Londres – As últimas duas semanas foram trágicas para o jornalismo no mundo, com o registro de cinco mortes de jornalistas vítimas de ataques deliberados e associados ao trabalho – uma impressionante média de três por dia.
Dois casos aconteceram na América Latina, em países notórios pela insegurança para a imprensa: México e Colômbia. As duas vítimas, Víctor Alfonso Culebro Morales e Jorge Mendes Prado, eram jornalistas de pequenos canais comunitários, assim como Shivshankar Jha, da Índia, e Sempurna Pasaribu, da Indonésia, que também morreram nos últimos dias.
Já blogueiro Aydos Sadykov, do Cazaquistão, estava longe de seu país e mesmo assim foi atacado. Refugiado na Ucrânia há dez anos, ele liderava um canal de notícias sobre o seu país com mais de 1 milhão de assinantes e foi baleado no dia 18 de junho em Kiev por homens cazaques, morrendo no dia 2 de julho.
Jornalistas exilados são perseguidos, vigiados e mortos no mundo
O caso de Sadykov é um exemplo de um problema que se tornou mais comum nos últimos dez anos, segundo estudo apresentado na ONU na semana passada por Irene Khan, Relatora Especial para liberdade de expressão.
É cada vez maior o número de jornalistas no exílio que mesmo longe de seus países são perseguidos, sofrem ameaças físicas e digitais – calúnias online, hacekamento, vigilância – e violência extrema, como a que resultou na morte do cazaque.
O canal Base, que ele comandava junto com a mulher, Natalya Sadykova, também jornalista, cobria temas políticos e frequentemente denunciava corrupção no governo de Kassym-Jomart Tokayev.
Poucas horas antes de Sadykov ser atingido dentro de seu carro, o Base tinha publicado um vídeo intitulado “O presidente do Cazaquistão se tornou um fantoche de agentes de influência russos”.
Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a polícia ucraniana abriu uma investigação e dois dias depois do crime anunciou as identidades de dois suspeitos, os cidadãos cazaques Altai Zhatkanbayev e Meiram Karataev.
Foi emitido um mandado internacional de prisão, pois eles deixaram o país logo após o ataque.
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O alto risco do jornalismo comunitário
As outras quatro mortes aconteceram nas duas regiões do mundo mais perigosas para a imprensa, Ásia e América Latina, segundo os relatórios mais recentes documentando ataques e fatalidades.
E têm em comum os sinais de revanche por parte de membros das próprias comunidades incomodados com denúncias de práticas criminosas.
Indonésia
Na Indonésia a violência estendeu-se a três integrantes da famíia do jornalista da Tribrata TV Sempurna Pasaribu. Eles morreram no dia 27 de junho quando a casa em estavam, em Karo Regency, Sumatra do Norte, foi incendiada.
De acordo com a Federação Internacional de Jornalistas, Pasaribu havia feito reportagens sobre jogos de azar ilegais e tráfico de drogas sugerindo envolvimento de autoridades.
Um de seus colegas mencionou que a vítima havia expressado preocupações sobre sua segurança.
O jornalista relatou que passaria a noite na delegacia com sua esposa e filhos se sua segurança fosse ameaçada, e estava evitando ficar em casa para não expô-los a riscos.
Na noite da tragédia, ele havia retornado brevemente para casa para fornecer apoio financeiro.
Índia
Na Índia, o crime contra o jornalista Shivshankar Jha também estaria relacionado a atividades ilícitas.
Colaborador de vários meios de comunicação locais, ele foi esfaqueado em 25 de junho no noroeste do estado de Bihar, supostamente por pessoas ligadas a contrabandistas de álcool, a “Liquor Mafia”.
O jornalista chegou a ser levado ao hospital, mas morreu no dia seguinte.
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México
No México, país apontado pela Anistia Internacional como o de maior risco para jornalistas no Hemisfério Ocidental, Víctor Alfonso Culebro Morales, 39 anos, diretor do portal de notícias “Realidades”, foi encontrado sem vida e com sinais de violência em Chiapas, em 28 de junho
Segundo meios locais, seu corpo foi encontrado atado de pés e mãos atados, com o rosto tapado e com ferimentos a bala.
O Realidade cobria assuntos da região, uma das mais violentas do país, incluindo os crescentes desaparecimentos de pessoas. Foram 27 casos nas duas semanas anteriores ao ao crime, informou a Federação Internacional de Jornalistas.
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Colômbia
Na Colômbia, o jornalista e comunicador comunitário Jorge Méndez Pardo, também conhecido nas redes sociais como Yeiko, foi assassinado no departamento Norte de Santander, onde realizava trabalhos de comunicação comunitária.
Méndez Pardo era administrador de uma página na rede Facebook, intitulada La Gabarra com um olhar diferente, com mais de 600 mil seguidores, na qual divulgava notícias de Tibú e arredores com um olhar alternativo sobre a realidade local.
No dia 27 de julho, autoridades policiais e judiciais confirmaram sua morte. O corpo tinha ferimentos de bala. Segundo a mídia local, Méndez estava em seu veículo a cerca de 24 quilômetros da fronteira com a Venezuela quando foi atacado.
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Países nas faixas vermelha e laranja do Global Press Freedom Index
Os cinco países onde jornalistas foram assassinados nas últimas duas semanas estão entre os piores do mundo em liberdade de imprensa, segundo o ranking anual da Repórteres Sem Fronteiras.
O pior deles é a Índia, em 159º entre 180 nações.
Em seguida aparecem Cazaquistão (142º), México (121º), Colômbia (121º) e Indonésia (111º). Todos foram classificados nas zonas vermelha ou laranja do ranking, indicando onde as ameaças são maiores.
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