A prática de misturar narrativas espirituais com reflexões políticas, que se intensificou nas redes sociais durante a pandemia do coronavírus, agora se disseminou para outras questões, como as mudanças climáticas e até questões de gênero, segundo o ISD.
Entre as alegações encontradas pelos pesquisadores no estudo em contas de influenciadores de bem-estar estão a de que as alterações climáticas são o resultado da desconexão com a natureza ou com outras forças poderosas no universo, ou resultantes da “geoengenharia” ou de tentativas de “bloquear o sol”.
Conspiritualidade: elo entre espiritualidade e conspiração aplicada ao clima
O ISD explica que conceito de “conspiritualidade” foi inicialmente cunhado pelos pesquisadores Charlotte Ward e David Voas para descrever uma filosofia que mistura espiritualidade com teorias da conspiração.
Ela se sustenta em dois argumentos principais: a existência de um grupo secreto que controla ou tenta controlar o mundo e a iminência de uma transformação espiritual ou “mudança de paradigma” na consciência da humanidade.
Durante a pandemia, influenciadores do bem-estar passaram a compartilhar conteúdo antivacina, muitas vezes alinhados ao movimento conspiratório QAnon, que acusa elites globais de controlar o mundo em segredo.
Para realizar a investigação sobre a disseminação da conspiritualidade associada ao clima, o ISD analisou postagens de 154 influenciadores com grande alcance nas redes sociais publicadas em 2023, concentrando-se principalmente no Instagram, uma plataforma onde temas como estilo de vida, bem-estar e sustentabilidade têm forte presença.
Para serem incluídas no estudo, as contas tinham que oferecer explicitamente conselhos sobre saúde, estilo de vida e bem-estar; vender produtos relacionados (por exemplo, coaching, suplementos) ou promover alguma forma de desinformação relacionada à saúde ou teoria da conspiração, como conteúdo antivacina ou teses do movimento QAnon.
Os pesquisadores rastrearam como essas postagens ganharam engajamento e influenciaram o comportamento de seus seguidores, identificando padrões de como o discurso mudou de recomendações sobre alimentação saudável e práticas de mindfulness para desinformação sobre o aquecimento global, negando evidências científicas e promovendo teorias conspiratórias.
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As descobertas: do bem estar à desinformação
As narrativas adotadas pelos influenciadores de saúde alternativa examinados pelo ISD associam a crise climática a teorias da conspiração mais amplas, como a ideia de que elas são uma farsa criada pelas elites globais para controlar a população.
As teses principais são:
- Rejeição total da existência ou da influência humana nas mudanças climáticas;
- Ceticismo em torno do impacto das mudanças climáticas em desastres naturais;
- Ataque a intervenções políticas para mitigação, adaptação ou descarbonização;
- Conteúdo conspiratório sobre “elites” e sobre Fórum Econômico Mundial
O ISD observa que essa mudança está enraizada em uma tendência mais ampla de desconfiança em relação às autoridades, que começou com temas relacionados à saúde e vacinas e se expandiu para incluir a crise climática.
A ideia de que as mudanças climáticas são uma invenção da mídia ou uma manipulação de grandes corporações e governos é uma narrativa que encontra ressonância em um público já predisposto a teorias de conspiração.
Uma das dinâmicas mais preocupantes, segundo o estudo do ISD, é como esses influenciadores conseguem fazer a transição de um discurso de bem-estar para o de negação climática sem perder seguidores.
O estudo do ISD também destaca o papel do “algoritmo de recomendação” das redes sociais, que potencializa o alcance dessas mensagens, apresentando conteúdos semelhantes para usuários específicos nesses temas.
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A fusão entre saúde alternativa e teorias conspiratórias
Essa intersecção entre saúde alternativa e desinformação climática também reflete um ceticismo crescente sobre a ciência, salienta a pesquisa.
Esses influenciadores frequentemente questionam as recomendações científicas, comparando as evidências sobre as mudanças climáticas com os debates anteriores sobre saúde pública, como as campanhas de vacinação, usando essa desconfiança para validar suas posturas.
O estudo do ISD ressalta que o impacto da atuação desses influenciadores vai além de distorcer o debate público sobre as mudanças climáticas: eles minam a confiança no trabalho de cientistas e ativistas que trabalham para promover soluções para a crise ambiental.
Dessa forma, as pessoas podem se tornar menos inclinadas a aceitar políticas e e adotar práticas concretas em prol da sustentabilidade com base na ciência.
“Os “conspiritualistas” podem influenciar visões sobre as mudanças climáticas de novas maneiras, enquadrando o negacionismo dentro de sistemas de implicações emocionais, metafísicas ou mesmo religiosas mais amplas.
Tais relatos são adeptos de ideias expressas ou infundadas em conteúdo visualmente atraente com apelo de massa. Além disso, ao centralizar o indivíduo em grande parte de sua retórica, pode ressoar em um nível pessoal mais profundo do que o discurso público mais amplo sobre ciência climática, impactos e soluções potenciais.”
O risco é que, à medida que os impactos das mudanças climáticas se tornem mais visíveis, as pessoas recorrerão à explicação de “alternativas” em vez de dados confiáveis, motivadas por medo, sobrecarga ou sensação de impotência.
“Como tal, saber como se vacinar e desmascarar contra conteúdo conspiratório se torna cada vez mais importante, assim como mensagens positivas sobre como as pessoas podem enfrentar a crise climática”, aponta a organização.
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Impacto da conspiritualidade na ação coletiva para mitigar a crise do clima
A pesquisa levanta ainda outra questão preocupante: o quanto essas mensagens podem interferir na ação coletiva em torno da crise climática.
Ao confundir o público com informações erradas, esses influenciadores tornam mais difícil construir o consenso necessário para lidar com o desafio do aquecimento global, alerta o ISD.
Isso pode afetar o ativismo climático e consequentemente a pressão sobre governos e empresas para adotarem práticas mais sustentáveis.
O ISD levantou ainda preocupações sobre o risco de a moderação automatizada de conteúdo por parte das plataformas digitais não estar sendo capaz de lidar com esse tipo de desinformação sobre as mudanças climáticas, e cobrou transparência sobre como elas identificam e respondem a narrativas apoiadas na conspiritualidade.
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