Londres – Um encontro casual com Silvio Santos em Cancun em 2002 é mais uma das histórias de simplicidade e empatia com o público do apresentador carinhosamente lembrado por famosos e anônimos após sua morte, no sábado (17).

E que explicam o segredo do sucesso do maior comunicador (não só da TV) do país.

Foi durante o Carnaval, no Club Med, que na época nem era um dos hotéis mais luxuosos do balneário mexicano, com seu estilo despojado e esportivo. Era o último dia de sua estadia, e Silvio tomava o café da manhã acompanhado de sua esposa, Íris. Sem seguranças, ou qualquer assessor.

Como estávamos a três semanas da abertura do Club Med em Trancoso, na Bahia, e eu fazia parte da equipe que organizava as festividades de inauguração, tive a ousadia de me aproximar para convidar o casal a participar do evento, que reuniria celebridades brasileiras e internacionais.

Encontro com Silvio Santos: como se me conhecesse há muito tempo 

Em primeiro lugar, Silvio não se sentiu incomodado pela intromissão, e não demonstrou qualquer dissabor em estar sendo abordado por uma pessoa estranha.

Ao contrário, utilizou sua primeira característica: a de tratar a pessoa que se aproximava como se fosse uma conhecida. Abriu um sorriso enorme e parecia feliz de verdade em me encontrar, como se me conhecesse há tanto tempo quanto eu o conhecia. 

Sem pedir comprovação de meu cargo ou do que estava lhe dizendo, passou a tratar do assunto diretamente, e foi simpático como eu sempre o vi na TV desde que me entendo por gente. 

Inicialmente pediu para que eu repetisse meu nome. Achei que era porque não tinha entendido, porque fora pego de surpresa.

Mas era essa mais uma de suas características para encantar o interlocutor, seja uma pessoa diante dele ou uma audiência de milhões.

“Lucianaammmm”

E durante toda a conversa, fez questão de começar todas as frases com “Lucianamm..”, com um leve som de ‘m’ no final. 

Senti um leve estranhamento ao ouvir meu nome falado daquele jeito da primeira vez. Mas logo o efeito aconteceu: senti-me transportada para um palco imaginário.

Repetir o nome é uma técnica comum para não esquecer o nome da outra pessoa à qual você acabou de ser apresentada.

Mas no caso dele, também era uma forma de criar empatia, de fazer o interlocutor se sentir especial, relacionando a entonação com a memória afetiva dos programas que via aos domingos com a família. 

Ele disse que adorava o Club Med, mas que no Brasil não ia muito pois dificilmente conseguiria relaxar com os fãs à sua volta. 

E confirmou que teria muito prazer aceitar o meu convite. Só que quando lhe comuniquei a data, constatou que naquele dia deveria estar em Los Angeles, como convidado da cerimônia de entrega do Oscar, que o SBT transmitiria naquele ano.

“Que pena, Lucianammm!”.

Agradeci por ter conversado comigo, ele sorriu e nos despedimos – e eu desci do palco imaginário.

Silvio esperando na recepção, sem estrelismo

Fiquei pensando se a simplicidade e a forma de comunicar que me fizeram sentir especial não seriam apenas técnicas profissionais de um mestre da comunicação, decorrentes da minha posição e do convite que havia feito. 

Logo viria a resposta. Um dos funcionários brasileiros me contou como tinha sido a entrada de Silvio Santos no Club Med Cancún.

Como chegou bem antes do check-in, a recepção pediu que ficasse aguardando o horário em um sofá. Segundo o relato do funcionário, Silvio não lançou mão do ‘sabe com quem está falando?’, não falou alto, não tentou usar sua importância para quebrar as regras. 

Ainda bem que não precisou esperar muito, pois logo o brasileiro passou por lá e disse ter ‘gelado’ ao ver que uma das maiores personalidades do Brasil estava ali sem qualquer atenção especial.

Ele avisou à gerência de quem se tratava, e Silvio não precisou mais esperar tanto para entrar em seu quarto – sem reclamar por não ter sido tratado como estrela. 

O que ensinou o encontro com Sílvio Santos 

Esse talvez fosse o seu grande segredo: ser um mestre da comunicação não só quando subia no palco, mas também quando falava com uma estranha como eu ou quando não era reconhecido e se comportava com simplicidade.

Silvio Santos não é uma unanimidade. Depois de sua morte houve quem lembrasse passagens controvertidas de sua biografia. 

Mas o que testemunhei foi um exemplo de que o apresentador era genuíno na forma de se comportar e de se comunicar, no palco ou fora dele. 

E agora que Sílvio Santos se foi, lamento que não tenha sido um pouco mais tiete e pedido para fazer uma foto. Se existe céu e uma recepção, tenho certeza que certamente o reconheceram de imediato.