Três anos após o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o jornalismo ucraniano enfrenta desafios cada vez maiores.
Desde a invasão do país pela Rússia, em 2022, 40% dos veículos de comunicação ucranianos foram forçados a fechar, principalmente devido à ocupação ou às dificuldades financeiras causadas pela guerra. Muitos deles são do leste da Ucrânia, região ocupada pela Rússia.
Jornalistas e veículos de comunicação ucranianos também se tornaram alvos de ataques. Mais de 100 profissionais da mídia foram mortos desde o início da guerra.
Alguns, como a jornalista Viktoriya Roshchyna, de 28 anos, foram capturados pelas forças russas e morreram em condições brutais em cativeiro. Pelo menos 30 profissionais da mídia ainda estão presos na Rússia.
Outros perderam a vida em ataques de mísseis e drones russos, como Tetiana Kulyk, que morreu em fevereiro ao lado do marido, um cirurgião, depois que sua casa foi atingida por um drone.
Para os jornalistas que permanecem, a fadiga é um grande problema. Muitos estão emocionalmente exaustos. Alguns não conseguem lidar com a situação e deixam seus empregos.
O Sindicato Nacional de Jornalistas da Ucrânia (NUJU) ajuda com seminários e apoio psicológico. Apesar dos perigos, a mídia local continua com muito a noticiar sobre o que acontece perto das linhas de frente da guerra.
Esses veículos perderam muito – publicidade, assinantes e equipe – mas seus jornalistas ainda têm paixão e determinação para continuar seu trabalho documentando a história.
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O papel da mídia local nas linhas de frente
De acordo com pesquisadores que entrevistaram 43 veículos de mídia locais independentes no ano passado, os principais desafios para as redações não mudaram desde o início da guerra:
- Escassez de funcionários (22% dos entrevistados disseram que isso era um desafio em 2023, em comparação com 16% em 2022);
- Estresse psicológico (18% em 2023, 16% em 2022);
- Falta de recursos (16% em ambos os anos).
Frequentemente, jornalistas são obrigados desempenhar diferentes papéis em seu trabalho, incluindo os de motoristas, carteiros e até mesmo psicoterapeutas.
Sem telefones ou internet funcionando adequadamente em áreas próximas às linhas de frente, jornais impressos continuam sendo a única fonte de informação confiável para muitas pessoas que vivem nessas regiões.
As informações que precisam receber incluem desde planos de evacuação e ajuda humanitária a conteúdo não relacionado à guerra, como horários de transporte público e como acessar medicamentos e itens necessários para reparos domésticos.
Tetiana Velika, editora-chefe do Voice of Huliaipillia, jornal do sudeste da Ucrânia, foi uma dos cerca de 120 jornalistas que participaram de uma recente conferência online organizada pelo Sindicato Nacional de Jornalistas do país para discutir a situação da mídia local.
Ela disse que o veículo permaneceu conectada com os leitores por meio da abertura e autenticidade. Entre as ações adotadas estão o uso das redes sociais, a divulgação de números de celular de jornalistas e a disponibilidade para atender os leitores a qualquer momento.
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400 km por semana para distribuir um jornal na Ucrânia
Vasyl Myroshnyk, editor-chefe do Zorya, um jornal no leste da Ucrânia, descreveu como ele viajava 400 quilômetros por semana para entregar cópias de seu jornal até mesmo nos lugares mais perigosos.
Svitlana Ovcharenko, editora do jornal Vpered na cidade de Bakhmut, que foi destruída pelas forças russas nas primeiras semanas da guerra, disse que o jornal continua sendo uma tábua de salvação para uma população deslocada.
“Temos uma situação única — não temos uma cidade. Ela é virtual, está apenas no mapa, não existe fisicamente.
Não só foi destruída, mas também foi bombardeada com bombas de fósforo, e ninguém mora lá”
Ovcharenko, que agora mora na cidade de Odesa, disse que os leitores de seu jornal estão espalhados por todo o mundo. (Há 6.000 cópias impressas distribuídas semanalmente pela Ucrânia.)
A cobertura se concentra em como os antigos moradores de Bakhmut recomeçaram suas vidas em outros lugares, ao mesmo tempo em que prestam homenagem ao passado da cidade.
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A mídia independente agora está em jogo
A obtenção de recursos financeiros continua sendo um desafio enorme. A receita de publicidade secou para muitos veículos, deixando os doadores internacionais como a principal fonte de financiamento do jornalismo .
Agora, o governo e Donald Trump nos Estados Unidos está destruindo grande parte desse financiamento por meio do desmantelamento da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
De acordo com uma estimativa, 80% dos veículos de mídia ucranianos receberam financiamento da USAID.
Como disse Oksana Romaniuk, diretora do Instituto de Informação de Massa:
“Quase todos mundo tinham subsídios. A questão é que, para alguns, esses subsídios equivaliam a 100% de sua renda e eles só conseguiam sobreviver graças a esses recursos. Os subsídios equivaliam a 40–60% dos custos operacionais para alguns, menos para outros”.
Pesquisadores afirmam que sem ajuda de doadores ou apoio orçamentário estatal em 2025, o número de jornais e revistas podem diminuir em mais 20% na Ucrânia, enquanto a circulação de assinaturas pode cair em 25–30%.
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Sem recursos, veículos da Ucrânia começam a fechar
A forte dependência do financiamento externo já levou ao fechamento de alguns veículos, enquanto outros foram forçados a lançar campanhas públicas de arrecadação de fundos.
O financiamento de doadores também deu independência aos veículos ucranianos, permitindo que relatassem a corrupção dentro do governo, por exemplo. Muitos deles estão agora sujeitos a serem adquiridos por organizações comerciais ou políticas.
Quando esses grupos ganham o controle, eles podem influenciar a cobertura da mídia para beneficiar seus próprios interesses. Isso é conhecido como “captura de mídia“.
Pesquisas mostram como isso ocorreu em outros países pós-conflito e em desenvolvimento, nos quais veículos de mídia independentes foram transformados em entidades empresariais mais focadas em lucros e em manter boas relações com as autoridades do que em produzir jornalismo de qualidade.
Este é um momento crítico para o futuro da mídia ucraniana, para garantir que ela permaneça financeiramente autossuficiente e livre da influência tanto da propaganda russa quanto dos oligarcas ucranianos.
Sem esse financiamento, a mídia independente e a democracia da Ucrânia permanecerão sob terrível ameaça.
Este artigo foi originalmente publicado no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.
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