35Desde 25 de julho , quando entrou em vigor uma nova lei de segurança digital, internautas do Reino Unido que acessarem sites com conteúdo pornográfico precisarão provar que não são menores de 18 anos de idade.  

Essa é uma medida que vem se desenrolando há algum tempo. Foi proposta em 2014 pelo regulador de vídeo sob demanda e transformada em lei introduzida em 2019 através do British Board of Film Classification, órgão britânico responsável pela classificação etária de filmes e vídeos.

É claro que é importante impedir que crianças acessem material inadequado online. Porém, como costuma acontecer com soluções tecnológicas para problemas sociais, todos os métodos disponíveis de verificação de idade trazem desvantagens significativas em termos de privacidade, segurança e direitos humanos.

Impedir acesso de menores a sites pornográficos é um desafio

Uma separação rigorosa entre sites que possuem ou não pornografia significa que a definição de pornografia (que não é ilegal no Reino Unido) se torna crucial.

Empresas de tecnologia provavelmente usarão algoritmos conservadores (fazendo “bloqueio excessivo“) em resposta. Historicamente, isso tem afetado a educação sexual online, dificultando que jovens encontrem conselhos sobre saúde sexual ou explorem identidades LGBT+.

A falha na implementação da lei em 2019 foi atribuída a um erro administrativo, mas os problemas com as soluções tecnológicas também pesaram.

Embora a tecnologia na área mal tenha progredido, mas, ainda assim, o regulador Ofcom afirma que agora vários métodos são capazes de ser altamente eficazes.

Os métodos que o Ofcom sugere agora se dividem em duas categorias, que descreverei aqui como diretos e indiretos.

Compartilhar documentos e selfies é opção mais invasiva

Com os métodos diretos, os visitantes terão de provar ao site que são maiores de 18 anos. A maneira mais óbvia é apresentar um documento de identidade com foto, como um passaporte, e também uma selfie como prova de que o passaporte pertence a eles.

Na terminologia de cibersegurança, o passaporte é uma “credencial”, e a selfie serve para “vincular” a credencial ao usuário.

A maioria das pessoas obviamente é contrária a enviar esses dados para um site pornográfico. Parte da razão é que isso identificaria totalmente os usuários e permitiria que o site associasse sua identidade às preferências de navegação.

Anonimato no acesso a sites pornográficos tem aspectos positivos

O anonimato na internet pode ter ganhado má fama por causa dos “trolls” online, mas guarda uma importante dimensão positiva para os direitos humanos, particularmente também para as crianças.

A liberdade de expressão e associação pode ser exercida com muito mais segurança se o anonimato online for uma opção.

O acesso anônimo a quaisquer sites relacionados ao sexo pode ser visto como uma forma de liberar as pessoas para exercerem seu direito a uma vida sexual sem interferência ou vergonha.

A maioria dos métodos de verificação de idade mina o anonimato em alguma medida, mesmo que não tão óbvia e completamente quanto passaportes e selfies.

Identificação indireta tem outros tipos de risco

Os métodos indiretos usam uma organização intermediária para verificar a idade da pessoa. Existem grupos de lobby associados a essas organizações que têm sido influentes na formulação de políticas de segurança online no Reino Unido na última década.

Outra forte influência tem sido a crença dos políticos no potencial econômico do setor de “tecnologia de segurança” do Reino Unido.

Os usuários provam sua idade uma vez com o intermediário, levando a uma credencial que pode ser usada – normalmente várias vezes – no site sem fornecer dados pessoais.

Risco de mercado negro de credenciais merece atenção

Isso parece uma solução bonita e limpa, exigindo confiança no intermediário, mas não no “site pornô”, até que você considere o “vínculo” – como saber que é o mesmo usuário?

O empréstimo ou roubo desse tipo de credencial pode representar riscos menos significativos. Mas um mercado negro poderia fornecer maneiras para adolescentes contornarem as restrições de idade.

Isso pode ocorre juntamente com redes privadas virtuais VPNs, um método de criptografia que impede que o tráfego de internet de um usuário seja interceptado por terceiros.

Detecção de abusos para evitar acesso a sites pornográficos também privacidade

Qualquer método para “detectar abusos” envolveria vigilância, como rastrear endereços IP ou usar informações sobre o dispositivo eletrônico da pessoa. Isso cria novos desafios relacionados à equidade.

Os intermediários prometem excluir ou proteger as informações usadas para a prova de idade após períodos variáveis. Isso limita os riscos de segurança e, consequentemente, de privacidade, mas não os elimina.

Existem também métodos indiretos, nos quais uma outra entidade por acaso sabe que alguém é maior de 18 anos.

Isso inclui bancos (o método de verificação de “open banking”), cartões de crédito (não permitidos para menores de 18 anos no Reino Unido) ou empresas de telefonia móvel que podem confirmar que uma pessoa conseguiu remover seu filtro de pornografia, provando que deve ser maior de 18 anos.

Todos os métodos indiretos apresentam os chamados problemas de privacidade de “rastreabilidade”.

A credencial se torna um identificador, o que permite ao site, ao intermediário, ou a ambos, vincular diferentes visitas ao mesmo site ou a outros sites e construir um perfil como um histórico de navegação que se tornará mais individual e intrusivo com o tempo.

Estimativa de idade provoca outro tipo de vigilância

Finalmente, existem métodos que não verificam sua idade, mas apenas a estimam. Uma maneira é através do seu endereço de e-mail e detectando a existência de  “comportamento adulto”, como fazer uma apólice de seguro. 

Para a maioria dos internautas que não usa endereços de e-mail descartáveis, isso evidencia a extensão em que nosso endereço de e-mail principal se torna a chave para a vigilância online em massa de tudo o que fazemos.

Talvez preferíssemos não ser lembrados. Certamente parece excessivo para provar nossa idade.

Muito esforço comercial também tem sido dedicado à tecnologia de estimativa de idade baseada em reconhecimento facial.

Assim como na verificação de idade humana para a compra de bebidas alcoólicas em supermercados, é um método muito aproximado e injusto para pessoas que não aparentam a idade que têm.

Em ambos os casos, outro método de verificação precisa ser adicionado como backup.

Novos bancos de dados criam alvos para cibercriminosos

Para tornar o mundo online mais seguro para crianças, as medidas tecnológicas tiveram um efeito adverso na liberdade que vai além de apenas remover a pornografia. Como resultado, uma vigilância online adicional é implementada para muitos de nós.

A criação de bancos de dados adicionais de informações sensíveis também cria alvos para cibercriminosos.

De forma ainda mais preocupante, o “estado de banco de dados” oferece potencial para o tipo de vigilância em massa repressiva que ativistas da privacidade vêm alertando há décadas.

Nesse contexto, podemos realmente nos dar ao luxo de adicionar mais vigilância à internet?


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.