Ao fim de um julgamento que se estendeu por mais de dois anos, o ex-oficial militar Alberto Rivero Valdeavellano foi condenado por um tribunal peruano a 18 anos de prisรฃo pelo desaparecimento do jornalista Jaime Ayala Sulca, realizado por pessoas sob seu comando em Ayacucho hรก 40 anos.
O crime contra Ayala faz parte do Caso Huanta 84 , que tambรฉm inclui os assassinatos de seis membros da Igreja Evangรฉlica Presbiteriana de Callqui e a descoberta de 50 corpos nas sepulturas de Pucayacu. Todos esses crimes ocorreram em 1984, um dos momentos mais violentos do conflito interno no Peru.
A juรญza Miluska Cano, que preside a Quarta Cรขmara Penal Nacional para Liquidaรงรฃo Temporรกria do Tribunal Penal Nacional Especializado, tambรฉm ordenou na sentenรงa proferida em 30 de setembro uma indenizaรงรฃo de 100.000 soles (cerca de US$ 27.000) para cada um dos parentes diretos das vรญtimas.
Penas para o Estado peruano por desaparecimento do jornalista
A decisรฃo estabeleceu ainda medidas de reparaรงรฃo abrangentes a serem oferecidas pelo Estado, como atendimento psicolรณgico e mรฉdico para os parentes diretos das vรญtimas.
Por fim, foi estabelecido que o Estado ofereรงa um pedido pรบblico de desculpas pelo โgrave erro ao qual sujeitou as partes lesadas e suas famรญlias ao considerรก-las injustamente como elementos terroristasโ, de acordo com a decisรฃo.
โRecebo esta decisรฃo como uma sentenรงa histรณrica porque depois de 40 anos a justiรงa foi feitaโ, disse Rosa Luz Pallqui, esposa do jornalista, ร LatAm Journalism Review (LJR).
Embora o Ministรฉrio Pรบblico tenha solicitado uma pena de 25 anos, Juan Josรฉ Quispe, advogado da famรญlia do jornalista, disse que a sentenรงa รฉ relevante, pois condena “uma das mais altas autoridades da Marinha em Huanta em 1984”, disse ele ร LJR.
O advogado acrescentou que, por se tratar de uma condenaรงรฃo por crimes contra a humanidade, o ex-militar nรฃo goza de nenhum benefรญcio prisional, nem de exceรงรฃo, nem de indulto.
No entanto, as autoridades devem primeiro localizar Rivero Valdeavellano, que estรก foragido desde que a sentenรงa foi anunciada, de acordo com Quispe.
As audiรชncias, disse o advogado, foram realizadas virtualmente e, no dia da sentenรงa, o acusado desligou a cรขmera e โfoi para a clandestinidadeโ.
40 anos esperando por justiรงa
Ayala Sulca, com 22 ร รฉpoca do desaparecimento, tinha um programa jornalรญstico na Rรกdio Huanta 2000 e era correspondente do jornal La Repรบblica.
Ele cobria temas que iam desde a violรชncia da guerrilha do Sendero Luminoso atรฉ denรบncias sobre casos de tortura, desaparecimentos, execuรงรตes e detenรงรตes ilegais cometidos por membros da Marinha em Huanta.
Em 2 de agosto de 1984, Ayala Sulca foi ao Quartel General de Infantaria Naval localizado no Estรกdio Municipal de Huanta para registrar uma queixa por uma invasรฃo na casa de sua mรฃe no dia anterior e pelo espancamento de seu irmรฃo por membros do exรฉrcito.
Vรกrias testemunhas que falaram com o Ministรฉrio Pรบblico e a Comissรฃo da Verdade e Reconciliaรงรฃo disseram que viram o jornalista entrar no estรกdio, mas nunca o viram sair.
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Jornalista despareceu devido ao seu trabalho
Para Quispe, tambรฉm รฉ importante que a sentenรงa tenha chegado a tempo da comemoraรงรฃo do Dia do Jornalista no Peru [1ยบ de outubro], porque reconhece que o motivo do desaparecimento do jornalista tinha a ver com seu trabalho, como descreveu o juiz na sentenรงa.
โEles [membros da Marinha] o procuravam para prendรช-lo porque, na sua qualidade de jornalista, correspondente do jornal La Repรบblica, fazia reportagens jornalรญsticas, que eram um obstรกculo ร polรญtica de luta contra-subversiva que os militares estabeleciam na รกrea.”
Quispe tambรฉm destacou que a sentenรงa confirmou que nenhuma das vรญtimas tinha vรญnculos com o Sendero Luminoso, apesar das acusaรงรตes de vรกrios militares apรณs os crimes terem sido cometidos.
โร importante porque sempre hรก esse estigmaโ, disse Quispe.
โO Tribunal disse que, em vez disso, o que eles [a Marinha] fizeram foi deter, desaparecer e executar pessoas de lรญngua quรฉchua, de status humilde, pela simples suspeita de pertencer a essa organizaรงรฃo terrorista ou colaborar com ela, como uma polรญtica sistemรกtica e generalizada da Marinha em Huanta em 1984.โ
Tambรฉm em julgamento como parte do caso Huanta 84 estava Augusto Gabilondo Garcรญa del Barco, ex-chefe da base anti-subversรฃo de Huanta.
No entanto, o juiz decidiu reservar seu julgamento porque ele nรฃo estรก no Peru. As autoridades presumem que ele esteja na Espanha aguardando procedimentos de extradiรงรฃo.
โEu estava esperando a sentenรงa dos dois rรฉusโ, disse Pallqui.
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A chamada โLei da Impunidadeโ nรฃo foi aplicada
Outro aspecto que Quispe e Pallqui destacaram foi a nรฃo aplicaรงรฃo da chamada ‘Lei de Impunidade’, que havia sido solicitada por Garcรญa del Barco.
A lei, promulgada pelo Congresso em 9 de agosto, permite o estabelecimento de um estatuto de limitaรงรตes para crimes contra a humanidade cometidos antes de 1ยบ de julho de 2002 por grupos terroristas e militares.
Na decisรฃo, o juiz determinou, entre outras disposiรงรตes, que os casos relacionados a violaรงรตes de direitos humanos devem ser analisados โโseguindo a Convenรงรฃo Americana sobre Direitos Humanos ou decisรตes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdiรงรฃo o Peru reconhece desde 1981.
โ[O juiz] disse que crimes considerados contra a humanidade, como este caso, sรฃo de natureza imprescritรญvelโ, disse Quispe.
โIsso รฉ muito importante porque abre um precedente para outros casosโ, disse Pallqui.
Embora ela e seu filho Boris, que tinha quatro meses quando o pai desapareceu, destaquem a decisรฃo, eles consideram a busca pelo corpo dele vital.
โEsperamos que o รณrgรฃo governamental que busca pessoas desaparecidas continue procurando por ele atรฉ que seja encontrado, para que possamos lhe dar um enterro cristรฃoโ, disse Pallqui.
Este artigo foi publicado originalmente na LatAm Journalism Review e รฉ republicado aqui sob licenรงa Creative Commons CC BY-NC-ND 4.0. Todos os direitos reservados ao autor.
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