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Mídia nos EUA

Jornalismo local em crise nos EUA: 40% dos jornais sumiram em duas décadas e audiência digital também encolheu

Estudo da Medill School of Journalism revela que em duas décadas, 75% dos empregos na imprensa foram eliminados

Estações de venda de jornais em rua dos EUA

Nikolay Loubet / Unsplash




Enquanto os influenciadores de notícias conquistam cada vez mais a preferência do público, a imprensa tradicional vai encolhendo e os desertos de notícias estão se expandindo em vários países, incluindo nos EUA, como mostra a décima edição do relatório “State of Local News 2025”.

O estudo anual, feito pela Medill School of Journalism da  Northwestern University, revelando um cenário desolador de  jornais centenários encerrando as atividades e cidades inteiras sem cobertura de imprensa local.

De acordo com o levantamento, 40% dos jornais americanos desapareceram em duas décadas – e 75% dos empregos no setor foram junto.

O problema vai além dos impressos. A audiência digital também encolheu, levando o país a se aproximar do que os pesquisadores denominaram como  “um colapso informativo” em comunidades pequenas e rurais.

O mapa da informação local em 2025

Desde 2005, cerca de 3,5 mil jornais fecharam, o equivalente a 40% do total, diz o estudo. Apenas em 2024, outros 136 deixaram de circular — uma média de dois por semana.

Restam aproximadamente 5,4 mil  jornais impressos em território americano, acompanhados por 685 veículos digitais independentes, 849 sites ligados a redes, 650 meios de comunicação étnicos e 342 emissoras públicas.

Mesmo com essa diversidade, a cobertura está cada vez mais desigual. Dos 8 mil meios de comunicação rastreados pela Medill School, 65% estão em áreas urbanas ou suburbanas, e menos de 10% dos veículos exclusivamente digitais operam em condados rurais.

O crescimento dos novos projetos ocorre, sobretudo, em regiões mais ricas e com maior escolaridade, o que reforça o desequilíbrio geográfico da informação, apontam os pesquisadores.

Circulação e audiência em queda

O colapso da circulação impressa foi acompanhado de um declínio digital igualmente acentuado. Entre os 100 maiores jornais monitorados pela Comscore, as visualizações mensais caíram em média 45% nos últimos 4 anos, e apenas 11 apresentaram crescimento, apuraram os pesquisadores.

A integração de respostas automáticas por inteligência artificial nos buscadores, que exibem resumos sem gerar cliques para as fontes originais, é apontada como uma das causas da retração.

A nova lista de “predadores da imprensa” divulgada pela organização Repórteres Sem Fronteiras no Dia Internacional pelo Fim da Impunidade de Crimes contra Jornalistas, inclui a Meta e Alphabet, dona do Google, ao lado de ditadores que censuram a mídia e figuras públicas que atacam a credibilidade de meios tradicionais, como Elon Musk e Javier Milei.

50 milhões vivendo em desertos de notícias

O relatório registra 213 condados americanos sem qualquer fonte local de informação — eram 206 no ano anterior— e 1.524 com apenas um veículo restante, normalmente um jornal semanal.

Juntos, esses condados concentram cerca de 50 milhões de habitantes, o equivalente a 1 em cada 7 americanos sem acesso regular a notícias locais.

Em 80% desses desertos, as comunidades são classificadas como rurais e enfrentam infraestrutura precária. Em 20% deles, menos de 10% dos moradores têm acesso à internet de alta velocidade.

A Medill fez uma projeção indicando 250 condados com mais de 40% de probabilidade de perderem sua última fonte de notícias até 2035 — um retrato preocupante do risco de apagões informativos.

Onde as perdas foram maiores

Em 2005 havia 3 jornais para cada 100 mil habitantes; em 2025 são 1,6. A circulação caiu de 120 milhões para 38 milhões de exemplares, uma redução de 70%.

O impacto foi mais forte nas áreas metropolitanas: 70% dos 3.500 jornais que desapareceram estavam em condados urbanos e 25% das perdas ocorreram em apenas 10 regiões, incluindo Nova York, Chicago, Boston, Filadélfia e Minneapolis.

Milwaukee e Rochester perderam 80% de seus jornais; Columbus, 74%. Em termos proporcionais, estados como Maryland, Nova Jersey, Maine, Havaí e Ohio foram os mais afetados, cada um perdendo mais de 100 títulos nos últimos 20 anos.

Empregos em queda e redações menores

O número de pessoas empregadas na indústria jornalística caiu de mais de 370 mil em 2005 para 91.550 em 2024 — uma redução superior a 75%. No último ano, o setor perdeu 7% dos postos de trabalho.

Apenas 29% dos jornalistas atuam hoje em jornais, ante 71% há duas décadas. Rádio e televisão registraram pequenos ganhos, de cerca de 500 vagas somadas, mas insuficientes para compensar as perdas em jornais e veículos digitais.

Em 39 estados, o total de jornalistas é inferior a 1 mil profissionais, o que reforça a dificuldade de manter redações regionais ativas e cobertura regular de assuntos locais.

Consolidação e mudanças de propriedade

A concentração de propriedade, uma das ameaças à liberdade de imprensa, aumentou nos EUA. O estudo mostra que o número de proprietários de jornais foi reduzido pela metade: de 3.995 em 2005 para menos de 1.900 em 2025.

Entre os diários, a concentração é ainda maior: de 459 donos há duas décadas para 165 hoje. As 10 maiores empresas controlam 25% de todos os jornais e 60% dos diários.

O ritmo de transações também se manteve alto. Em 2025, 201 jornais mudaram de mãos em 94 negociações, a maioria envolvendo redes de médio porte e investidores locais.

Alguns negócios chamaram atenção, como a doação do Spokane Spokesman-Review a uma organização sem fins lucrativos e a venda do Austin American-Statesman do grupo Gannett para o Hearst. A proporção de títulos independentes diminuiu, principalmente entre jornais menores em áreas rurais.

Os novos hábitos de leitura dos americanos

Uma pesquisa da Medill com leitores de Chicago, parte do relatório de 2025,  mostra como os hábitos mudaram: 40% afirmaram obter notícias no smartphone, 5% ainda recorrem regularmente ao impresso e 30% disseram consumir informações de criadores de conteúdo.

A migração de público e a perda de receita levaram jornais a cortar custos e reduzir frequência. Hoje, menos de 20% dos diários ainda circulam 7 dias por semana, e cerca de 25% imprimem 4 dias ou menos.

Fechamentos de gráficas e impressão terceirizada interestadual tornaram-se comuns.

O Providence Journal passou a ser impresso em Nova Jersey, o Star Tribune em Iowa, e títulos como o New Jersey Star-Ledger, o Birmingham News e o San Diego Reader migraram para o formato exclusivamente digital. O Atlanta Journal-Constitution planeja seguir o mesmo caminho até o fim de 2025.

Radiodifusão pública: alcance vital, financiamento sob pressão

As emissoras públicas tornaram-se um pilar essencial da informação em comunidades com poucos veículos locais. As 342 estações das redes públicas NPR e PBS rastreadas pela Medill cobrem mais de 90% dos condados americanos.

Seus sinais primários chegam a 46% dos desertos de notícia e a 53% dos condados com apenas uma fonte; com repetidores, o alcance sobe para 82% e 90%, respectivamente.

Esse sistema, porém, foi abalado por uma decisão do Congresso que a pedido de Donald Trump rescindiu mais de US$ 1 bilhão em recursos destinados à Corporation for Public Broadcasting, eliminando o financiamento federal das afiliadas locais.

Cerca de 10% das estações dependem dessas verbas para mais de 40% do orçamento, e dois terços contam com apoio público para ao menos 10% da receita. As mais vulneráveis estão em áreas pobres e rurais, onde é difícil compensar o corte com doações privadas.

O impacto já provocou demissões em emissoras como a PBS Carolina do Norte e a KUNC, no Colorado, e pode levar ao fechamento da PBS de Nova Jersey em 2026.

Startups e filantropia: sinais de reação

Mesmo com o cenário adverso, o relatório aponta avanços pontuais. Nos últimos 5 anos surgiram mais de 300 startups de jornalismo local, quase 80% delas digitais.

O estado de Illinois criou créditos fiscais para retenção de jornalistas, beneficiando 120 redações — mais da metade fora da área de Chicago. Nova York aprovou medida semelhante, mas ainda sem execução. Propostas em Maryland, Massachusetts e Novo México não avançaram.

Na filantropia, o programa Press Forward distribuiu subsídios para mais de 200 redações com orçamentos inferiores a US$ 1 milhão, com cerca de 25% dos recursos destinados a áreas rurais.

Outras fundações anunciaram planos emergenciais de financiamento para rádios e TVs públicas, somando US$ 36,5 milhões em subsídios de estabilização.

Ainda assim, a concentração permanece alta: das 10.000 maiores bolsas concedidas nos últimos 5 anos, 95% foram para organizações urbanas e 98% do valor total ficou nas cidades.

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