Londres – Christophe Deloire, secretário-geral da organização de liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras, morreu neste sábado (8) em Paris após uma batalha contra um câncer. Ele tinha 53 anos.  

Ex-repórter investigativo de TV e mídia impressa na França, Deloire ocupava o cargo desde 2012,  tendo se tornado  principal face da entidade na arena pública. Em nota, a RSF destacou seu papel como “defensor incansável, em todos os continentes, da liberdade, independência e pluralismo do jornalismo, num contexto do caos da informação”. 

“O jornalismo foi a luta da sua vida, que travou com convicção inabalável”, diz a nota. 

Christophe Deloire era filho de professores. Iniciou a carreira em 1994 na rede TF1, e trabalhou em emissoras públicas e privadas.  Foi repórter da revista Le Point, e entre 2028 e 2012 dirigiu o Centro de Formação de Jornalistas da França. 

Segundo a imprensa francesa, ele havia sido internado recentemente após a descoberta de tumores cerebrais em estágio avançado. 

Para Pierre Haski, Presidente do Conselho de Administração da RSF, “Christophe Deloire liderou a organização num momento crucial para o direito à informação.

“A sua contribuição para a defesa deste direito fundamental foi considerável”, disse.  

Christophe Deloire foi o sucessor de Robert Ménard. Ménard, atual prefeito de Béziers, eleito com apoio da extrema direita. Ele é apontado como responsável por uma mudança de orientação da RSF. 

O jornalista também presidia o Conselho do Fórum sobre Informação e Democracia, criado oficialmente em 2019 para implementar os princípios da Parceria para a Informação e Democracia, um c0mpromisso endossado por 52 países.

Em 2023, foi nomeado pelo governo francês para chefiar  a iniciativa Estados Gerais de Informação, encarregada de elaborar propostas para defesa da liberdade e da sustentabilidade do jornalismo.

Morte de Christophe Deloire lamentada por Macron e Stella Assange 

O presidente da França, Emmanuel Macron, lamentou nas redes sociais a morte do secretarário-geral da RSF. 

“Cristopher Deloire tinha o jornalismo em seu coração. Com espírito de liberdade, ele lutou, sem fronteiras, sem descanso, pela liberdade de informação e pelo debate democrático. Sua luta agora é a luta de todos nós”. 

Organizações de liberdade de imprensa, de expressão e de direitos humanos de todo o mundo estão lamentando a morte de Christophe Deloire. 

A mulher de Julian Assange, Stella, divulgou uma nota em que lamenta sua morte sem ter visto o fundador do Wikileaks solto. O secretário-geral visitou-o duas vezes na prisão em 2023. 

Julian Assange visita prisão ONG liberdade de imprensa
Christian Deloire e Rebecca Vincent na penitenciária de Belmarsh (foto: divulgação RSF)

A Repórteres Sem Fronteiras tem sido a organização mais diretamente engajada na tentativa de colocar um fim às acusações de espionagem que podem valer a Assange 175 anos de cadeia nos EUA, caso a extradição do Reino Unido seja autorizada pelo Supremo Tribunal.

Christophe Deloire deixa a mulher, Perrine, e um filho, Nathan. 

A Repórteres Sem Fronteiras sob Deloire 

Presente em todo o mundo com escritórios regionais e representantes locais, incluindo no Brasil, a Repórteres Sem Fronteiras nasceu em em 1985 na cidade de Montpellier, fundada por quatro jornalistas. 

Reconhecida como organização de interesse público em França desde 1995, a RSF tem estatuto consultivo junto às Nações Unidas e Conselho da Europa. 

A organização possui 134 correspondentes em todo o mundo, seis seções internacionais (Alemanha, Áustria, Espanha, Finlândia, Suécia, Suíça) e sete escritórios (Londres, Bruxelas, Tunes, Washington Rio de Janeiro, Dakar e Taipei).

Entre as suas atividades está o relatório anual Global Press Freedom Index, que classifica a situação da liberdade de imprensa em 180 países e se tornou a principal referência do setor. 

A gestão de  Christophe Deloire à frente da Repórteres Sem Fronteiras foi marcada por uma postura combativa contra governos autoritários e contra leis e regulamentos destinados a censurar ou reprimir o direito de informar. 

Ele também criticava fortemente as redes sociais e defendia regulamentação para evitar a desinformação e os efeitos da concentração de poder das Big Techs sobre a sustentabilidade financeira do setor de jornalismo. 

Donald Trump, Daniel Ortega, Jair Bolsonaro, Vladimir Putin, Xi Jinping e Viktor Orbán são alguns dos líderes globais alvo de campanhas e relatórios da RSF denunciando abusos e violações contra jornalistas durante o período em que Deloire esteve na liderança na entidade. Um deles, em 2021, apontou os “Predadores da Liberdade de Imprensa” no mundo. 

O secretário-geral também deixou um legado de ações práticas para defender jornalistas e o direito de informar e de saber. Uma delas foi uma operação cinematográfica para retirar da Rússia a jornalista Marina Ovsyannikova, que no início da guerra com a Ucrânia fez um protesto ao vivo na TV estatal onde trabalhava. 

Marina Ovsyannikova, jornalista russa e Christopher Deloire (Repórteres Sem Fronteiras)
Marina Ovsyannikova, jornalista russa e Christopher Deloire, Secretário-Geral da Repórteres Sem Fronteiras, em entrevista coletiva em Paris (divulgação RSF)

Outra, também voltada para a Rússia, foi o lançamento de um serviço de transmissão via satélite para levar à população local notícias em russo produzidas por veículos independentes que opearam a partir do exílio, contornando a censura aos meios de comunicação imposta por Vladimir Putin.