Donald Trump está fazendo sua segunda visita de Estado ao Reino Unido, e vale comparar com a visita realizada seis anos atrás, quando a rainha Elizabeth II ainda estava no trono.
Embora seja incomum haver visitas de Estado do mesmo líder duas vezes, a segunda de Trump, de 16 a 18 de setembro, está em conformidade com o protocolo real.
Ele prevê que um chefe de Estado pode fazer uma visita ao Reino Unido por monarca. Como agora Charles III é o chefe de Estado britânico, o protocolo permite que Trump realize uma segunda visita.
Muita coisa mudou no mundo e também na postura do presidente dos EUA desde a primeira visita.
Do ponto de vista britânico, o objetivo será minimizar as diferenças entre os dois líderes e destacar a continuidade nas relações entre Reino Unido e EUA.
Isso significa reforçar o relacionamento histórico entre os dois países, seu patrimônio comum, tradições culturais e políticas, valores compartilhados e visão internacional.
Visitas de Estado são uma narrativa pictórica de conectividade simbólica, tanto cultural quanto política, um elo visível com visitas e relações passadas.
Pompa real para o casal Trump no Reino Unido
Para atingir esse objetivo, os Trump visitarão a Capela de São Jorge em Windsor, inspecionarão a guarda de honra e farão um tour pela coleção real na Green Drawing Room do Castelo de Windsor, onde verão serão objetos relacionados à história compartilhada entre britânicos e americanos.
Um sobrevoo conjunto de aeronaves F-35 das forças aéreas britânica e americana simbolizará a colaboração industrial e militar como como parte da “relação especial”
Assim como na primeira visita, o programa foi coreografado para manter Trump a uma distância segura de manifestantes e da política.
Essa será novamente a versão de “patrimônio e alta sociedade” da Grã-Bretanha. A visita representa um ponto alto na trajetória de Trump, tendo saído de subúrbio de Nova York até chegar ao coração do que ele considera ser a sociedade de elite.
Simbolicamente, o presidente parece completar a jornada de sua mãe, que fugiu da pobreza na Escócia nos anos 1930, para agora seu filho ser recebido e celebrado pelo monarca britânico.
O amor de Trump pela família real é bem documentado: sua fama global, celebridade e prestígio são aspectos da vida pública performática que ele aspira emular.
O fantasma Epstein assombrando Trump
A visita de Trump acontece enquanto o Reino Unido enfrenta vários assuntos de interesse direto para os EUA.
O primeiro é a demissão de Peter Mandelson do cargo de embaixador britânico em Washington.
Mandelson havia desenvolvido uma relação próxima com o presidente americano.
Sua saída — em meio a uma polêmica sobre amizade com Jeffrey Epstein — pode estar em destaque na mente de Trump, justamente quando opositores em casa pressionam para descobrir mais sobre a natureza de sua própria relação com o financista desacreditado.
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Reino Unido e a Palestina
Outro ponto é a promessa do governo britânico de reconhecer o Estado palestino, em conjunto com outros países do G7 como França e Canadá.
A posição oficial dos EUA, reafirmada recentemente pelo embaixador americano em Israel, Mike Huckabee, é de que reconhecer a Palestina seria “desastroso” e “uma recompensa ao terrorismo monstruoso do Hamas”.
Também é provável que o governo britânico queira que Trump evite referências às recentes marchas anti-imigração.
Para o primeiro-ministro Keir Starmer, a esperança é que Trump e sua comitiva se comportem da melhor forma durante a visita, para não estragar o clima de celebração.
Talvez repetir com frequência a expressão “relação especial” ajude a blindar o Reino Unido das críticas trumpistas.
O desafio da segunda visita de Estado de Trump
O verdadeiro teste, porém, virá depois de toda a pompa das guardas de honra, sobrevoos e banquetes de Estado, quando Trump deve se reunir com Starmer em Chequers, em 18 de setembro.
Starmer quer que a narrativa se concentre em um novo acordo “histórico” para a construção de reatores nucleares entre os dois países, além de tentar negociar um regime tarifário mais favorável para exportações britânicas de aço.
É improvável, no entanto, que a demissão de Mandelson e o reconhecimento da Palestina deixem de ser mencionados.
A possibilidade de o presidente americano expor suas opiniões em público certamente preocupa o primeiro-ministro e seus assessores.
Trump já demonstrou sua tendência de tentar dominar todos os ciclos de notícias com declarações e atos provocativos — estratégia conhecida como “flooding the zone”.
Em sua primeira visita de Estado ao Reino Unido, ele a precedeu com uma entrevista ao jornal The Sun, na qual interveio na disputa pela liderança do Partido Conservador.
Ele endossou Boris Johnson, dizendo que ele seria um excelente novo primeiro-ministro.
Ao assumir o cargo, Trump imediatamente iniciou uma troca de mensagens no Twitter com o prefeito de Londres, Sadiq Khan, que havia se posicionado contra sua visita, chamando-o de “um perdedor frio como pedra”.
Um presidente muito diferente
A primeira pesidência de Trump foi em grande parte administrada pelos chamados “adultos na sala”.
Ele estava cercado de assessores do establishment que protegiam tanto o presidente novato quanto o mundo de alguns de seus impulsos mais erráticos.
No segundo mandato, porém, apresenta-se uma versão muito diferente de Trump no poder.
Cercado de leais e apoiadores, ele vem desmontando a ideia tradicional do que o poder americano representa, interna e externamente.
Do tumulto doméstico, em que suas políticas desafiam repetidamente as normas constitucionais dos EUA, às políticas externas e comerciais erráticas e muitas vezes perigosas, o contraste é marcante.
Na política externa, isso se traduz em uma disposição de usar o poder americano para avançar interesses nacionais sem concessões claras aos aliados.
A pressão para defender a indústria de combustíveis fósseis, o endurecimento contra a China e a defesa de uma visão absolutista da liberdade de expressão são traços dessa estratégia de segundo mandato — e provavelmente estarão na pauta do encontro com Starmer.
Com um presidente disposto a mudar sua política externa conforme o humor do dia, esta é uma visita repleta de potenciais armadilhas.
Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.