Entender a complexa ciência climática pode ser bem complicado mesmo na própria língua.
Então o que acontece quando nenhuma das principais informações climáticas é publicada em sua língua nativa?
A maioria das pessoas é excluída de conversas e decisões sobre como lidar com a maior ameaça à humanidade porque não consegue acessar facilmente relatórios precisos.
Como entender a ciência do clima?
Quase 90% de publicações científicas sobre o clima são em inglês, explica Marco Saraceni, professor de linguística na Universidade de Portsmouth.
“Este é um domínio impressionante de apenas uma língua. Mas o inglês, frequentemente chamado de língua global, é falado apenas por uma minoria da população mundial”.
Entre 1 e 2 bilhões de pessoas falam inglês – então, como Saraceni destaca:
“Pelo menos três quartos da população mundial não falam a língua em que a ciência climática é disseminada globalmente.
Ao mesmo tempo, línguas diferentes do inglês são marginalizadas e lutam para encontrar espaço na comunicação global da ciência do clima”.
A alfabetização climática
Os idiomas são uma barreira significativa para a transferência global de conhecimento da ciência climática, de acordo com um estudo de 2016.
Das 100 revistas científicas de maior prestígio, 91 são publicadas no Reino Unido e nos EUA. No entanto, os maiores efeitos da crise climática estão sendo sentidos no mundo em desenvolvimento.
Esse preconceito generalizado de linguagem leva a desigualdades, argumenta Saraceni. Uma maneira de quebrar a barreira do monolinguismo inglês envolve usar IA para promover o multilinguismo, ele explica.
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Empresa traduz as informações climáticas para vários idiomas
Um exemplo notável é o trabalho da Climate Cardinals , uma organização sediada nos EUA que tem a missão de “tornar o movimento climático mais acessível para aqueles que não falam inglês”.
Sua rede de milhares de jovens voluntários está traduzindo informações climáticas para mais de 100 idiomas. Agora, ferramentas especializadas do Google também estão sendo usadas para acelerar a tradução desses recursos.
Mesmo nas salas de aula de língua inglesa, nem todos se envolvem igualmente com a educação climática , como pesquisadores de educação climática da UCL descobriram recentemente quando entrevistaram mais de 2,4 mil alunos de 11 a 14 anos na Inglaterra.
O estudo deles revelou que muitos alunos desfavorecidos não se envolveram emocionalmente com a crise climática.
Em contraste, alunos de origens mais favorecidas tendiam a querer aprender mais e estavam mais inclinados a tomar medidas positivas para ajudar o meio ambiente.
Os pesquisadores acharam essa variação na alfabetização climática e nas oportunidades educacionais “altamente preocupante” – principalmente porque crianças de origens desfavorecidas são mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
“Mas a capacidade limitada dessas crianças de se envolver com questões climáticas também é compreensível”, eles acrescentaram, “considerando o estado da pobreza infantil no Reino Unido e os desafios mais imediatos que elas provavelmente estão enfrentando”.
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Clima na sala de aula
Felizmente, há esperança. Ao trazer atividades criativas e artesanato para as aulas sobre o clima, os alunos podem se conectar mais facilmente com a natureza por meio da arte, refletir sobre suas emoções e experimentar contar histórias.
Isso, sugere o estudo, apoia seu senso de atitude (experiência de produzir efeitos no mundo exterior através das próprias ações) e empoderamento. Então, a alfabetização sobre o clima é muito mais do que conhecer os fatos ou aprender a ciência climática.
A narrativa inovadora também pode empoderar a comunidade surda. Recentemente, pela primeira vez na edição britânica do The Conversation, Audrey Cameron publicou um artigo em formato de vídeo usando a linguagem de sinais britânica , com a tradução escrita abaixo.
Cameron, parte da equipe de desenvolvimento de sinais do Scottish Sensory Centre da Universidade de Edimburgo, explica como novos sinais para conceitos ambientais são projetados para tornar mais fácil para pessoas surdas discutirem questões climáticas:
O sinal para ‘pegada de carbono’ não tenta combinar sinais para carbono e pegada. Em vez disso, ele mostra emissões de carbono sendo liberadas na atmosfera, com a velocidade do movimento indicando níveis de emissão.
Essa abordagem torna conceitos complexos imediatamente compreensíveis, eliminando a necessidade de soletrar com os dedos, o que consome muito tempo.
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Até os cientistas climáticos são excluídos
Uma pesquisa publicada no ano passado revela a enormidade da barreira linguística enfrentada por cientistas que não são fluentes em inglês.
O projeto australiano translatE foi lançado em 2019 para investigar as consequências exatamente disso.
Tatsuya Amano, um professor de ciências biológicas na Universidade de Queensland, Austrália, faz parte da equipe do projeto translatE. Ele observa que a IA é útil, mas não está sendo adotada por todos os editores acadêmicos:
“A British Ecological Society integrou recentemente uma ferramenta de edição de linguagem de IA no sistema de submissão de seus periódicos. No entanto, alguns periódicos proibiram o uso de tais ferramentas”.
Henry Arenas-Castro, um biólogo evolucionista também da Universidade de Queensland, chega a descrever as editoras acadêmicas como “as guardiãs do conhecimento científico” .
Sua equipe analisou as políticas de 736 periódicos de ciências biológicas e descobriu que a maioria fez apenas esforços mínimos para superar as barreiras linguísticas na publicação acadêmica.
Mudar isso poderia, ele diz, encorajar a participação de uma comunidade científica multilíngue.
Amano incentiva a comunidade científica a abraçar a diversidade e reformular os falantes não nativos de inglês como um ativo.
“Ao transferir informações através das barreiras linguísticas”, ele explica, “os falantes não nativos de inglês fornecem visões diversas que não podem ser acessadas de outra forma. Eles têm um papel indispensável na contribuição para a base de conhecimento da humanidade.”
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Discussões climáticas com grupos diversos
Ettinger, da Universidade de Oxford, estuda como promover discussões climáticas bem-sucedidas entre diversos grupos de pessoas.
Ao fazer mais perguntas sobre os problemas e realmente ouvir as respostas, ele diz que as pessoas podem inspirar mais engajamento com as mudanças climáticas.
Ele projetou um mapa interativo on-line que qualquer um pode usar para rastrear as conversas sobre o clima que eles têm – em qualquer idioma – com outras pessoas ao redor do mundo.
“Ao falar com nossa família, amigos e comunidades sobre isso, podemos ajudar a manter a atenção que essa questão crucial merece e ampliar o grupo de pessoas engajadas na ação climática”, ele escreve.
Miki Mori, uma pesquisadora linguística baseada na Ilha de Mayotte, na costa de Madagascar, estuda a linguagem que as comunidades locais usam para descrever as mudanças climáticas .
“Pescadores locais em Mayotte lutam para falar sobre o fenômeno porque não há uma terminologia estabelecida para ele”, ela diz.
“O que meus colegas e eu aprendemos é oferece algum insight sobre as dificuldades que as pessoas em muitas culturas têm para entender as mudanças climáticas.
No grande esquema da educação sobre mudanças climáticas e esforços de sustentabilidade, esse problema aparentemente menor de tradução é, na verdade, sintomático de uma questão maior e subjacente sobre o relacionamento entre humanos e seu ambiente”.
Fortes crenças espirituais e religiosas também podem informar a interpretação das pessoas. Mori explica:
“Os pescadores que entrevistamos, muitos dos quais tinham uma fé islâmica profunda, frequentemente respondiam com ‘ Inshallah’, ou se Deus quiser, quando questionados sobre os esforços que a comunidade poderia fazer no futuro para resolver o problema.
Eles viam esses eventos relacionados às mudanças climáticas como algo fora de suas mãos – como algo em que somente Deus poderia interferir”.
Mori observa que tradutores como os voluntários do Climate Cardinals devem sempre considerar o contexto de seu trabalho.
“Em seus esforços para traduzir pesquisas e fenômenos relacionados, eles precisam pensar cuidadosamente sobre como palavras importantes são traduzidas e entendidas.”
Mori conclui que, como a necessidade de conscientização sobre as mudanças climáticas só aumentará, “é preciso ter cuidado sobre como esses conceitos são vividos, compreendidos e falados em cenários não ocidentais”.
“A linguagem é parte integrante desses esforços e merece ser considerada com mais cuidado”, completa.
Sobre a autora
Anna Turns é editora sênior de meio ambiente do Imagine. Estudou biologia e já trabalhou em produção de TV, em rádio e em revistas. Como jornalista ambiental freelancer escreveu para The Guardian, BBC Future, New Scientist e Positive News, com foco em soluções. Seu primeiro livro ‘Go toxic free: maneiras fáceis e sustentáveis de reduzir a poluição química’, foi publicado em 2022.
Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.
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