrado novos casos, a morte do jornalista inglês Dom Philips na Amazônia, em 2022, será sempre uma mancha na imagem do Brasil em qualquer análise sobre a liberdade de imprensa.
Em uma conferência internacional no Chile, a organização divulgou um relatório alarmante. Em 15 anos, foram registradas 749 ameaças a jornalistas e órgãos de imprensa relacionadas a reportagens sobre sobre meio ambiente – fora as que nem chegaram ao conhecimento das autoridades ou das organizações do setor. Mais de 40% dos casos aconteceram nos últimos cinco anos.
E uma pesquisa feita em conjunto com a Federação Internacional de Jornalistas envolvendo 900 profissionais de imprensa de 129 países constatou 70% deles sofreram ataques, ameaças ou pressões relacionadas às suas reportagens, com dois em cada cinco relatando violência física posterior à ameaça.
Intimidações ou pressões psicológicas foram relatadas por 562 entrevistados (85%), enquanto 397 indicaram terem sido vítimas de assédio online (60%). E 163 relataram assédio judicial (24,5%).
A autocensura foi mencionada nas entrevistas, em alguns casos atribuída ao temor de ir contra interesses de anunciantes ou da direção dos veículos.
Os resultados são preocupantes não apenas para os jornalistas em risco, mas sobretudo para a sociedade, em um momento em que o planeta tanto precisa de um jornalismo corajoso para sair da crise em que se encontra.
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