O premiado jornalista e editor da Guatemala José Rubén Zamora, fundador do jornal de oposição elPeriodico e preso há quase dois anos, foi autorizado a cumprir prisão domiciliar, em decisão relativa a um dos processos movidos pelo governo contra ele.
No entanto, ele não não será autorizado a sair da cadeia até que sentenças semelhantes sejam proferidas em relação a outras ações judiciais a que responde.
Sua primeira condenação, a seis anos de prisão, havia sido anulada em outubro. Mesmo assim ele foi mantido preso, sob protestos de organizações internacionais de direitos humanos e de liberdade de imprensa.
Organizações apontam condenação injusta
Com 67 anos, Zamora foi um dos principais opositores do governo do ex-presidente Alejandro Giammattei, que deixou o cargo em janeiro deste ano. A troca de comando abriu esperanças de que o novo governante do país, Bernardo Arévalo, colocasse fim à perseguição ao jornalista.
“Saudamos esta primeira e necessária medida que solicitamos desde a sua prisão há quase dois anos, mas insistimos em cobrar a sua libertação imediata da prisão militar Mariscal Zavala. Sua detenção prolongada tem sido arbitrária e injustificada”, disse o presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Roberto Rock, diretor do portal mexicano La Silla Rota, reagindo à notícia da prisão domiciliar.
Uma delegação internacional da SIP e do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) havia se reunido em janeiro com o presidente Bernardo Arévalo, que segundo a organização se referiu ao caso de Zamora como “emblemático” da perseguição política por suas denúncias.
Sociólogo de 64 anos, Arévalo é filho do ex-presidente Juan José Arévalo, que governou o país centro-americano entre 1945 e 1951 após uma sucessão de ditaduras.
No início de abril, a SIP apresentou um amicus curiae [recurso que permite a um terceiro oferecer argumentos a um tribunal] perante a câmara penal da Suprema Corte de Justiça da Guatemala, em defesa de Zamora.
O recurso argumentou que o jornalista estava privado de liberdade sem que houvesse uma condenação, violando padrões internacionais que regem a prisão preventiva.
A SIP denunciou exaustivamente nos últimos anos a utilização do Ministério Público da Guatemala como braço do poder político do governo do ex-presidente Alejandro Giammattei para apresentar acusações contra os advogados de Zamora e bloquear suas possibilidades de defesa
Segundo a entidade, o MP também acusou seis jornalistas e três colunistas do elPeriódico de opinarem sobre o caso, incluindo o ex-presidente da SIP, Gonzalo Marroquín Godoy, primo de José Rubén Zamora.
A próxima audiência do caso está marcada para 16 de junho.
As acusações da Guatemala contra o jornalista
Zamóra foi detido em julho de 2022 e condenado em junho de 2023 por crimes financeiros, com base em acusações que organizações de direitos humanos e de defesa da liberdade de imprensa apontam como forjadas.
O elPeriodico passou a circular apenas em formato digital e terminou fechando de vez, colocando fim à trajetória de um dos mais importantes jornais independentes da América Latina, fundado em 1996.
A anulação da primeira sentença foi em resposta a um recurso interposto pela Procuradoria-Geral da República expondo discrepância com a decisão original que condenou Zamora por lavagem de dinheiro e o absolveu das acusações de chantagem e tráfico de influência.
Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a denúncia de suposta lavagem de dinheiro que deu origem à condenação do jornalista refere-se apenas à ausência de justificação documental para a origem de uma transferência destinada a manter o jornal elPeriódico funcionando.
Por seu trabalho desafiando a censura e denunciando crimes e corrupção, José Rubén Zamora recebeu importantes prêmios internacionais de jornalismo, como o Maria Moors Cabot da Universidade de Columbia e o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do Comitê para a Proteção de Jornalistas.
Em 2000, foi nomeado um dos 50 Heróis Mundiais da Liberdade de Imprensa do século 20 pelo Instituto Internacional de Imprensa.
Horas antes da decisão judicial concedendo a prisão domiciliar, Zamora tinha sido homenageado com o Reconhecimento de Excelência do Prêmio Gabo 2024.
O Conselho Diretor do Prêmio Gabo, formado por 13 jornalistas, escritores e acadêmicos de destaque, decidiu dar o reconhecimento a Zamora porque o considera o “paradigma de um jornalista investigativo e possivelmente o maior símbolo da luta do jornalismo contra a corrupção na América Latina”.
Esta matéria foi corrigida para refletir que José Rubén Zamóra não chegou a ser libertado para aguardar novos julgamentos em prisão domiciliar após a sentença, permanecendo na cadeia militar onde está desde 2022.
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