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Reputação

Trump no Reino Unido: entenda a pompa, a política e as polêmicas da rara segunda visita de Estado de um chefe estrangeiro

por David Hastings Dunn | Professor de Política Internacional no Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais da Universidade de Birmingham

Donald Trump saudando tropas militares ao chegar ao Reino Unido para sua segunda visita de Estado

Donald Trump desembarcou no Reino Unido na noite de 16 de setembro e foi recebido com honras de Chefe de Estado (foto: divulgação)



 

Donald Trump está fazendo sua segunda visita de Estado ao Reino Unido, e vale comparar com a visita realizada seis anos atrás, quando a rainha Elizabeth II ainda estava no trono.

Embora seja incomum haver visitas de Estado do mesmo líder duas vezes, a segunda de Trump, de 16 a 18 de setembro, está em conformidade com o protocolo real.

Ele prevê que um chefe de Estado pode fazer uma visita ao Reino Unido por monarca. Como agora Charles III é o chefe de Estado britânico, o protocolo permite que Trump realize uma segunda visita.

Muita coisa mudou no mundo e também na postura do presidente dos EUA desde a primeira visita.

Do ponto de vista britânico, o objetivo será minimizar as diferenças entre os dois líderes e destacar a continuidade nas relações entre Reino Unido e EUA.

Isso significa reforçar o relacionamento histórico entre os dois países, seu patrimônio comum, tradições culturais e políticas, valores compartilhados e visão internacional.

Visitas de Estado são uma narrativa pictórica de conectividade simbólica, tanto cultural quanto política, um elo visível com visitas e relações passadas.

Pompa real para o casal Trump no Reino Unido

Para atingir esse objetivo, os Trump visitarão a Capela de São Jorge em Windsor, inspecionarão a guarda de honra e farão um tour pela coleção real na Green Drawing Room do Castelo de Windsor, onde verão serão objetos relacionados à história compartilhada entre britânicos e americanos.

Um sobrevoo conjunto de aeronaves F-35 das forças aéreas britânica e americana simbolizará a colaboração industrial e militar como como parte da “relação especial”

Assim como na primeira visita, o programa foi coreografado para manter Trump a uma distância segura de manifestantes e da política.

Essa será novamente a versão de “patrimônio e alta sociedade” da Grã-Bretanha. A visita representa um ponto alto na trajetória de Trump, tendo saído de subúrbio de Nova York até chegar ao coração do que ele considera ser a sociedade de elite.

Simbolicamente, o presidente parece completar a jornada de sua mãe, que fugiu da pobreza na Escócia nos anos 1930, para agora seu filho ser recebido e celebrado pelo monarca britânico.

O amor de Trump pela família real é bem documentado: sua fama global, celebridade e prestígio são aspectos da vida pública performática que ele aspira emular.

O fantasma Epstein assombrando Trump

A visita de Trump acontece enquanto o Reino Unido enfrenta vários assuntos de interesse direto para os EUA.

O primeiro é a demissão de Peter Mandelson do cargo de embaixador britânico em Washington.

Mandelson havia desenvolvido uma relação próxima com o presidente americano.

Sua saída — em meio a uma polêmica sobre amizade com Jeffrey Epstein — pode estar em destaque na mente de Trump, justamente quando opositores em casa pressionam para descobrir mais sobre a natureza de sua própria relação com o financista desacreditado.

Reino Unido e a Palestina

Outro ponto é a promessa do governo britânico de reconhecer o Estado palestino, em conjunto com outros países do G7 como França e Canadá.

A posição oficial dos EUA, reafirmada recentemente pelo embaixador americano em Israel, Mike Huckabee, é de que reconhecer a Palestina seria “desastroso” e “uma recompensa ao terrorismo monstruoso do Hamas”.

Também é provável que o governo britânico queira que Trump evite referências às recentes marchas anti-imigração.

Para o primeiro-ministro Keir Starmer, a esperança é que Trump e sua comitiva se comportem da melhor forma durante a visita, para não estragar o clima de celebração.

Talvez repetir com frequência a expressão “relação especial” ajude a blindar o Reino Unido das críticas trumpistas.

O desafio da segunda visita de Estado de Trump

O verdadeiro teste, porém, virá depois de toda a pompa das guardas de honra, sobrevoos e banquetes de Estado, quando Trump deve se reunir com Starmer em Chequers, em 18 de setembro.

Starmer quer que a narrativa se concentre em um novo acordo “histórico” para a construção de reatores nucleares entre os dois países, além de tentar negociar um regime tarifário mais favorável para exportações britânicas de aço.

É improvável, no entanto, que a demissão de Mandelson e o reconhecimento da Palestina deixem de ser mencionados.

A possibilidade de o presidente americano expor suas opiniões em público certamente preocupa o primeiro-ministro e seus assessores.

Trump já demonstrou sua tendência de tentar dominar todos os ciclos de notícias com declarações e atos provocativos — estratégia conhecida como “flooding the zone”.

Em sua primeira visita de Estado ao Reino Unido, ele a precedeu com uma entrevista ao jornal The Sun, na qual interveio na disputa pela liderança do Partido Conservador.

Ele endossou Boris Johnson, dizendo que ele seria um excelente novo primeiro-ministro.

Ao assumir o cargo, Trump imediatamente iniciou uma troca de mensagens no Twitter com o prefeito de Londres, Sadiq Khan, que havia se posicionado contra sua visita, chamando-o de “um perdedor frio como pedra”.

Um presidente muito diferente

A primeira pesidência de Trump foi em grande parte administrada pelos chamados “adultos na sala”.

Ele estava cercado de assessores do establishment que protegiam tanto o presidente novato quanto o mundo de alguns de seus impulsos mais erráticos.

No segundo mandato, porém, apresenta-se uma versão muito diferente de Trump no poder.

Cercado de leais e apoiadores, ele vem desmontando a ideia tradicional do que o poder americano representa, interna e externamente.

Do tumulto doméstico, em que suas políticas desafiam repetidamente as normas constitucionais dos EUA, às políticas externas e comerciais erráticas e muitas vezes perigosas, o contraste é marcante.

Na política externa, isso se traduz em uma disposição de usar o poder americano para avançar interesses nacionais sem concessões claras aos aliados.

A pressão para defender a indústria de combustíveis fósseis, o endurecimento contra a China e a defesa de uma visão absolutista da liberdade de expressão são traços dessa estratégia de segundo mandato — e provavelmente estarão na pauta do encontro com Starmer.

Com um presidente disposto a mudar sua política externa conforme o humor do dia, esta é uma visita repleta de potenciais armadilhas.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.

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