A maior plataforma de compartilhamento de vídeos do mundo, o YouTube, completou 20 anos em fevereiro.
Ela foi iniciada sem grandes pretensões em 2005 pelos ex-funcionários do PayPal Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, com um vídeo de 19 segundos mostrando Karim visitando o Zoológico de San Diego.
Naquele ano, o impacto do YouTube na mídia foi tão pequeno que o jornal britânico The Guardian sequer mencionou a plataforma em sua cobertura sobre a Revolução Digital da TV no Festival de TV de Edimburgo. Vinte anos depois, a história é diferente.
YouTube e influência
O YouTube tornou-se um grande concorrente da TV, uma potência do engajamento, com uma quantidade de vídeos novos sendo postada a cada cinco minutos equivalente às 2.400 horas de vídeo que os estúdios da BBC produzem em um ano inteiro.
A estrela do YouTube MrBeast, de 26 anos, ganhou US$ 85 milhões em 2024 com vídeos — variando de jogos do game Call of Duty transmitidos ao vivo até a distribuição de 1 mil operações de catarata gratuitas.
Como negócio, o YouTube vale cerca de US$ 455 bilhões (estimativa da Bloomberg de 2024). Isso é um retorno espetacular de 275 vezes sobre o US$ 1,65 bilhão que o Google pagou por ele em 2006.
Pelo valor de mercado atual do YouTube, o Google poderia hoje comprar a emissora britânica ITV cerca de 127 vezes.
O YouTube tem receita bruta semelhante (US$ 36,1 bilhões em 2024) à gigante do streaming Netflix – mas sem a inconveniência financeira de produzir os programas, já que a maior parte do conteúdo é publicada pelos autores gratuitamente.
O YouTube conta com 2,7 bilhões de usuários ativos mensais, ou 40% de toda a população global fora da China, onde está bloqueado.
Ele é também é um dos maiores sites de streaming de música e a segunda maior rede social (depois do Facebook), além de funcionar como um canal de streaming pago para 100 milhões de assinantes.
O YouTube construiu uma videoteca “Biblioteca de Babel”. Suas prateleiras enormes são ecléticas, com vídeos como a dança do Baby Shark, outro sobre como consertar fossas sépticas, uma postagem sobre quem venceria uma guerra entre a Grã-Bretanha e a França… e produções sobre física quântica.
O site dominou a programação infantil global a ponto de a revista Wired apontar que o futuro desse gênero na verdade “não é a televisão“.
Mas também há falhas: ele tem sido descrito como um propagador de desinformação por agências verificadoras de fatos.
Então, como tudo isso aconteceu? Oito inovações importantes ajudaram o YouTube a atingir seu sucesso.
1. Como a nova criatividade é financiada
As mídias tradicionais – televisiva e impressa -trabalham com o risco fixo de contratar um escritório cheio de produtores e roteiristas, ou a abordagem variável, mas arriscada, de pagamento único de freelancers.
Das duas formas, a despesa sai do bolso da emissora. Se o conteúdo não chamar a atenção dos espectadores, ela perde dinheiro. O YouTube acabou com tudo isso, transferindo o risco inteiramente para o criador e não pagando adiantado.
Ele não precisa lidar com problemas como a estrela principal passando a noite na balada e chegando atrasada no estúdio, sem mencionar outros aspectos chatos da produção, como seguro, fluxo de caixa ou contratos.
2. O modelo de receita da mídia
O YouTube inovou ao dividir quaisquer ganhos com o criador por meio de um compartilhamento de receita de publicidade de aproximadamente 50% (o valor exato varia na prática).
Isso incentiva os criadores a estudarem a ciência do engajamento, pois isso lhes dá mais dinheiro. O youtuber MrBeast tem uma equipe contratada apenas para otimizar as miniaturas de seus vídeos.
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3. Publicidade no YouTube
Juntamente com a empresa controladora Google/Alphabet, e especialmente com a introdução do YouTube Analytics (em março de 2007) e outras tecnologias, o site adicionou mais adrenalina à publicidade dos vídeos, com o espaço publicitário em torno de um espectador específico sendo leiloado digitalmente para o maior comprador, em tempo real.
Isso significa que quando você acessa um vídeo com uma nota alta da Beyoncé e antes vê um anúncio do Grammarly , o anunciante algoritmicamente gostou da aparência do seu perfil, então deu um lance para mostrar o anúncio a você.
Quando esse sistema funciona, ele é extremamente eficiente. Essa é principal razão pela qual o amplo mercado de publicidade de TV aberta com base em dados demográficos tem sido tão desafiado pelo YouTube.
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4. Quem faz o conteúdo
Cerca de 50 milhões de pessoas agora se intitulam criadores profissionais, muitas delas no YouTube. Influenciadores usaram o site para construir negócios sem mediação de executivos (geralmente homens e brancos) na mídia tradicional.
Isso impulsionou, na melhor das hipóteses, um grande movimento em direção à democratização e globalização da produção de conteúdo.
Brasil e Quênia têm criadores do YouTube faturando alto. A plataforma proporciona distribuição global a diversas vozes que não conseguiriam ter espaço no ecossistema de mídia do século XX.
5. A maneira como contamos histórias
Anúncios de TV e filmes tradicionais começam devagar e vão até o clímax. Não é assim com os vídeos do YouTube — e ainda mais, os shorts do YouTube — que priorizam um grande hit emotivo nos primeiros segundos para engajamento e hits regulares para manter as pessoas lá.
As notas internas vazadas do MrBeast descrevem como fazer a escalada sequencial, ou seja, passar para detalhes mais elaborados ou extremos conforme o vídeo avança:
“Um exemplo de uma tática de um a três minutos que usaríamos é a progressão maluca”, ele diz, refletindo sobre seu intenso dever de casa. “Passei basicamente cinco anos da minha vida estudando como se tornar viral no YouTube.”
6. Direitos autorais no YouTube
Em 2015, se alguém roubasse sua propriedade intelectual — digamos, episódios antigos do Mr. Bean — e retransmitisse em seu próprio canal, você chamaria um advogado de mídia e processaria.
Agora, há uma opção melhor — Content ID — para ficar com o dinheiro. Por meio da monetização de direitos digitais (DRM), os proprietários podem descobrir algoritmicamente seu próprio conteúdo e reivindicar a receita de anúncios, um novo fluxo de renda material para os produtores.
7. Aspectos técnicos do vídeo no YouTube
A maioria das inovações técnicas na produção de vídeo chegou ao mainstream por meio do YouTube, como 360 graus, 4k, VR (realidade virtual) e outras siglas tecnológicas.
Agora, o YouTube começou a integrar IA generativa em seu conjunto de produção de programas para criadores, com forte integração das ferramentas Veo do Google.
Isso oferecerá, de acordo com o CEO Neal Mohan, “acesso à IA para bilhões de pessoas ao redor do mundo”. Esta é outra ameaça competitiva aos produtores tradicionais, porque os criadores que produzem vídeos em seus quartos agora podem fazer seus próprios episódios de fanfic de Star Wars com muitos efeitos visuais.
8. Notícias
O YouTube se tornou um foco de desinformação, informações falsas e conspiração, pois usa um algoritmo de aprendizado por reforço que prioriza o tempo de visualização, mas não a precisão editorial.
Os fãs da conspiração da Covid puderam ver vídeos de “risco à saúde 5G” ou “chemtrail”, porque o algoritmo sabia que eles poderiam gostar de assistir.
Como os grandes veículos de mídia tradicionais podem responder? Simples. Encontrando o público onde os espectadores estão e colocando seu conteúdo no YouTube.
A BBC tem 14,7 milhões de assinantes do YouTube. A ITV está explorando seu catálogo para colocar episódios antigos de Thunderbirds lá.
Enquanto isso, em fevereiro de 2025, o Channel 4 também anunciou sucesso em atingir jovens espectadores via YouTube. As visualizações dos episódios “aumentaram 169% ano a ano, ultrapassando 110 milhões de visualizações orgânicas no Reino Unido”.
Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.
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