Em meio a rumores de que a condenação do repórter americano Evan Gershkovich por um tribunal russo a 16 anos de cadeia poderia acelerar uma possível troca de prisioneiros com os EUA, a Casa Branca emitiu um comunicado assinado pelo presidente Joe Biden afirmando que levá-lo de volta (e também a outro preso na Rússia) é prioridade de sua administração. 

O repórter do Wall Street Journal foi detido em março de 2023 na região dos Montes Urais, durante uma viagem para fazer reportagens sobre o complexo militar russo, e acusado de espionagem para os EUA apesar de estar credenciado como jornalista.

A sentença, que deverá ser cumprida em uma colônia penal, foi anunciada nesta sexta-feira (19), após um julgamento a portas fechadas no Tribunal Regional de Sverdlovsk em Yekaterinburg, a cerca de 1,4 mil km de Moscou.

Embora não tenha sido surpresa, já que a Rússia tem condenado jornalistas em série desde o início da guerra da Ucrânia, a decisão judicial provocou protestos de líderes políticos e de organizações de jornalismo e direitos humanos. 

O Wall Street Journal, que pertence ao magnata da mídia Rupert Murdoch, criticou a decisão e a chamou de “condenação vergonhosa e fraudulenta”.

Repórter americano condenado vem de família que emigrou da Rússia 

Filho de pais soviéticos que emigraram para os EUA, Gershkovich é o primeiro jornalista ocidental preso pela Rússia desde a guerra fria. 

Pouco antes de ser preso ele havia publicado reportagens feitas na região. Após a detenção, o Ministério das Relações Exteriores disse que Gershkovich estava usando sua credencial de jornalista como proteção para “atividades que nada têm a ver com jornalismo”: a suposta apuração de dados para transmitir ao governo dos EUA. 

Sua prisão preventiva na famosa penitenciária de Lefortovo, em Moscou, foi estendida cinco vezes, enquanto a possibilidade de um acordo de troca de prisioneiros com os EUA foi admitida diversas vezes pelo presidente Vladimir Putin e por autoridades de seu governo. 

Julgamento rápido para os padrões da Rússia

A rapidez – para os padrões russos – do julgamento, que havia começado no fim de junho, foi apontado por analistas como sinal de que uma troca pode estar a caminho, envolvendo também outro americano, o consultor de segurança Paul Whelan. 

Em 2022, a jogadora de basquete americana Brittney Griner, condenada por porte de drogas, foi trocada por russos presos nos EUA. 

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, afirmou que negociações para uma troca estavam em curso.

Roger Carstens,  responsável por assuntos ligados a reféns no Departamento de Estado dos EUA,  disse esta semana no Fórum de Segurança de Aspen que o país está negociando com autoridades russas e que tanto Gershkovich quanto Whelan retornariam ao solo americano ‘um dia’, mas não sabia quando.

Repercussões da condenação do repórter americano

Enquanto isso, organizações e líderes recriminaram a Rússia pela condenação do jornalista americano em declarações nas redes sociais. 

A Repórteres Sem Fronteiras afirmou que a decisão judicial é “ultrajante” e equivale a uma “tomada de reféns pelo Estado”.

“Atacar Gershkovich dessa forma é outro exemplo flagrante de tomada de reféns estatal inaceitável pela Rússia”.

O escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas apontou “sérias preocupações sobre a condenação de Gershkovich e pediu a libertação de todos os jornalistas presos na Rússia por fazerem o seu trabalho. 

“Jornalistas devem ser capazes de desempenhar suas funções profissionais essenciais em um ambiente seguro, sem medo de represálias – em linha com as obrigações internacionais de direitos humanos da Rússia.”

A declaração de Joe Biden salienta que “jornalismo não é crime”: 

“Continuaremos a defender firmemente a liberdade de imprensa na Rússia e em todo o mundo, e a posicionar-nos contra todos aqueles que procuram atacar a imprensa ou atacar jornalistas.”

Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, afirmou que o julgamento foi “a antítese da justiça”.

“Um julgamento politicamente motivado e falso. Jornalismo não é crime. Evan deve ser solto imediatamente.”

O chefe de política externa do bloco, Josep Borrell acusou a Rússia de usar “seu sistema legal politizado para punir o jornalismo”.

“A UE apela à libertação de #Evan e a todos os outros presos políticos.!

Keir Starmer, primeiro-ministro disse que a condenação do repórter americano pela Rússia foi “desprezível”.

“A condenação do repórter do Wall Stree Journal Evan Gershkovich é desprezível e serve apenas para ressaltar o total desprezo da Rússia pela liberdade de imprensa.”

Na Alemanha, a ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, disse: 

“A condenação de Evan […] mostra o medo do [presidente russo Vladimir] Putin do poder dos fatos. O veredito é politicamente motivado e parte da propaganda de guerra de Putin”. 

Repórter com nacionalidade americana também está presa 

Além do repórter do Wall Street Journal, há outra jornalista com nacionalidade americana presa na Rússia. Alsu Kurmasheva, que tem dupla nacionalidade (russa-americana) foi capturada em outubro de 2023, quando esteve no país sem visto de trabalho para visitar parentes. 

Ela vive em Praga e é editora do noticiário tártaro-bashkir da Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE/RL), financiada pelo Congresso dos EUA, escrevendo  também regularmente sobre a guerra na Ucrânia

A Repórteres Sem Fronteiras lançou uma petição para pressionar o Departamento de Estado dos EUA que designar Kurmasheva como “detida injustamente”,  semelhante ao que foi feito com Evan, o que asseguraria todos os recursos do governo para garantir sua libertação.