Londres – A jornalista Sedef Kabaş, uma celebridade da mídia turca, está presa desde o último sábado em resposta ao uso de um provérbio considerado ofensivo ao presidente Recep Erdogan durante uma entrevista e nas redes sociais.

Ela já trabalhou em grandes emissoras de TV e hoje mantém seu canal de notícias no YouTube. Foi capturada em casa às 2h da manhã do dia 22 de janeiro, horas depois da postagem, e seus advogados não conseguiram libertá-la. 

Erdogan prometeu não deixar barato. Em entrevista na quarta-feira, disse que a ofensa à presidência não ficaria impune e que o caso não poderia ser tratado como violação da liberdade de expressão. 

Jornalista foi presa por causa de um ditado

O tuíte que irritou Erdogan, que tem um histórico de perseguições à imprensa, não mencionava diretamente o nome do presidente.

Durante um programa na TELE1 TV em 14 de janeiro, Sedef Kabaş disse: “Há um famoso ditado, ‘Uma cabeça coroada ficará mais sábia’. Mas vemos que essa não é a realidade.

Há também um ditado que é exatamente o oposto: Quando o boi chega ao palácio, ele não se torna rei. Mas o palácio se torna um estábulo.

Dias depois ela postou o mesmo provérbio em suas redes sociais. 

Políticos ligados ao presidente Recep Erdoğan criticaram a fala da jornalista. Horas depois da postagem ela foi presa. 

O recurso contra sua prisão preventiva foi rejeitado pelo tribunal. Kabaş está atualmente mantida na Prisão Feminina Bakırköy em Istambul.

Sanções se estenderam à TELE1

Além da prisão de Kabaş, a TELE1 foi multada pela RTÜK, o órgão regulamentador das telecomunicações da Turquia. E o programa que entrevistou a jornalista teve sua transmissão suspensa por cinco edições.

O caso tomou proporções internacionais, com protestos de várias entidades de defesa da liberdade de imprensa, sobretudo porque a jornalista é uma das mais conhecidas do país.

Sedef Kabaş ficou famosa como apresentadora de TV. Com frequência, ela é convidada para participar de talk shows sobre política, principalmente nos canais de televisão a favor da oposição na Turquia.

Atualmente, ela dirige um canal no Youtube intitulado Sedef Kabaş TV. O canal conta com mais de 87 mil seguidores.

Nos vídeos, a jornalista discute política com seus convidados. Kabaş tem mais de 899 mil seguidores em seu perfil oficial no Twitter.

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Políticos se manifestam contra jornalista presa

Abdulhamit Gül, ministro da Justiça da Turquia, expôs sua contrariedade com a fala de Sedef Kabaş nas redes sociais.

Ele declarou que a jornalista  “receberá o que merece” por seus comentários “ilegais”.

Ao recorrer para reverter a ordem de prisão, a defesa da jornalista argumentou que o tweet do ministro Gül violou a Constituição e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), mas não adiantou. 

Fahrettin Altun, chefe de comunicação do governo turco, também postou uma série de tuítes com críticas a Kabaş. Ele chegou a chamá-la de “imoral” e “irresponsável” por sua fala. 

“Condeno esta arrogância, esta imoralidade nos termos mais fortes possíveis. Isso não é apenas imoral, é também irresponsável em nome da política, da oposição e do jornalismo.

Porque, como disse Nurettin Topçu, “o conceito de responsabilidade deve ser colocado no centro da questão moral.”

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Em defesa da liberdade de expressão

A jornalista presa recebeu o apoio de diversas instituições contrárias à sua prisão.

Em Nova York, Gulnoza Said, coordenador do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) na Europa e Ásia Central, disse que a prisão era tão inaceitável quanto as sanções impostas à TELE1.

“As autoridades turcas deveriam respeitar mais a liberdade de expressão e tentar ser mais abertas a críticas. 

Kabaş deve ser imediatamente libertada e as autoridades devem retirar a acusação contra ela, além de cancelar a multa e a proibição emitidas contra a TELE1.”

O Sindicato dos Jornalistas da Turquia declarou que a prisão de Kabaş  é “um grave ataque à liberdade de expressão”.

O editor-chefe da Tele1, Merdan Yanardag, também criticou duramente a prisão. “Sua detenção às 2 da manhã por causa de um provérbio é inaceitável”, escreveu ele no Twitter. 

“Esta postura é uma tentativa de intimidar os jornalistas, a mídia e a sociedade.”

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Segundo a rede BBC, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, também se manifestou a favor da jornalista presa. 

“Acreditamos que a liberdade de expressão fortalece a democracia e deve ser protegida, mesmo quando há expressões que podem ofender alguns ou são controversas”

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Crime de insulto ao presidente

Na Turquia, insultar o presidente é considerado crime com pena de um a quatro anos. E há uma pena adicional se o insulto for feito em público, de acordo com o artigo 299 do código penal do país.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já pediu à Turquia que mudasse essa lei.

Segundo a Reuters, desde que Erdoğan se tornou presidente em 2014, mais de 160 mil investigações foram realizadas por supostos insultos contra ele. O dado mais grave é que desses processos já resultaram 12.881 condenações. 

De acordo com o CPJ, os casos de “insulto” ao presidente Erdoğan ultrapassam as fronteiras da Turquia. Além dos opositores internos, o presidente turco está processando o jornal grego Dimokratia e a revista francesa Charlie Hebdo.

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