Estocolmo – Para estupefação de todos, a antes segura e pacífica Suécia se transformou em uma espécie de capital europeia do crime organizado: tiroteios e explosões mergulham boa parte da população em um transe coletivo de medo, ansiedade e insegurança, e a violência passou a ocupar um espaço nunca visto na mídia.
Gangues de tráfico de drogas se reproduzem como células, e o índice de mortes por armas de fogo na Suécia é hoje o segundo maior da Europa – atrás apenas da Albânia.
Na última década, a ocorrência de tiroteios com vítimas fatais mais do que triplicou nesta nação de dez milhões de habitantes. Em 2022, foram registrados 391, com 62 vitimas fatais.
Em 2023, a Suécia teve nove vezes mais casos de tiroteios fatais do que os vizinhos Noruega, Dinamarca e Finlândia juntos.
A violência, concentrada antes em áreas mais vulneráveis, atinge hoje subúrbios tranquilos das cidades grandes e também cidades menores.
Gangues atacam residências de rivais com dinamite e granadas de mão: no ano passado, foram registradas 139 explosões no país.
“Estamos lidando com organizações criminosas altamente violentas que desafiam a sociedade e que silenciam vítimas, ameaçam cidadãos, fraudam idosos e o Estado de Bem-Estar social, e que já se infiltram no Poder público e nos partidos políticos”, definiu o ministro da Justiça sueco, Gunnar Strommer.
Crianças de bairros menos favorecidos são recrutadas como ‘soldados’ de criminosos, que empurram cada vez mais jovens para o crime.
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A violência na TV da Suécia
Em abril, equipes de TV transmitiram ao vivo seus telejornais da cena de mais um crime que chocou o país: um pai que levava o filho de 12 anos para uma piscina pública em um subúrbio de Estocolmo foi baleado no rosto, ao ser abordado por um grupo de adolescentes. O homem morreu diante do filho.
“A partir de estudos e da nossa própria experiência, sabemos que a cobertura de eventos e tópicos difíceis podem ocasionar trauma nos jornalistas. É extremamente importante que os empregadores sejam responsáveis em relação a isso, e que estabeleçam procedimentos adequados para lidar com essas situações”, diz Ulrika Hyllert, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas da Suécia (Journalistförbundet).
Medidas simples, como apoio e acompanhamento dos jornalistas nas coberturas de maior complexidade que podem provocar trauma, representam muito, defende ela.
“Esta é uma questão que, no passado, tinha pouco espaço nas redações suecas. Hoje, cada vez mais vemos que o tema da saúde mental deixa de ser um tabu, embora ainda haja muito a ser feito”.
O efeito da violência sobre a saúde mental
“A violência que vemos hoje na Suécia afeta a sociedade como um todo. Aqueles que vivem nas áreas mais conturbadas por tiroteios e explosões são impactados pela ansiedade e pelo medo, e muitos se mudam para outras regiões.
A violência influencia a saúde mental e também os resultados escolares de crianças que crescem sob estas circunstâncias”, disse Manne Gerell, professor de Criminologia da Universidade de Malmö, em entrevista à TV pública SVT.
O governo de coalizão de centro-direita, eleito em 2022, acredita que o aumento da violência praticada por gangues criminosas está diretamente relacionado às políticas de imigração de governos anteriores. Até 2016 a Suécia tinha uma das mais generosas leis de imigração da Europa.
A mídia sueca nunca especifica a etnia ou a nacionalidade do autor de um crime: um criminoso é um criminoso, independentemente de sua origem, religião ou grupo étnico.
A polícia é orientada a não informar a nacionalidade de um criminoso, a fim de não estabelecer vínculo entre um crime e um grupo étnico e evitar o racismo na sociedade.
Especialistas apontam, no entanto, para um quadro muito mais complexo, em que as áreas mais afetadas pela criminalidade têm um padrão de vida inferior ao do restante do país.
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Reportagem Especial MediaTalks – Comunicação, Imprensa, Redes Sociais e a crise da Saúde Mental