Londres – Uma pesquisa apresentada nesta segunda-feira (27) pela Universidade de Edimburgo apontou que um em cada oito menores de idade em todo o mundo foi submetido a algum tipo de abuso infantil online nos รบltimos 12 meses, como conversas sexuais indesejadas, pedidos de atos sexuais por parte de adultos ou de outros jovens e “sextorsรฃo”. 

O relatรณrio Into The Light, realizado pelo Childlight Global Child Safety Institute da universidade escocesa, รฉ o primeiro a medir a extensรฃo do abuso online infantil em escala global. O total de crianรงas atingidas em um ano supera os 302 milhรตes, diz o estudo. 

O trabalho baseou-se em estatรญsticas oficiais e de organizaรงรตes nรฃo-governamentais para traรงar o quadro que Paul Stanfield, CEO do Childlight, defende que seja tratado como uma pandemia global, assim como foram a Aids e a Covid-19. “Mas isso nรฃo acontece pois muitas vezes รฉ uma realidade difรญcil de encarar”, diz. 

Pesquisa compilou mais de 36 relatos de abuso infantil

O relatรณrio da Childlight resulta da compilaรงรฃo de dados de mais de 36 milhรตes de situaรงรตes reportadas pelas prรณprias plataformas digitais ร s principais organizaรงรตes policiais, como a Interpol, pesquisas e anรกlises de 125 estudos acadรชmicos e feitos por ONGs de proteรงรฃo a crianรงas. 

O trabalho considera como abuso a visualizaรงรฃo de imagens pornogrรกficas de um menor de 18 anos; flerte ou conversas sexuais, interaรงรฃo sexualmente explรญcita via webcam e pagamento para obter imagens ou realizar interaรงรตes sexuais. 

Segundo a pesquisa da Childlight, um caso de abuso infantil รฉ relatado a autoridades a cada segundo, e 3,5% das crianรงas experimentaram algum tipo de extorsรฃo sexual pela internet nos รบltimos 12 meses. 

Na โ€œsextorsรฃoโ€, os abusadores exigem dinheiro para manter as imagens privadas e utilizam a inteligรชncia artificial generativa para produzir deepfakes de suas vรญtimas.  

O abuso nos EUA, Reino Unido e Austrรกlia 

O relatรณrio nรฃo detalha a situaรงรฃo em cada paรญs, devido ร  ausรชncia de dados comparรกveis.

Mas destaca alguns paรญses como exemplo da prevalรชncia do abuso online infantil: 11% dos homens nos Estados Unidos, 7% dos homens no Reino Unido e 7,5% dos homens na Austrรกlia relatam que se envolveram em comportamentos online que poderiam ser classificados como tal em algum momento da vida. 

O estudo descobriu ainda que um em cada nove homens em algumas partes do mundo cometeram ofensas sexuais online contra crianรงas – e muitos tambรฉm cometeriam crimes por contato sexual com menores se acreditassem que isso poderia ser mantido em segredo.

Outra revelaรงรฃo รฉ a de que cerca de um quarto das crianรงas norte-americanas (23 por cento) relataram ter sido vรญtimas, no รบltimo ano, de captura, compartilhamento e exposiรงรฃo nรฃo consensual a imagens e vรญdeos sexuais.

  • Globalmente, a regiรฃo com maior รญndice de abuso online infantil รฉ a รfrica Oriental, com 20,4% de prevalรชncia. 
  • Na Amรฉrica Latina e Caribe a taxa mรฉdia รฉ de 11,6% 
  • No Leste da รsia e Oceania รฉ de 13% 
  • Na Europa e EUA รฉ pouco superior a 9% 
  • O local com maior incidรชncia de hospedagem de material pornogrรกfico infantil รฉ o Sul da รsia (29%), mas o Childlight observa que aos dados podem ser distorcidos por recursos que permitem a perpetradores esconder sua real localizaรงรฃo. 

Segundo Paul Stanfield, os casos dispararam desde que a Covid-19 mudou os hรกbitos online do mundo.

A Internet Watch Foundation (IWF) informou em 2023 que o material de abuso sexual infantil com crianรงas do ensino primรกrio com idades entre os sete e os dez anos a serem treinadas para realizar atos sexuais online aumentou mais de 1 mil % desde que o Reino Unido entrou em lockdown pela primeira vez, em 2020. 

‘Horror’ do abuso infantil 

Paul Stanfield, que estรก ร  frente do Instituto Childlight, trabalhou 30 anos como policial, incluindo na Interpol, e diz ter testemunhado nesse perรญodo “o verdadeiro horror e o crescimento da exploraรงรฃo sexual infantil” facilitada pelas novas tecnologias e pela falta de regulamentaรงรฃo. 

Paul Stanfield, Childlight Institute, responsรกvel por pesquisa sobre abuso online infantil
Paul Stanfield (foto: divulgaรงรฃo)

“Aqueles que trabalham no setor sabem disso por de informaรงรตes e experiรชncias diretas. Mas embora esta percepรงรฃo exista, nรฃo tem sido suficiente para impulsionar mudanรงas estruturais na proteรงรฃo infantil.

Precisamos de provas que sejam indiscutรญveis para que o problema nรฃo possa mais ser ignorado, negado ou confundido de forma inรบtil com questรตes como a privacidade e a liberdade de expressรฃo.”

No Reino Unido, cuja lei de mรญdias sociais  (Online Harm Bill) รฉ fundamentada na proteรงรฃo a crianรงas, organizaรงรตes nรฃo-governamentais ligadas aos direitos infantis combatem vigorosamente a adoรงรฃo de criptografia de ponta a ponta em serviรงos de mensagens por parte das plataformas, pois dificulta a localizaรงรฃo e puniรงรฃo de assediadores. 

“Para que a criptografia de ponta a ponta seja o padrรฃo, deve-se claramente alcanรงar um equilรญbrio que satisfaรงa o desejo de privacidade de todos os utilizadores, com uma detecรงรฃo proativa adequada de material de abuso sexual infantil online. Nรฃo se engane: a exploraรงรฃo e o abuso sexual infantil online existem porque รฉ permitido que existam”, diz Stanfield.  

O estudo completo pode ser visto aqui