Se a visibilidade das mudanças climáticas parece estar caindo no mundo, talvez a culpa esteja justamente nos responsáveis: um novo estudo revelou como indústrias com alto grau de emissões de carbono estimularam o negacionismo sobre questões ambientais e climáticas nas redes sociais.
A pesquisa, publicada na revista PLOS Climate, avaliou ações coordenadas de empresas de combustíveis fósseis, plásticos e agroquímicos no Twitter/X, indicando que o setor teria uma articulação de publicações conjuntas para atrasar ou negar a ação climática.
Com dados coletados entre 2008 a 2023, a pesquisa mostra que esta indústria teria criado “câmaras de eco” sobre a pauta ambiental antes mesmo da gestão Elon Musk enfraquecer o combate à desinformação climática.
Setor do carbono mirava cinco temas nas redes
Intitulada “Networks of climate obstruction: Discourses of denial and delay in US fossil energy, plastic, and agrichemical industries” (“Redes de obstrução climática: discursos de negação e atraso nas indústrias de energia fóssil, plástica e agroquímica nos EUA”, em tradução livre), a pesquisa avaliou mais de 125.000 tweets entre nove grandes organizações do setor.
Dentre as selecionadas, duas se tratavam de gigantes do combustíveis (ExxonMobil e Chevron), de polímeros (Dow Inc. e Dupont) e agroquímicos (Corteva Agriscience e FMC Corp).
Outras três instituições — American Petroleum Institute (API), American Chemistry Council (ACC) e American Farm Bureau Federation (AFB) — são, respectivamente, as principais associações comerciais de cada um destes setores.
Dentre os resultados, os pesquisadores encontraram cinco categorias cuja indústria de combustíveis fósseis estaria, de alguma forma, estimulando negacionismo climático nas redes: a economia nacional, sustentabilidade, as tubulações, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA e água.
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A pesquisa destaca que as empresas estariam agindo em conjunto para influenciar a educação e o debate público sobre o tema, marcando umas às outras em publicações, disseminando hashtags em comum e inflando publicações cujos interesses estariam alinhados.
Através dessa interação, segundo a pesquisa, estas empresas estariam criando “câmaras de eco” que reverberam contra os esforços de conscientização ambiental atuais.
Alaina Kinol, líder do estudo e doutoranda em políticas públicas pela Universidade Northeastern, de Boston, afirma que este é o primeiro esforço em provar uma conexão entre estes setores que também estão interessados em coibir processos de descarbonização.
“Não devemos olhar apenas para [o setor de] energia, que é onde muito da atenção está concentrada hoje”, afirma ela em entrevista ao site de notícias Grist.
Atualmente, boa parte destas empresas depende do carbono como matéria prima para suas atividades.
No setor de combustíveis, é usado na fabricação de derivados do petróleo. Para a indústria do plástico, ele é essencial para a produção de hidrocarbonetos usados em diferentes materiais. Já na agroquímica, compõe a base de pesticidas usados em larga escala em plantações.
Empresas aplicavam oito táticas para promover negacionismo
Para promover sua agenda nas redes sociais, as empresas do carbono aplicavam oito táticas distintas, sendo quatro delas para atraso climático e outras quatro para negacionismo climático.
No atraso climático, o objetivo das empresas é reduzir a noção pública de que mudanças ambientais são urgentes.
A principal delas é a de “não transformação” — apostar na promoção de medidas aparentemente sustentáveis, mas que não possuem evidência de grande impacto, como por exemplo, a captura de carbono ou políticas de reciclagem.
Outras retóricas envolvem esquemas já populares, como o “redirecionamento” (que é quando empresas passam a responsabilidade para as mudanças para ações dos consumidores) ou a “desistência” — a ideia de que não é possível aplicar estas mudanças.
Outra tática, mais perniciosa, é a a ênfase no aspecto negativo da descarbonização, apontando que as consequências do processo piorariam a vida em comparação ao momento atual.
Já os argumentos negacionistas utilizam discursos que, de uma forma ou de outra, sugerem que as mudanças climáticas “não são reais”, “não são assim tão ruins”, ou que simplesmente negam ligações do tema com a indústria de combustíveis fósseis.
Dentre este tipo de conteúdo, porém, existe uma artimanha à parte — a de que a questão climática “já está sendo abordada”.
Nessa linha de raciocínio, as empresas reforçariam que não há uma crise ambiental em escala mundial ao divulgar estudos que transmitem uma ideia de que outros setores já solucionaram ou estão resolvendo esta questão.
Para os pesquisadores, os principais objetivos destas táticas seriam provar que não há necessidade de regulamentação, deixando empresas livres para agir sem intervenção externa.
Mas para Jennie C. Stephens, co-autora do artigo e professora de justiça climática na National University of Ireland, também se trata de um esforço de anos para dominar a discussão sobre o tema.
“Tudo se conecta de volta a esta estratégia abrangente de tentar controlar a narrativa, (…) reforçando esta sensação de que não há maneira de eliminarmos os combustíveis fósseis, não importa o quão ruim a crise climática fique”, afirma ela ao Grist.
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