Por Claudia Wallin, de Estocolmo
A pandemia de desinformação provocada pelo novo coronavírus também atingiu a Suécia. O ministro da Defesa, Peter Hultqvist, foi a público alertar contra uma campanha de notícias falsas sobre a estratégia sueca de combate ao Covid-19 − promovida, segundo ele, principalmente por sites de notícias de Rússia, China e Azerbaijão.
” O objetivo é criar pânico e reduzir a confiança da população nas autoridades”, declarou Hultqvist.
Veículos russos, como Sputnik News e Russia Today, segundo comentaristas suecos, seriam fontes regulares de notícias falsas sobre a resposta sueca ao novo coronavírus.
Relatório da Comissão Europeia, divulgado pela Reuters em março, afirmou que a mídia estatal russa conduz uma ampla campanha de desinformação destinada a criar pânico e caos no Ocidente. Entre outros exemplos, a Comissão listou reportagem publicada pela agência de notícias russa Ria Novosti em 29 de janeiro, com o título “Disseminação do Corona é dirigida pelos grandes conglomerados farmacêuticos em busca de maiores lucros”. O governo russo negou as acusações, que atribuiu a uma “obsessão anti-Rússia”.
No dia 17 de março, o site de notícias de língua russa Haqqin, baseado no Azerbaijão, publicou uma fake news que viralizou e registrou mais de 1,7 milhão de visualizações: o artigo dizia que a Suécia decidiu não combater o Covid-19, e que portanto o vírus não representava uma ameaça contra as pessoas. Citada no artigo, a sueca Joanna Soltysiakfoi contactada pela TV pública sueca SVT, e se disse surpresa: “Não participei de nenhuma entrevista a respeito. Isso é simplesmente surreal”.
Outra fonte de fake news na pandemia são sites da extrema-direita xenófoba sueca, que publicam artigos com afirmações − por exemplo − de que o Covid-19 foi originado em campos de refugiados.
The Guardian vira alvo dos suecos
Em meio à disseminação da desinformação, os suecos censuraram até as práticas de um respeitado jornalão britânico. As críticas análises do The Guardian sobre o modelo sueco de combate à pandemia, publicadas em março e abril, inspiraram artigos virtualmente idênticos nas redações de vários países da Europa − e segundo comentaristas suecos, as reportagens originais beiraram as fake news.
A estratégia dissonante adotada pela Suécia para fazer frente à pandemia − um soft lockdown − foi manchete em todo o mundo.
No dia 30 de março, com o título “Eles estão nos conduzindo à catástrofe”, o Guardian publicou reportagem dando destaque para os aspectos liberais da estratégia sueca, como o fato de bares e restaurantes permanecerem abertos em meio à pandemia. Na visão de jornalistas suecos, tratou-se de uma análise simplória, que passou a falsa impressão de que a Suécia vivia um “business as usual” em meio à tragédia do Covid-19.
Com títulos semelhantes, como “Estamos nos aproximando da catástrofe”, artigos com o mesmo conteúdo do The Guardian surgiram em várias outras publicações seuropeias. Em abril, o mesmo ocorreu com uma segunda reportagem do jornal britânico, intitulada “A Suécia se prepara para possíveis medidas mais drásticas à medida que cresce o número de mortes”: um dia depois da publicação, textos semelhantes surgiram em diversos jornais europeus, como o italiano La Reppublica e o Dennik K, da Eslováquia − que citou o Guardian como fonte.
De novo, o The Guardian foi criticado na Suécia por publicar uma reportagem classificada como equivocada, pois segundo comentaristas suecos utilizou-se de falas pinçadas fora de contexto para apresentar um cenário no qual as autoridades suecas teriam admitido o fracasso da estratégia e estariam portanto se preparando para seguir a linha mais drástica adotada pelos vizinhos europeus − um cenário que, afinal, não se concretizou.
“Isso demonstra como veículos influentes da mídia mainstream, considerados por várias redaçõeseuropeias como fontes confiáveis, podem ser responsáveis pela disseminação de notícias falsas”, destacou o jornalista Patrik Oksanen no diário sueco Dagens Nyheter.
Ele pontua que os ataques do presidente americano Donald Trump às fake news são direcionados especificamente contra veículos influentes e reconhecidos como fontes confiáveis, como o New York Times e Washington Post. E acrescenta:
“A melhor forma de responder aos ataques de líderes populistas contra a mídia mainstream é apurar cuidadosamente cada reportagem. A crise do coronavírus torna esta tarefa ainda mais urgente”.
Radicada na Suécia desde 2003, Claudia Wallin é jornalista e autora do livro ‘Um País Sem Excelências e Mordomias’, sobre o modelo político sueco. É graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em Estudos sobre a Rússia e o Leste Europeu pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, Foi repórter e redatora da Editoria Internacional do jornal O Globo até se transferir para a Inglaterra, onde atuou durante dez anos como diretora da International Herald Tribune TV, chefe do escritório de jornalismo da TV Globo em Londres e jornalista da seção brasileira da BBC World Service, onde ainda atua como correspondente stringer em Estocolmo.
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