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Crianças nas redes

Austrália lança campanha milionária antes da lei banindo crianças das redes entrar em vigor: ‘Para o bem’

Regulamentação começa a valer em dezembro, determinando que uso de mídias digitais só pode ser feito a partir de 16 anos

Crianças sentadas em um banco de praça com o celular nas mãos.

Lei inédita no mundo pode proibir menores de 16 anos de acessarem redes sociais (Imagem: screenshot da campanha "For The Good Of / Reprodução/X)



A regulamentação australiana, aprovada em 2024, levantou questionamentos sobre eficácia de proibir redes sociais para menores de 16 anos, e a campanha criada pelo governo tenta quebrar resistências.


O governo da Austrália anunciou uma ação milionária de divulgação para promover uma nova lei que proíbe crianças e adolescentes de acessarem redes sociais.

Intitulada “For The Good Of” (“Para o Bem”, em tradução livre), os anúncios incentivam adultos a explicar aos jovens as mudanças que devem ocorrer a partir de 10 de dezembro, que é quando a Lei de Idade Mínima para Redes Sociais (SMMA) entra em vigor.

A campanha publicitária custou 14 milhões de dólares australianos (cerca de 49,7 milhões de reais) e deve estrear no próximo domingo (19) na televisão, rádios, em outdoors e, ironicamente, nas redes sociais em geral.

Aprovada no congresso australiano em novembro de 2024, a nova legislação determina que a idade mínima para criação de contas e uso das redes sociais passará de 13 para 16 anos, exigindo comprovação de identidade.

A lei passa a valer para plataformas como Facebook, TikTok, Instagram, Snapchat, X (ex-Twitter) e até mesmo o YouTube.

Empresas que não cumprirem os termos da lei podem ser punidas em multas de até 50 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 177 mi).

‘Pelo bem estar deles’

O comercial, um vídeo de 45 segundos, exibe uma série de crianças imersas em seus telefones, enquanto um narrador pronuncia seus nomes — “pelo bem de Kirsty, pelo bem de Lucy e Anya, pelo bem de Sam, pelo bem de Holly, pelo bem de Noah, pelo bem do bem-estar deles.”

O anúncio acrescenta: “a partir de 10 de dezembro, pessoas com menos de 16 anos não poderão mais ter acesso a contas em redes sociais. É parte de uma nova lei para manter jovens mais seguros online.”

Para o premiê da Austrália, Anthony Albanese, a proibição do acesso a redes sociais se justifica pelo potencial impacto em crianças e adolescentes, expondo-os a conteúdos com desinformação, viabilizando o bullying e criando padrões de beleza inacessíveis.

Em uma coletiva, a ministra de comunicações do país, Anika Wells, informou que o objetivo da ação é ajudar famílias a se preparar para as mudanças.

“O propósito dessa lei é claro — isso se trata de criar mudanças culturais para que jovens australianos tenham mais três anos para construir conexões no mundo real e resiliência online.”

A campanha educacional também seguirá com a divulgação de uma cartilha de novas orientações para políticas de redes sociais para o público jovem.

O documento foi elaborado pelo Office of the Australian Information Commissioner (OAIC), entidade independente que regula privacidade e liberdade na Austrália.

O documento da OAIC determina que organizações de redes sociais escolham “métodos de garantia de idade que são necessários e proporcionais ao público”, bem como minimizando a coleta de dados sensíveis. Os dados coletados devem ter o uso transparente e consensual por parte dos usuários.

Lei preocupa redes sociais

Na coletiva de imprensa, Anika Wells informou também que tanto o ministério das comunicações quanto a OAIC possuem reuniões marcadas com representantes das plataformas nesta semana, incluindo Meta, TikTok e Snapchat. O objetivo do encontro é “reforçar as expectativas do governo de que a lei será cumprida.”

“Estou certa de que eles entendem as obrigações deles sob as leis australianas e que eles irão cumprir com suas obrigações”, afirmou ela no evento.

Uma vez aprovada, a lei deve ser a primeira no mundo a estipular um controle tão rigoroso do acesso às plataformas por idade. Na semana passada, a Dinamarca anunciou que estuda uma medida similar, prevendo a idade mínima para 15 anos.

Mas enquanto governos ao redor do mundo cogitam seguir o exemplo da Austrália, as próprias plataformas de redes sociais já se manifestaram contrárias às leis que proíbem o acesso de crianças aos seus serviços.

Em uma sessão pública no senado, Rachel Lord, representante de políticas públicas do Google na Austrália, afirmou que cumprir a nova lei será desafiador tanto do ponto de vista prático quanto técnico. Segundo ela:

“A legislação não será apenas extremamente difícil de se fazer cumprir, como também não cumpre sua premissa de manter as crianças mais seguras online. A solução para manter as crianças mais seguras online não é proibi-las de estarem online.”

De acordo com a Reuters, o Google avalia tomar uma ação legal para ser excluída do banimento, uma vez que a estrutura do YouTube se diferencia das demais redes.

Inman Grant, ex-executivo do X, afirmou ao comitê de que a lei precisava ser feita sem “silenciar as cordas salva-vidas” deste público, especialmente “daqueles que podem vir de comunidades em desvantagem ou dos que se sentem mais à vontade online.”

Entidades de direitos humanos também são contra

John Pane, integrante do Electronic Frontiers Australia e ex-membro da comissão técnica da lei, deixou o projeto em agosto ao observar pontos cegos envolvendo a privacidade dos usuários:

“Há tantas preocupações com o que é divulgado e tantas preocupações com a política, e o jeito que eles estão vendendo isso é enganoso,” ele afirmou ao The Sydney Morning Herald.

Pane acrescentou que os testes detectaram que algumas destas empresas estavam construindo meios para que estas empresas coletassem e armazenassem a biometria de milhões de australianos.

Em novembro do ano passado, a Anistia Internacional se manifestou contrária à medida, alertando que os bloqueios poderiam levar os adolescentes a acessarem a dark web ou a se sentirem mais isolados:

“Nos últimos anos, a Anistia Internacional documentou os impactos nocivos das mídias sociais sobre os direitos humanos, particularmente sobre os direitos humanos de crianças e jovens. No entanto, as mídias sociais também permitem que os jovens se conectem, aprendam e se expressem.

Uma proibição que isole os jovens não atenderá ao objetivo do governo de melhorar a vida dos jovens.”

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