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Como a saída de Biden obriga Trump a encontrar uma nova narrativa para encarar a jovem Kamala na mídia

Donald Trump, Kamala Harris e Joe Biden na campanha eleitoral dos EUA

Donald Trump, Kamala Harris e Joe Biden na campanha eleitoral (fotos: divulgação via Twitter)

Christopher Featherstone

Quando Joe Biden se retirou da disputa eleitoral, ele mudou a natureza da campanha. Nas três semanas seguintes ao notório debate presidencial, a retirada de Biden passou a ser vista como uma questão de quando, não se.

Agora, a campanha do partido Democrata está em curso e será muito diferente do que teria sido com Biden. Ele apoiou sua vice-presidente Kamala Harris e muitas dos grandes nomes do partido seguiram o exemplo.

A conversa a portas fechadas tem muito a ver sobre como uma transição pode ser administrada para unificar o partido.

Já houve uma unificação com os elogios ao “patriotismo e “altruísmo” de Biden , o que por si só é um elemento de convencimento para a pequena – mas incrivelmente crucial – parcela de eleitores que permanecem indecisos.

Troca de Biden por Kamala e o efeito sobre a narrativa da campanha Trump

Mas uma coisa que a saída de Biden conseguiu imediatamente foi arrancar a principal narrativa de mídia de Donald Trump.

Nas últimas semanas, certamente desde o debate eleitoral de 28 de junho que revelou até que ponto Biden estava lutando contra o comprometimento cognitivo relacionado à idade, a campanha de Trump teve o controle da cobertura da imprensa. 

A idade de Biden se tornou a questão-chave na campanha. Trump dominou o debate sem nenhuma de suas bravatas desagradáveis.

A narrativa da campanha já estava enquadrada pelos republicanos como uma de “a força do nosso cara x a fragilidade do cara deles”.

Então veio a tentativa de assassinato de 13 de julho. Aquela foto, os punhos levantados aos gritos de “lute, lute, lute”.

Biden, enquanto isso, confundiu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, com o “presidente Putin” e se referiu ao “vice-presidente Trump”, quando falava da Kamala Harris.

A eufórica Convenção Nacional Republicana parecia ser tanto uma reunião de seita quanto um processo político. Os fiéis do movimento MAGA (Make America Great Again) não exatamente validaram a candidatura de Trump, mas o coroaram.

Trump, enquanto isso, aproveitando o calor de tanto amor, conseguiu parecer magnânimo. “Chega de retórica divisiva cruel”, ele disse. Ele se tornaria um unificador.

Claro, isso não durou tanto quanto o tempo que levou para ele fazer seu discurso de aceitação como indicado do Partido Republicano em 18 de julho.

Mas tudo isso mudou quando Biden desistiu. De repente, a idade deixou de ser um problema para os Democratas.

Mas é para os Republicanos, cujo candidato, aos 78 anos, seria o presidente mais velho já eleito para governar os EUA. A idade é um trunfo que os democratas agora têm.

O Partido Republicano está sua estratégia de campanha após saída de Biden?

Então a estratégia do Partido Republicano  precisará ser repensada. Isso já está acontecendo. Anúncios atacando Kamala Harris estão acusando-a de culpabilidade e cumplicidade em “encobrir” o declínio mental de Biden.

Os Republicanos estão também tentando enfatizar o desempenho medíocre de Harris em endurecer o combate à  imigração ilegal nas fronteiras do Sul dos Estados Unidos. Até agora, um pequeno ajuste em vez de uma grande reformulação.

O problema para os pesquisadores e estrategistas de Trump é que eles não sabem quem Harris escolherá como companheiro de chapa. Na verdade, eles nem podiam ter 100% de certeza de que ela acabaria na chapa. Isso dificulta o planejamento de uma campanha concertada.

As fragilidades de Kamala Harris

Harris tem suas fragilidades – ela é da Califórnia, o que é um anátema para muitos republicanos linha-dura, pois cheira a liberal com “l minúsculo”.

Ela é uma mulher – e uma mulher não branca, para completar. E o Partido Republicano tem sua cota de racistas e sexistas.

Mas geralmente se pensa que a base ‘MAGA’ de Trump está consolidada. Trump disse a famosa frase :

“Eu poderia ficar no meio da Quinta Avenida e atirar em alguém, e não perderia nenhum eleitor, OK?”

E no que diz respeito à sua base Maga, isso provavelmente não está muito longe da verdade.

Mas esta campanha provavelmente se concentrará em relativamente poucas pessoas em alguns de estados-chave que ainda não decidiram em que direção votarão. E também será decidida pelo comparecimento.

Havia sinais de que Biden poderia ter dificuldades para mobilizar o voto negro que tinha sido tão eficaz para ele no passado. Harris provavelmente conseguirá conquistar esses eleitores cruciais.

Nancy Pelosi: ‘Louca como um percevejo’

Além disso, há os republicanos “brandos” e os indecisos, e Trump pode precisar deles para voltar à Casa Branca.

Era aí que sua nova postura unificadora pós-assassinato deveria entrar: ela tranquilizaria aqueles que antes o achavam destemperado ou simplesmente desagradável.

Mas esse novo Trump mais brando desapareceu assim que o ex-presidente deixou claro que estava se desviando do assunto e ignorando o teleprompter durante seu discurso de aceitação que encerrou a Convenção Nacional Republicana, com suas bizarras referências a um jantar com Hannibal Lecter, o canibal psicopata do filme O Silêncio dos Inocentes.

Depois de várias semanas em que a campanha de Biden teve que defender a capacidade mental de seu candidato, agora são os republicanos que têm um candidato cujo julgamento se torna cada vez mais uma questão relevante para os eleitores que agora estão observando atentamente indícios de caráter.

E episódios como seu discurso de comício no fim de semana em Grand Rapids, Michigan – um importante estado indeciso – onde ele se referiu à ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, como um “cachorro” e “tão louca quanto um percevejo” podem muito bem começar a parecer cada vez mais desvantagens se a disputa começar a ficar acirrada.


Sobre o autor 

Christopher Featherstone é pesquisador especializado em política externa dos EUA e do Reino Unido, e leciona na University of York.

Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons 

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